O marco legal do saneamento deve ser o primeiro projeto a ser votado pelo Congresso envolvendo a agenda de retomada econômica proposta pelo governo para o período pós-pandemia. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), confirmou que vai pautar para a próxima quarta-feira (24) a votação do texto. Se o projeto for aprovado sem modificações, segue direto para a sanção presidencial, pois já teve o aval da Câmara.
"Quando a gente fala de coronavírus, a gente fala de saúde pública. O marco legal do saneamento básico é aguardado há duas décadas pelo brasileiros. Praticamente 50 milhões de brasileiros não têm água tratada e 100 milhões que não têm esgoto. É importante darmos uma reposta para a retomada do pós-coronavírus. Vamos estar gerando recurso novo, gerando emprego, gerando riqueza e, ao mesmo tempo, salvando a vida dos brasileiros", disse Alcolumbre a jornalistas na quinta-feira (18).
Esse é também o objetivo do governo. A equipe econômica e técnicos do Ministério do Desenvolvimento Regional passaram o mês de junho cobrando os senadores para que o texto fosse apreciado no plenário do Senado ainda neste mês. Eles entendem que o assunto é relacionado à Covid-19 e pode ser votado mesmo que virtualmente.
O principal objetivo do projeto é abrir o mercado de saneamento para a iniciativa privada, de modo a destravar investimentos e garantir os recursos necessários para a universalização dos serviços até 2033. Na visão do governo, a capacidade de o setor público investir na área já se esgotou, o que se reflete nos índices de abastecimento de água potável e da coleta e tratamento do esgoto.
“O setor de saneamento não tem marco regulatório e não atraiu investimento privado. Hoje, 95% são investimentos públicos e só 5% são privados. A capacidade de investimento do setor público se esgotou e vendo que o setor [com as regras atuais] não atraiu capital privado, o governo enviou [na verdade apoiou as discussões em cima de projeto já existente] o marco do saneamento, principalmente para dar segurança jurídica aos investimentos”, explicou Pedro Maranhão, secretário Nacional de Saneamento do Ministério do Desenvolvimento Regional, em evento sobre o tema na semana passada.
Segundo estimativas do ministério da Economia, o marco regulatório pode atrair até R$ 700 bilhões em investimentos, dinheiro que seria suficiente para cumprir as metas de universalização. A nova legislação também facilitaria a privatização de companhias estaduais de saneamento, que valiam até o ano passado cerca de R$ 140 bilhões, de acordo com a pasta.
“É o setor que mais vai atrair investimento até para a retomada da economia”, acredita Maranhão. Ele diz que o governo está bastante confiante de que o Senado paute e aprove em plenário ainda em junho e que o texto siga para a sanção do presidente Jair Bolsonaro.
“Hoje estamos trabalhamos junto ao Senado para que não se mude o mérito e não tenha que voltar para a Câmara", disse. O relator do texto no plenário é o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
O marco do saneamento é considerado pelo governo o projeto número 1 na lista de propostas econômicas para o segundo semestre. É também um dos textos que está mais avançado, dependendo apenas do aval do senadores. A reforma tributária, outra proposta prioritária, ainda precisa ser discutida em uma comissão mista, por exemplo.
Aprovação sem voltar para a Câmara é incerta
Só que a votação do marco legal não é uma unanimidade no Senado. Vários senadores pressionaram para colocar o texto para votação logo, pois entendem que o tema é discutido há anos e já se passou da hora de aprovar um marco legal para o setor.
Para poder pautar o texto, Alcolumbre teve de entrar em acordo com importantes lideranças da casa, como o senador Eduardo Braga (MDB-AM), líder da Maioria no Senado.
Braga vinha se posicionando contra a votação agora. O parlamentar acredita que as sessões virtuais e a votação direto em plenário (sem passar por comissões) têm que estar restritas a pautas relacionadas à pandemia, como foi o combinado quando a Casa decidiu continuar os trabalhos virtualmente.
