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O projeto de lei que cria um marco temporal para a demarcação de terras indígenas no Brasil tramitou de forma acelerada na Câmara dos Deputados nas últimas semanas. Após 16 anos de debate, em duas semanas os deputados conseguiram aprovar a urgência e o mérito da proposta. Agora, no Senado o ritmo será desacelerado novamente. Por isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode retomar na quarta-feira (7) o julgamento já iniciado sobre o tema.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), esteve com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, antes da votação na Câmara dos Deputados, em 30 de maio, e, em coletiva de imprensa após o encontro, sinalizou que a apreciação na Casa seguirá o rito normal, com “cautela” e “prudência”.
“O que eu falei de cautela, de prudência, é submeter à comissão, antes de submeter ao plenário. Permitindo que quem queira debater este tema, possa ter o tempo também no Senado para esse debate”, disse Pacheco após a reunião com a ministra.
O chamado marco temporal é um projeto de lei que normatiza o texto constitucional. Ele interpreta que as terras que os povos indígenas "tradicionalmente ocupam" são aquelas em que se encontravam na época da promulgação da Constituição de 1988. Críticos da proposta dizem que a determinação é arbitrária e que outros fatores devem ser levados em conta para se demarcar terras indígenas.
Em sua conta no Twitter, Sonia Guajajara disse que a decisão de Pacheco é “uma importante conquista dos direitos indígenas”. “Em reunião o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se comprometeu em reanalisar a constitucionalidade do PL 490 e a conduzir a tramitação com a devida escuta aos povos indígenas, ouvindo ambos os lados e as comissões”, destacou a ministra dos Povos Indígenas.
FPA espera que julgamento no STF seja suspenso
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) foi a principal articuladora da aprovação do projeto de lei na Câmara, que ocorreu na semana passada em regime de urgência. O objetivo dos deputados era tentar evitar que o STF continuasse o julgamento sobre o tema.
O relator do marco temporal na Câmara, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), disse esperar que o STF paralise o julgamento sobre o tema. Para ele, a aprovação do projeto pela Câmara dos Deputados vai garantir segurança jurídica para os proprietários rurais, inclusive para os pequenos agricultores. "O país não pode viver num limbo de insegurança”, disse Maia, durante a sessão que aprovou o projeto de lei do marco temporal.
A senadora Tereza Cristina (PP-MS) também disse acreditar na possibilidade de o STF retirar o tema da pauta. “O Congresso está fazendo seu papel, que é votar um projeto tão importante que está há mais de 16 anos parado. Acho que tem a possibilidade do STF retirar de pauta e esperar que o Congresso decida. É um assunto que o Congresso precisa decidir, muito mais do que o STF”, afirmou a ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro em entrevista para a Rádio Itatiaia.
Bancada do agronegócio buscará diálogo com Pacheco
Com interesse na tramitação da matéria, a FPA deve apoiar a apresentação de um requerimento de urgência no Senado para o projeto de lei do marco temporal, como aconteceu na Câmara. Dos 81 senadores que compõem o Senado, 47 são ligados à FPA nesta legislatura.
Diante da sinalização de Pacheco, Tereza Cristina, coordenadora política da FPA no Senado, disse que o trabalho já iniciou na quarta-feira, após a votação na Câmara. “Nós temos agora um trabalho a ser feito com os nossos colegas senadores, trabalhar com o presidente Rodrigo Pacheco para pautar [o projeto] em regime de urgência”, disse a senadora.
Caso não consiga reverter a decisão de Pacheco, a bancada da FPA também já trabalha na articulação para votação da matéria nas comissões, levando informações sobre o projeto aos senadores.
Ciro Nogueira quer que projeto seja analisado em regime de urgência
O projeto de lei do marco temporal chegou ao Senado na quinta-feira (1º), onde vai tramitar como PL 2.903/2023. De acordo com o despacho dado por Pacheco, o projeto deve ser analisado pelas comissões de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Na CRA, a presidente da comissão, senadora Soraya Thronicke (União-MS), assumiu relatoria da matéria.
Já o senador Ciro Nogueira (PP-PI) apresentou um requerimento para que o projeto tramite em regime de urgência. A intenção é que a votação do marco temporal seja feita diretamente no plenário da Casa, sem passar pelas comissões, como quer Pacheco.
São necessárias 27 assinaturas de senadores para que a urgência seja pautada. Nogueira tinha ao menos 16 na noite de segunda-feira (5). A votação da urgência deve ser simbólica, ou seja, não será possível verificar quem votou contra e a favor da aceleração da tramitação.
Senadores favoráveis ao marco temporal divergem sobre acelerar tramitação
O senador Zequinha Marinho (PL-PA), favorável ao marco temporal, disse à Agência Senado que se o governo quer fazer uma terra indígena, que "compre e não tome".
Flávio Bolsonaro (PL-RJ) argumentou que o marco temporal tem base constitucional. O parlamentar afirmou que os indígenas precisam ter autonomia plena até para decidir se querem explorar os minérios de suas terras.
O senador Wellington Fagundes (PL-MT), líder do bloco parlamentar "Vanguarda", defendeu a aprovação do marco temporal como forma de dar segurança jurídica para o país. Para o senador, o projeto será aprovado no Senado com base "na racionalidade". Ele disse que o Brasil tem parques e reservas indígenas em maior número do que qualquer outro país do mundo. “Precisamos fazer um desenvolvimento sustentável e produzir alimentos, respeitando a área ambiental e evitando conflitos", declarou Fagundes.
