Após ser sabatinado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), nesta quarta-feira (13), o ministro da Justiça, Flávio Dino, foi aprovado pelo plenário do Senado para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Dino recebeu 47 votos favoráveis e 31 contrários. Foram registradas duas abstenções. Para ocupar a vaga na Corte, Dino precisava de 41 votos favoráveis entre os 81 senadores.
Com a aprovação de Dino, o STF passará a ser formado por nada menos do que 7 dos 11 ministros tendo sido indicados por petistas: Lula ou a ex-presidente Dilma Rousseff. O novo ministro da Corte vai herdar 344 ações que estavam sob a análise da ministra Rosa Weber, que se aposentou no final do mês de setembro. Vários dos processos são relativos a temas espinhosos que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a criminalização do aborto, a gestão da pandemia da Covid-19, entre outros.
Antes mesmo da sabatina, congressistas da oposição tinham admitido que seria difícil barrar a indicação de Dino. Por outro lado, o indicado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contou com a simpatia de ministros da Suprema Corte e já havia sinalizado, ainda no fim do mês passado, que tinha conseguido o número de votos suficientes para garantir sua aprovação.
No plenário, o senador Magno Malta (PL-ES) voltou a argumentar contra a ida de Dino para o Supremo. "Ele é contrário a tudo que eu acredito", disse. O relator da indicação na CCJ, Weverton Rocha (PDT-MA), afirmou que a sabatina confirmou o "notável saber jurídico" e a "reputação" do novo ministro da Corte ao longo de sua carreira. Somente Malta e Weverton discursaram pouco antes da votação.
A sabatina de Dino, que durou mais de 10 horas, foi realizada simultaneamente à do indicado de Lula para a Procuradoria-Geral da República (PGR), o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet. O modelo inédito foi considerado “inconstitucional” por parte dos parlamentares. Na CCJ, Dino foi aprovado por 17 votos a 10.
De acordo com o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que apresentou questão de ordem para tentar barrar o formato, a decisão do presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), de sabatinar os dois indicados ao mesmo tempo é “inequivocamente inédita e inconstitucional, ao passo que fere os princípios constitucionais da eficiência, da proporcionalidade e da razoabilidade”.
A ideia da presidência da CCJ foi esfriar a sabatina, intercalando perguntas para Gonet em meio às perguntas mais duras para Dino, para evitar que ele fosse constrangido.
Dino adotou tom moderado na sabatina e evita entrar em discussões com senadores
Na sabatina, Dino adotou tom moderado e foi aprovado sem sustos para o STF. Ele conseguiu domar seus ímpetos políticos para atravessar a longa sessão sem percalços de última hora, rumo ao STF. Adotando o perfil de senador licenciado e discurso ameno, ele conseguiu levar adiante o desejo expresso em sua exposição inicial de não adentrar no debate com os parlamentares.
Ele foi questionado pelos representantes da oposição sobre o desempenho à frente do Ministério da Justiça, declarações polêmicas sobre censura nas redes sociais e perseguição a rivais. Em todas as situações, o indicado do presidente Lula recorreu a evasivas, ao risco de fazer prejulgamentos sobre matérias sobre julgamento na Suprema Corte e à mudança de entendimentos ao longo do tempo. O resultado disso foi uma redução da temperatura de toda a sessão, sem produzir as cenas de forte embate com parlamentares, como as que ocorreram no Congresso ao longo do ano.
No formato de uma sabatina dupla, juntamente com o procurador Paulo Gonet, Dino foi favorecido com uma sessão mais compacta e pressionada pela agenda de “esforço concentrado”, orquestrada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e operada pelo presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Confortável, o ministro mostrou tranquilidade para adentrar em temas sensíveis e para rebater todos os questionamentos de oposicionistas. Ainda para se proteger da rejeição, ele recorreu à defesa das prerrogativas do Legislativo e de expressões que mostram sua condição de católico.
Nessa toada, ele até protagonizou alguns momentos de desconcentração, como os envolvendo os senadores Sergio Moro (União Brasil-PR) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Sua vitória mostrou ainda a ação de negociadores do governo e do próprio STF.
Defesa do Supremo
Flávio Dino fez acenos aos parlamentares durante a sabatina, mas também defendeu a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF). No início da inquirição, ele disse ser a favor de limitar as decisões monocráticas dos ministros e discussão sobre mandatos para integrantes da Corte. O ministro da Justiça, entretanto, rebateu a afirmação de Malta sobre a existência de uma “ditadura judicial” no país.
“Não existe ditadura judicial no Brasil, tanto é que o senhor está aqui como senador falando o que está falando. Então, em defesa do Poder Judiciário brasileiro e como ex-integrante da magistratura e, quem sabe, tendo a hora de a ela voltar, é meu dever sublinhar a minha profunda discordância em relação a essa frase, que no meu ver é profundamente injusta”, afirmou Dino.
O novo ministro do STF disse ainda que caso precise julgar um adversário político, ele "terá o tratamento que a lei prevê". Dino afirmou não ter inimigos pessoais. "Vários aqui têm mencionado uma confusão entre adversário político e inimigo pessoal. Eu não sou inimigo pessoal de rigorosamente ninguém. Falam 'Ah, o Bolsonaro'... Eu almocei com o presidente Bolsonaro no Palácio do Planalto", ressaltou.
"Se amanhã qualquer adversário político que eventualmente eu tenha tido, em algum momento, chegar lá, por alguma razão – e eu espero que não chegue –, evidentemente terá o tratamento que a lei prevê", acrescentou.