Senadores de partidos de oposição, como PSD, PSB e PT, reclamaram do acordo fechado entre Alcolumbre e alguns líderes para votar na quarta-feira. "Essa matéria não é uma matéria fácil. Ela tem muitas controvérsias que requereriam um debate muito mais apurado, porque ela vem da Câmara com modificações. Por essa razão, quero deixar, de forma muito expressa, o meu inconformismo e espero que vossa excelência, juntamente com os demais, possam repensar essa decisão", pediu o senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB).
Mesmo que o texto vá à votação na próxima quarta-feira, a aprovação sem mexer em alguns pontos, como quer o governo, é incerta. O senador Eduardo Braga, por exemplo, considera que o momento não é o ideal para abrir o setor à iniciativa privada.
Ele avalia que os ativos estão desvalorizados e que privatizar as companhias estaduais neste momento seria vender o patrimônio público a “preço de banana”. “É preciso responsabilidade nessa questão. Tem que ponderar o momento e o valor desses ativos”, disse o parlamentar à Gazeta do Povo, por meio de sua assessoria de imprensa.
Já o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), vice-líder do governo no Senado, acredita que, apesar de o tema encontrar alguma resistência, é fundamental para o país, ainda mais em momentos de crise sanitária. “Nesse momento de pandemia se observa a importância do saneamento pra o Brasil, para os estados e municípios, principalmente a gente sabendo que há um déficit enorme de saneamento.”
Para Rodrigues, faz sentido pautar o texto agora. Segundo ele, além de o tema ser discutido há anos pelo Congresso, se houvesse melhores condições de saneamento menos brasileiros sofreriam com a Covid-19. “Os fatos atuais já justificam a aprovação do marco do saneamento como um dos componentes para mitigar os efeitos na pandemia.”
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) também defende a aprovação célere do projeto. Ele diz que precisam ser feitos apenas ajustes de redação para garantir que as novas regras não prejudiquem as cidades menos desenvolvidas e as pessoas com mais dificuldades de acesso ao tratamento sanitário, mas que é possível fazer essas modificações a partir de emendas de redação, sem mudar o mérito do projeto. Com isso, o texto não precisaria votar para a Câmara.
Mas, para o senador Esperidião Amin (PP-SC), líder do bloco formado pelo MDB, PP e Republicados, a aprovação sem mudar o mérito não está garantida. “Vai ser voto a voto”, disse à Gazeta do Povo.
Uma reunião de líderes deve ocorrer na segunda-feira (22) para validar a pauta da semana.
Governo relaciona saneamento à Covid-19
Para tentar sensibilizar os senadores aprovar o projeto logo, o governo tem afirmado nos bastidores que o novo marco se conecta com período pós-pandemia e com a pandemia em si. O argumento é que o marco vai estimular uma melhora das condições sanitárias para que a população – principalmente a mais carente – se proteja de doenças, como a Covid-19, ao mesmo tempo em que vai atrair investimentos privados para o setor, gerando milhares de empregos.
A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia elaborou um material em que compara as mortes por Covid-19 à falta de saneamento. Quando o documento foi preparado, as duas capitais com os melhores índices de saneamento – Curitiba (PR) e Brasília (DF) – tinham um baixo número de mortes por coronavírus a cada 100 mil habitantes: 2,74 e 6,50, respectivamente.
Em média, capitais com índice de saneamento superior a 70% tiveram 11,02 mortes por 100 mil habitantes. Nas capitais com índice de saneamento inferior a 40%, a média de morte por 100 mil habitantes foi de 36,11. Da mesma forma, a média da taxa de casos por 100 mil habitantes é maior nas cidades com baixo índice de saneamento.
Os dados de morte e casos por Covid-19 foram extraídos em 9 de junho pela SPE.
Esta é a nona reportagem da série "Retratos da economia", que aborda os efeitos da crise do coronavírus sobre a economia brasileira, e também os planos do governo para a retomada. Leia aqui os textos que já foram publicados.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF