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Mais de R$ 220 milhões em dívidas dos partidos políticos brasileiros poderão ser refinanciados ou até perdoados com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 9/2023, batizada de PEC da Anistia por beneficiar os partidos que devem para a União. O texto já havia passado pela Câmara e nesta quinta-feira (15) foi aprovado no plenário do Senado em primeiro turno, com 51 votos a favor e 15 contra, e em segundo turno, com 54 votos a favor e 16 contra. Agora, a PEC segue para a promulgação do Congresso.
A PEC da Anistia estende a imunidade tributária dos partidos, ou seja, a dispensa do pagamento de impostos, exceto os previdenciários. A medida abrange a devolução e o recolhimento de valores, incluindo os determinados em processos de prestação de contas eleitorais e anuais.
Além disso, a PEC proíbe a aplicação de multas aos partidos que não tiveram o número mínimo de candidaturas raciais nas duas últimas eleições e determina que os valores que não foram aplicados terão de ser investidos em candidaturas de pretos e pardos nas quatro eleições a serem realizadas a partir de 2026 (veja abaixo uma lista com todas as vantagens aos partidos).
A proposta também cria uma espécie de Refinanciamento de Dívidas (Refis) para partidos políticos, seus institutos e fundações, permitindo que eles regularizarem débitos com isenção de juros e multas e parcelamentos em até 180 meses. As dívidas previdenciárias, no entanto, só poderão ser divididas em 60 meses. Para pagar essas dívidas, os partidos poderão usar recursos do Fundo Partidário, ou seja, dinheiro público.
Parlamentares favoráveis à proposta argumentam que as regras para o cumprimento das cotas raciais nas eleições de 2022 foram estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) poucos meses antes do pleito. Assim, os defensores da PEC da Anistia afirmam que não houve tempo suficiente para que os partidos se adequassem para sua aprovação. No entanto, a PEC também está sendo utilizada para ampliar o conceito de imunidade tributária, do qual os partidos já gozam, e cancelar multas e débitos.
Durante a sessão que aprovou a matéria, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) enfatizou que a matéria trata de anistia e declarou voto contrário à proposta. "O que a gente está discutindo aqui é anistia. Não vamos mascarar. Colocar ali 'novas regras para cotas em candidatura', é uma jogada de marketing. A gente não pode ter esse tipo de semântica. É anistia, sim. É perdão de multa, sim. De partido político, que já tem dinheiro demais do contribuinte, do pagador de imposto".
PT tem maior dívida
Um levantamento feito pela Gazeta do Povo, por meio da lista de devedores mantida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), mostra que os partidos devem mais de R$ 220 milhões inscritos na dívida ativa da União. No topo da lista de partidos devedores, está o Diretório Regional do Partido dos Trabalhadores (PT) do Rio Grande do Sul, que acumula uma dívida de R$ 13,8 milhões. Logo em seguida aparece o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com R$ 7,1 milhões em débitos tributários.
No entanto, somados todos os débitos com registros relacionados ao PT, a dívida do partido alcança a marca de R$ 28,7 milhões. Esses registros são relacionados a órgãos partidários como diretórios estaduais, municipais ou comissões provisórias do partido. Confira a lista com os 20 maiores débitos no final da matéria.
PEC autoriza anistia para dívida com mais de 5 anos
O valor a ser perdoado ou refinanciado, no entanto, será ainda maior já que a PEC amplia o conceito de imunidade tributária aos partidos, que já é previsto na Constituição. Hoje a imunidade tributária abrange as bases de renda, patrimônio e serviços dos partidos. Com a PEC esse conceito passará a incluir todas as sanções de natureza tributária, a devolução, o recolhimento de valores, juros, multas ou condenações.
Além disso, o texto da PEC autoriza o cancelamento, extinção do processo e levantamento da inscrição da dívida dos partidos com mais de cinco anos. Sendo assim, a imunidade se dará caso a inadimplência tenha ocorrido em prazo superior a cinco anos.
O texto, no entanto, não deixa claro qual seria o marco inicial desse prazo. Entidades apontam que este ponto “servirá apenas para incentivar os partidos a prolongarem processos na perspectiva de alcançar a impunidade”.
