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O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido criticado por ultrapassar os limites de sua competência constitucional, invadindo a esfera de outros Poderes, como a Presidência da República e o Congresso. O Senado Federal, responsável por fiscalizar e punir excessos dos membros da Corte, tem historicamente abdicado desse papel, mas agora mostra sinais de uma reação coordenada para conter o STF, que envolve até o seu presidente, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reconhecido aliado dos ministros e do governo.
A audácia do STF despertou preocupação em diversos setores da sociedade, pois o tribunal vem reinterpretando questões sensíveis, como aborto, porte e consumo de drogas, direito de propriedade rural, demarcação de terras indígenas e até financiamento de sindicatos.
Isso levou a um inesperado acordo entre a oposição e a maioria governista para tramitar projetos que visam limitar o poder do Supremo, incluindo a fixação de mandatos para os juízes, a restrição das suas decisões monocráticas e a flexibilização dos processos de impeachment, além de impedir a anulação de leis aprovadas há anos pelas duas Casas do Parlamento.
Entre os senadores que fazem parte da base governista, muitos aprovam e se beneficiam de iniciativas do Judiciário, como o desmantelamento da Operação Lava-Jato. No entanto, questões relacionadas a costumes ou que afetam os princípios da livre iniciativa suscitam rejeição entre os filiados a partidos como o PSD, que é a maior legenda no Senado. Partidos como Republicanos e Podemos, por sua vez, adotam uma postura mais oposicionista na Casa.
O apoio às ações STF em questões como aborto e drogas encontra apoio apenas em uma minoria de parlamentares de esquerda, principalmente dentro da bancada do PT. Portanto, embora exista alinhamento entre o governo e o Supremo no Senado, ele não é absoluto, especialmente quando essas questões se esbarram com o conceito fundamental de independência legislativa.
Senadores enfrentam STF sobre descriminalização das drogas
Esse diálogo de bastidores está mostrando os primeiros resultados na forma de esforço concentrado na produção legislativa e até na reordenação das forças políticas do Senado. Conforme prometido, Pacheco iniciou na quinta-feira (14) a coleta de assinaturas para endossar a sua Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criminaliza a posse e o porte de drogas no Brasil, em qualquer quantidade. Em diferentes oportunidades, ele expressou sua oposição ao avanço da tese de descriminalização no STF e alertou sobre a prerrogativa dos legisladores, bem como os riscos da liberação.
Até o momento, quatro votos favoráveis de ministros do Supremo foram dados à declaração de inconstitucionalidade da posse e do porte de drogas, faltando só dois votos para a aprovação. A PEC de Pacheco é defendida pela oposição e por senadores da base do governo, interessados em proteger o teor do artigo da Lei 11.343/2006, que trata do assunto, e, ainda, “preservar o equilíbrio entre os Poderes da República”, explica o presidente do Senado. Ele conta com a maioria dos senadores para aprovar com rapidez a iniciativa.
Avança proposta para fixar um mandato para ministros do STF
Outra iniciativa que está avançando graças ao empenho coletivo para fazer frente ao ativismo judicial é a que trata do fim da vitaliciedade dos ministros do STF. A PEC 16/2019, encabeçada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), propõe um mandato de oito anos para eles. Ele argumenta que a população precisa ter a percepção de que os juízes “não são intocáveis” e que o Congresso está agindo para garantir que os membros da Suprema Corte do país “assumam cargos com a consciência de que têm prazo para cumprir suas responsabilidades”.
Na quarta-feira (13), o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), se comprometeu a colocar a proposta em tramitação, parada no colegiado desde fevereiro.
Dentro do novo contexto, também está sendo resgatado projeto de autoria do ex-senador Lasier Martins (Podemos-RS) que busca quebrar o monopólio da decisão sobre processos de impeachment de ministros do STF por crimes de responsabilidade, hoje restrita ao presidente do Senado. O PRS 11/2019 propõe que, após a apresentação da denúncia, o presidente da Casa teria 15 dias úteis para verificar os requisitos formais e se pronunciar. Se não o fizer, a Mesa Diretora poderá fazê-lo. Além disso, pode haver recurso assinado por ao menos um terço dos senadores para recorrer ao plenário e prosseguir ao que prevê a Lei do Impeachment e o regimento interno da Casa.