Embora defenda o marco temporal, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) disse à Gazeta do Povo que não deve apoiar o requerimento de urgência. “É uma forma de mostrar também à população que assuntos como esse são discutidos pelo Poder Legislativo. Não pelo Judiciário. Nos debruçaremos no texto aprovado pela Câmara dos Deputados sem nenhum açodamento, passando pelas Comissões da Casa e, por fim, votando no Plenário. Essa Casa não pode fugir deste debate”, comentou Valério.
Parlamentares contrários ao marco temporal defendem debate amplo
Entre os parlamentares contrários à tese do marco temporal está o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), líder do governo no Congresso. Ele disse que o projeto é um ataque aos direitos dos povos indígenas. Pelo Twitter, Rodrigues afirmou que a base governista no Senado vai lutar para reverter "esse retrocesso". Na opinião dele, é importante debater o assunto amplamente nas comissões.
A senadora Leila Barros (PDT-DF) também defendeu que o projeto seja discutido com profundidade nas comissões com temáticas pertinentes.
Já o senador Confúcio Moura (MDB-RO) anunciou voto contrário ao projeto e a favor dos indígenas. Segundo o parlamentar, trata-se de uma questão de justiça com os povos originários.
Já Humberto Costa (PT-PE) disse esperar que o projeto nem seja pautado, já que o Supremo Tribunal Federal (STF) está debatendo o assunto.
PSOL e Rede tentam suspender tramitação do marco temporal no Senado
Na sexta-feira (2), a Federação PSOL-Rede entregou um ofício ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, solicitando a suspensão da tramitação do projeto de lei do marco temporal. “Esse projeto é um enorme ataque aos Povos Indígenas, uma violação grave de Direitos Humanos, além de ser completamente inconstitucional”, disse a deputada Talíria Petrone (Psol-RJ) em suas redes sociais.
A bancada do PSOL na Câmara disse, em nota divulgada no site do partido, que entende que o texto do projeto de lei seria inconstitucional. “O Brasil é terra indígena e demarcação é democracia”, afirmou a deputada Celia Xakriabá (PSOL), coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas.
O PSOL não tem senadores eleitos nesta legislatura. A Rede Sustentabilidade elegeu o senador Randolfe Rodrigues em 2019, com mandato até 2027. Mas ele anunciou há duas semanas que deve deixar o partido, sem divulgar para qual sigla pretende migrar.
STF retomará julgamento sobre o marco temporal no dia 7 de junho
A discussão sobre o marco temporal no Congresso Nacional ocorre às vésperas da retomada do julgamento no STF, marcada para a próxima quarta-feira, dia 7 de junho. O julgamento tem repercussão geral, ou seja, a decisão desse julgamento passa a valer para todos os casos de demarcação de terras indígenas no Brasil.
Até o momento, dois ministros já votaram nesse julgamento e o placar está empatado. O ministro Edson Fachin, relator do caso, emitiu voto contrário à tese do marco temporal, e o ministro Nunes Marques votou a favor.
O julgamento no STF, que trata do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, foi protocolado em 2016. Desde então, o julgamento já foi adiado por sete vezes. A última vez ocorreu em junho de 2022 por “consenso entre os ministros”, após um pedido de vistas concedido ao ministro Alexandre de Moraes em 2021.
Caso em julgamento no STF teve origem em conflito no estado de Santa Catarina
O caso em discussão no STF trata da Terra Indígena Ibirama La Klãnõ, habitada por povos Guarani, Guarani Mbya, Guarani Ñandeva, Kaingang e Xokleng, cuja área está entre os municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, José Boiteux e Vitor Meireles, no planalto norte de Santa Catarina.
No processo em julgamento no STF, o estado de Santa Catarina requer a reintegração de posse de parte da Reserva Ecológica Estadual do Sassafrás, no município de Itaiópolis. Em 2009, cerca de 100 indígenas invadiram uma parte da reserva, que é de propriedade do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA-SC).
À época, a então Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA) buscou reaver a área por meio de uma ação de reintegração de posse contra a Fundação Nacional do Índio (Funai), que foi julgada procedente. Porém, o órgão indigenista apresentou um recurso em que alega que o acórdão publicado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) “violou o artigo 231 da Constituição”, defendendo que a Carta Magna “adotou a teoria do indigenato e, portanto, a relação estabelecida entre a terra e o índio é originária e independe de título ou reconhecimento formal”.
O estado de Santa Catarina trabalha pela aplicação da tese do marco temporal no caso. Por essa interpretação, os povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estivessem no dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal.
Organizações indígenas fazem protestos contra o marco temporal
Indígenas estão mobilizados em protestos contra o marco temporal. Os atos ocorrem entre esta segunda-feira (5) e quinta-feira (8). Em nota divulgada após a aprovação do projeto de lei do marco temporal na Câmara dos Deputados, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirmou que os povos indígenas seguirão acampados em Brasília e que também irão promover mobilizações contra o marco temporal nas cinco regiões do país.
Na última terça-feira (30), dia da votação do projeto de lei do marco temporal na Câmara dos Deputados, indígenas da etnia Guarani bloquearam a rodovia dos Bandeirantes, na zona norte de São Paulo, se manifestando contra a aprovação da matéria. Também houve protesto em Brasília, na Esplanada dos Ministérios.
Protestos também foram registrados em cidades como Chapecó, no oeste de Santa Catarina, onde um grupo de indígenas do Toldo Chimbangue bloqueou um trecho da rodovia SC-484, que liga o município de Paial à rodovia SC-283. No Mato Grosso do Sul, um trecho da rodovia BR-463, em Ponta Porã, e do Anel Viário de Dourados também foram bloqueados por indígenas.