Entidades contestam a PEC da Anistia e apontam problemas
Treze entidades de transparência e de combate à corrupção, como a Transparência Brasil, emitiram uma nota técnica apontando problemas na PEC da Anistia. Dentre eles, apontaram preocupação com a medida que anulará as sanções de natureza tributária oriundas de processos administrativos e judiciais já transitados em julgado.
“Partidos políticos já gozam de imunidade tributária, conforme previsto no art. 150 da Constituição Federal. O que se pretende na PEC 9 é anular todas as sanções de natureza tributária aplicadas aos partidos políticos, incluindo aquelas oriundas de processos administrativos e judiciais já transitados em julgado”, aponta o documento das entidades.
Além disso, ao mencionar que as dívidas com processos que durem mais de cinco anos possam ser anuladas, as entidades alegam que a PEC estimulará a inadimplência. “Ao prever que a imunidade possa valer a partir da inadimplência da obrigação, possibilita-se que se anule qualquer cobrança por condenação aplicada a partidos, bastando para tanto simplesmente que se tenha deixado de cumpri-la por mais de cinco anos”, diz a nota técnica assinada pela Transparência Brasil e outras 12 entidades.
Durante a tramitação na Câmara, somente as bancadas do Novo e do Psol se posicionaram contra a aprovação da PEC. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) alertou que além de estabelecer privilégio descabido para os partidos políticos, a aprovação da PEC pode incentivar a sonegação das obrigações.
“Não faz sentido dar tratamento privilegiado para os partidos e para suas fundações, que, em última instância, será custeado pelo pagador de impostos”, disse a deputada ao mencionar a possibilidade de utilização do Fundo Partidário para pagamento dos débitos.
Na votação da PEC na Comissão de Constituição de Justiça no Senado, nesta quarta-feira (14), apenas dois dos 27 senadores que compõem o colegiado se opuseram à proposta. O senador Oriovisto Guimarães (Podemos/PR) foi um dos que votou contra a PEC da Anistia. “Os partidos políticos deveriam cumprir a lei e dar o exemplo para não ter que pedir anistia das dívidas”, disse o senador.
Defensores da proposta dizem que PEC não trata de anistia
Sob o pretexto de assegurar a imunidade tributária aos partidos políticos, seus institutos ou fundações, prevista na Constituição, os parlamentares querem estender o benefício a todas as sanções de natureza tributária. Apesar do objetivo e das consequências, parlamentares têm dito que a proposta não deve ser chamada de PEC da Anistia.
O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), criticou o apelido atribuído à PEC 9/2023. "O nome vai ser PEC do Refis, porque todos os partidos vão pagar o que devem devido a uma resolução que ficou impossível de os partidos cumprirem após determinação da Justiça", disse o senador durante a reunião que aprovou a PEC na CCJ.
O relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou que a PEC dá "segurança para os partidos e regularidade sem anistiar um centavo sequer". "O que estamos fazendo hoje, dando seguimento ao que foi aprovado na Câmara, é uma PEC que estabelece a cota racial, erroneamente chamada por alguns da imprensa como PEC da Anistia. É PEC das cotas raciais, nós estamos estabelecendo que 30% dos recursos gastos em campanha por qualquer partido terão que ser gastos em candidaturas de pretos e pardos", disse.
O relator da PEC na Câmara, deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), também já havia rejeitado o argumento de que ela anistia os partidos. "Estamos estabelecendo parâmetros, métodos e dando eficiência", afirmou.
Ainda durante a tramitação na Câmara, o deputado Gilson Daniel (Pode-ES) defendeu o programa de recuperação fiscal (Refis) específico para partidos políticos. "Às vezes, quando se assume o partido, há questões anteriores. Tem-se que regularizar o passado. Traz um transtorno muito grande, porque há multas e juros para serem pagos. E, muitas vezes, o partido não tem capacidade financeira", afirmou.