O líder da oposição, senador Rogério Marinho (PL-RN) obteve 25 assinaturas em apoio ao requerimento para que a proposta seja pautada em regime de urgência – quatro a mais do que o mínimo. “O objetivo desse projeto é aumentar a transparência e a representatividade nas decisões do Senado, fortalecendo o colegiado e a democracia no plenário da Casa”, explicou ele.
Freio a decisões monocráticas volta à pauta do Senado
Para completar esse conjunto de medidas do Senado voltadas para tentar recolocar a atuação da Suprema Corte dentro dos seus limites constitucionais, também voltou a ser debatido o projeto do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), dedicado a impor limites à atuação individual dos ministros do STF.
A PEC 8/2021 foi colocada para análise na CCJ tendo agora o senador Esperidião Amin (PP-SC) designado como relator. O texto estabelece prazos para pedidos de vista em processos judiciais, exige maioria absoluta para suspender leis e atos normativos e estipula até quatro meses para que o mérito seja julgado após aprovação de pedidos cautelares.
Segundo Guimarães, o objetivo é acabar com a atual rotina de decisões unilaterais e fortalecer o caráter coletivo do Supremo. A proposta ressuscita a PEC 82/2019, também de Guimarães, que foi rejeitada em 2020 pelo plenário mesmo após ter sofrido mudanças na CCJ para possível aprovação. “Essa medida é essencial para equilibrar o poder dos ministros em relação à representação democrática dos legisladores do Congresso”, sublinha.
Oposicionista Marcos Rogério assume vice-presidência da CCJ
Ainda no campo das concertações entre oposição e governistas para forjar maiorias em projetos que sinalizem contenção do ativismo judicial, chamou a atenção a eleição, na última quarta-feira (13), do oposicionista Marcos Rogério (PL-RO) para ser o vice-presidente da poderosa CCJ, principal filtro para andamento de projetos no Senado. O senador é um dos mais ferrenhos críticos das extrapolações de ministros do STF.
“Não vale mais o que o Parlamento aprova e o que o Executivo sanciona. Vale é o que os juízes dizem que vale. Mas, num ambiente como esse, de questionamento de tudo sem fundamento e sem limitação do texto constitucional, a insegurança jurídica alcança até quem está a decidir. Se o Supremo desafia a Constituição, é a Constituição que assegura o pleno funcionamento do Supremo. Ninguém está acima dela”, discursou Marcos Rogério ao criticar decisão do STF de tornar constitucional a desapropriação de terras produtivas que não cumpram a função social para fins de reforma agrária. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3865, proposta pela Confederação da Agricultura (CNA), foi negada pela Corte no início do mês.
O senador é relator do projeto de lei do marco temporal das terras indígenas e apresentou o seu parecer na última terça-feira (12), mantendo o texto aprovado pela Câmara no fim de maio. O projeto está em tramitação na CCJ e já foi aprovado pela Comissão de Agricultura. A intenção dele é aprovar a proposta na CCJ na próxima quarta-feira (20), justamente quando está agendada a retomada do julgamento da mesma questão no plenário do STF.
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, Pacheco cedeu diante de apelos reiterados da oposição diante da coleção de avanços do Supremo e, ainda, em razão de descontentamento por ter sido preterido da lista de nomes candidatos a uma vaga no mesmo tribunal.
Suas articulações nesse sentido, combinadas com o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), seu principal aliado e provável sucessor na Casa, foram frustradas. Agora está se formando uma nova frente para forçar o governo a atender demandas de senadores, mediante a concessão de eventuais vitórias para a oposição.
O senador Oriovisto Guimarães representa o estado do Paraná, não o Rio Grande do Sul, como inicialmente informado. Pelo erro, pedimos desculpas.
Corrigido em 21/09/2023 às 07:17