Dino diz ser a favor de restrições às decisões monocráticas do STF
Na sabatina, o ministro da Justiça acenou para os senadores explicitamente contrários à sua indicação, dizendo que defenderia a independência e a harmonia dos três Poderes, indicando, inclusive, ser favorável à restrição das decisões monocráticas, em favor das decisões colegiadas.
Ele também afirmou ser contrário a um papel de legislador para o Judiciário, dizendo que “não há terceira Casa do Congresso”. Como membro do STF, prometeu enfatizar a imparcialidade e estar aberto a ouvir políticos de todas as correntes. Para adular os membros da Frente Evangélica, Dino fez reverências à vontade divina e a trechos da Bíblia.
O relator da indicação do ministro da Justiça, senador Weverton Rocha (PDT-MA) veio em socorro de Dino, para sublinhar as vantagens do seu perfil multifacetado. “Nada melhor que um político para dialogar com políticos”, disse. Para aproximá-lo do atual momento da relação entre o Congresso e o Supremo, o aliado e conterrâneo do ministro lembrou que o indicado até apresentou proposta como deputado para fixar mandatos no STF.
Falta de isenção de Dino, 8 de janeiro e Bolsonaro
Na mão inversa, o líder da oposição, senador Rogério Marinho (PL-RN), comentou durante a sabatina que, a despeito das mensagens com “boas intenções” de Dino e Gonet, é impossível deixar de se reconhecer a atrofia do Poder Judiciário e o clima de intolerância com a opinião alheia. Nesse sentido, explorou a dificuldade de o indicado se provar isento, a exemplo da forma jocosa como o ministro deixou de fornecer as imagens de câmeras de segurança do 8 de janeiro em posse de sua pasta.
Dino voltou a dizer que “todas as imagens existentes foram disponibilizadas”, negou ter recebido os alertas dos serviços de inteligência e explicou a inação da Força Nacional de Segurança por falta de condições legais.
Os senadores da oposição discordaram desses argumentos. Jorge Seif (PL-SC) e Magno Malta (PL-ES) lamentaram não terem obtido respostas dos indicados sobre questões objetivas acerca das ameaças à liberdade de expressão e do crescente ativismo judicial.
Marinho mostrou ainda preocupação com as reações de Dino que favoreceram a polarização política do país, tendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores como alvos, questionando se ele teria postura isenta como juiz da Suprema Corte.
“É justo levar em conta a nossa expectativa para uma permanência de até 20 anos no STF”, disse o senador. “O senhor (Dino) não mostrou equilíbrio ao prejulgar os manifestantes do 8 de janeiro e classificá-los de terroristas”, disse.
Em resposta a Rogério Marinho, Dino disse que certas manifestações são passíveis de punição. O senador, líder da oposição no Senado, lamentou as reações e disse que o país vive grave momento de relativismo de direitos, alcançando até os mandatos de parlamentares e cidadãos comuns, ameaçados de censura.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) concentrou a sua intervenção para questionar os indicados em relação à completa ausência de perspectiva para um desfecho do inquérito das Fake News (4781/2019), presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, que, segundo ele, solapou a presunção de inocência. O senador classificou os abusos do inquérito de “entulho autoritário”, que ganhou vida própria e não encontra qualquer delimitador, “incorporando vítimas” conforme a conveniência. Seif reforçou o questionamento sobre o “tribunal perseguidor”, assim como Marcos do Val (Podemos-ES) usou de seu caso próprio, como alvo de sanções de Alexandre de Moraes, para cobrar posicionamento de Dino, que voltou a se proteger alegando desconhecimento de casos concretos.
Dino diz ser contra aborto e drogas e defende que Congresso deve definir legislação
Dino também disse ser contra a liberação das drogas e do aborto durante a sabatina e afirmou que o Judiciário não deve decidir individualmente sobre esses temas, já que são prerrogativas do Congresso Nacional.
“Há pelo menos uma década há entrevistas minhas declarando posição contrária as drogas, contrária ao aborto. Reiteradas entrevistas, não é de agora. Claro, que não sou que dito unilateralmente qual a pauta da sociedade. Para ditar a pauta ética da sociedade existe o Parlamento. Sou contrário a que o Poder Judiciário, unilateralmente, faça essa mudança”, disse o ministro ao ser questionado sobre o assunto pelo senador Efraim Filho (União-PB).
Dino afirmou que o Congresso pode rever a legislação atual sobre aborto “a qualquer momento, mas com certeza não o Judiciário”. O ministro disse ainda que devem ser discutidas não só as leis sobre as drogas, mas suas aplicações na prática, e citou a gravidade do vício em bebidas alcoólicas para a sociedade.
“Não nos esqueçamos do alcoolismo. A maior drogadição abusiva que existe na sociedade é o alcoolismo, às vezes, há uma iluminação de outras substâncias, mas é preciso olhar para este tema dramático que devasta milhões de vidas. O parlamento brasileiro tem um papel insubstituível e único, de dispor sobre esses assuntos”, ressaltou.
Antes de se aposentar, a ministra Rosa Weber votou pela descriminalização aborto nas primeiras 12 semanas de gestação. A ministra era relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que ainda tramita na Corte. O julgamento foi suspenso após um pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso, que agora preside o Supremo. Ainda não há data definida para a retomada do julgamento no plenário físico.
Nesta manhã, Dino afirmou que o voto de Rosa Weber é “respeitável“, mas é “desconforme” de seu entendimento sobre o tema. Se sua indicação for confirmada no Senado, o ministro herdará as ações que eram da ministra.
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