Perdão de multas é criticado por defensores de cotas raciais
Além de perdoar e refinanciar os débitos dos partidos já inscritos em dívida ativa, a proposta também prevê que seja considerada cumprida toda a exigência em torno das cotas raciais nas eleições. Sendo assim, serão anistiados os partidos políticos que deixaram de financiar candidaturas de pessoas pretas e pardas de acordo com as determinações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A regra atual, estabelecida pelo TSE em 2020 e aplicada nas eleições de 2022, é que os partidos políticos devem prover, com recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, financiamento proporcional ao número de candidaturas negras registradas. Sendo assim, se, entre candidatos, houver 40% de candidaturas de pessoas negras, estas deverão receber 40% do valor recebido pelo partido político.
Com a PEC da Anistia, a destinação de recursos para essas candidaturas fica fixada em 30%, sem que os partidos sejam obrigados a distribuir os valores de forma igualitária.
Como condição para a anistia, os partidos terão que aplicar os valores que deixaram de ser investidos em candidaturas de negros e pardos nas próximas quatro eleições, além de cumprir a cota de 30% já estabelecida.
O senador Paulo Paim (PT-RS) classificou a proposta em torno das cotas raciais como “constrangedora”, em audiência pública que debateu a PEC na segunda-feira (12). “Depois de conquistas e aprovações legislativas importantíssimas, ninguém quer retrocessos. A lei ter que vir para avançar, e não para retroceder. Tenho fé que o Senado deverá modificar essa proposta. No mínimo, não votar neste ano e deixar para um debate mais aprofundado, que poderemos fazer nos próximos dois anos”, afirmou o senador.
Veja quais são as vantagens dos partidos com a PEC da Anistia
- Prestações de contas eleitorais – Qualquer irregularidade que tenha existido não será apurada e fica automaticamente perdoada;
- Sanções por não cumprir cota – partidos que não aplicaram o valor mínimo legal em candidaturas de pretos e pardos deixarão de ser cobrados por isso. Devem aplicar o valor que deixaram de usar nessas candidaturas nas próximas 4 eleições;
- Multas por tributos não pagos – deixam de ser cobradas ou serão parceladas;
- Dívidas discutidas na justiça – anistia seria automática;
- Processos administrativos ou judiciais – o perdão pode se aplicar a diferentes tipos de processos sofridos pelos partidos, deixando ambígua a extensão total do que seria anistiado;
- Multa por caixa 2 – passa a poder ser paga com recursos do Fundo Partidário;
- Refis – não há no texto data para que o parcelamento de dívidas seja interrompido. Ou seja, em tese a sigla poderia deixar de cumprir uma obrigação depois da aprovação da PEC e mesmo assim usufruir do Refis.
20 maiores devedores de acordo com a PGFN
- 1- PT Diretório Regional do Rio Grande do Sul - R$ 13.866.532,85
- 2- PSDB Diretório Nacional - R$ 7.106.349,87
- 3- PT Municipal São Paulo/SP - R$4.734.111,50
- 4- PSDB Diretório Regional de São Paulo - R$3.869.717,15
- 5- PRD Estadual de São Paulo - R$ 2.853.292,71
- 6- PRD Nacional - R$ 2.853.292,71
- 7- PDT Comissão Provisória Municipal de Campinas/SP - R$ 2.330.706,00
- 8- PT Diretório Regional do Pará - R$ 2.032.253,07
- 9- PL Estadual Pará - R$ 1.808.197,26
- 10- PDT Direção Estadual do Pará - R$ 1.747.499,20
- 11- PCdoB Comitê Estadual - R$ 1.698.962,12
- 12- PROS Comissão Provisória Estadual - R$ 1.697.702,99
- 13- PHS Comissão Estadual Provisória - R$ 1.697.702,99
- 14- PPL Diretório Estadual do Pará - R$ 1.697.702,99
- 15- PARTIDO LIBERAL PL - R$ 1.443.261,21
- 16- PARTIDO DOS TRABALHADORES DISTRITO FEDERAL REGIONAL - R$ 1.390.082,95
- 17- PARTIDO SOCIAL DEMOCRATICO MACAPA/AP MUNICIPAL - R$ 1.124.788,00
- 18- PDT Diretório Municipal de Macapá/AP - R$ 1.115.079,09
- 19- PARTIDO DOS TRABALHADORES NATAL/RN MUNICIPAL - R$ 932.717,55
- 20- PARTIDO VERDE SAO PAULO SP ESTADUAL - R$ 905.816,80