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O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o senador Lasier Martins (Podemos-RS) tiveram um desentendimento durante a sessão da Casa no último dia 23. O gaúcho cobrou de Alcolumbre a análise de pedidos de impeachment dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que chegaram ao Senado nos últimos meses e encontram-se parados. Alcolumbre disse que as requisições serão analisadas "oportunamente". Lasier respondeu: "há quem diga que oportunamente significa nunca". E Alcolumbre rebateu: "e há quem diga que oportunamente significa oportunamente".
A pequena discussão entre Alcolumbre e Martins revela a frustração de parte do Senado em torno da ausência de ações na Casa para investigação do Judiciário. Desde o início da atual legislatura, que começou em fevereiro do ano passado, um grupo de parlamentares tem a expectativa da instalação de processos de impeachment contra ministros do STF ou da criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar possíveis irregularidades no Judiciário. A CPI foi apelidada de "Lava Toga".
A expectativa em torno da CPI ou da abertura dos processos de impeachment se deu por causa dos ares de "novidade" que marcaram o Senado no ano passado. A Casa passou por uma renovação histórica, com a posse de 46 novos nomes entre as 54 vagas que estiveram em disputa nas eleições de 2018. A chegada de Alcolumbre à presidência do Senado também fazia parte desse processo: ele está também em seu primeiro mandato, foi apoiado por grande parte dos "novatos" e teve como principal adversário Renan Calheiros (MDB-AL), um dos políticos mais tradicionais do país.
A abertura de um processo de impeachment de um ministro do STF depende da aprovação inicial do presidente do Senado. Já a criação de uma CPI demanda o apoio de um terço dos senadores, mas também precisa de um "carimbo" do presidente para ter seus trabalhos iniciados. Ou seja, se Alcolumbre não for favorável às propostas, elas não avançam.
A falta de resposta do presidente do Senado aos pedidos de impeachment levou a Associação Nacional de Membros do Ministério Público Pró-Sociedade (MPPS) a apresentar na segunda-feira (28) um pedido de investigação contra Alcolumbre. Para a instituição, o presidente do Senado comete o crime de prevaricação ao não fazer avançar os processos — assim, segundo a MPPS, estaria deixando de cumprir suas funções. A MPPS é também autora de um dos processos de impeachment que aguarda um momento oportuno na "gaveta virtual" de Alcolumbre, apresentado no ano passado contra o ministro Dias Toffoli.
Por que a CPI da "Lava Toga" não prosperou no Senado?
Ao longo do ano passado, Alcolumbre disse em diferentes ocasiões que era contrário à CPI da "Lava Toga". Ele disse que a comissão feriria a Constituição, por determinar a investigação do Legislativo sobre o poder Judiciário. Alcolumbre também tem procurado, no período em que comanda o Senado, atuar de modo conciliador, minimizando trocas de farpas entre Congresso, STF e Palácio do Planalto.
Além de uma oposição por parte de Alcolumbre, a ideia da CPI da "Lava Toga" deixou ainda de ser apoiada por parte expressiva do Senado. Os principais defensores da criação da comissão foram os membros do grupo "Muda, Senado", que conta com cerca de 20 parlamentares. Governistas mais convictos, membros do Centrão e representantes da oposição de esquerda à gestão de Jair Bolsonaro não endossaram a proposta durante 2019.
No ano atual, duas outras circunstâncias deixaram as tentativas de investigação mais difíceis. Uma delas é a aproximação cada vez maior entre Bolsonaro e o Centrão, já que a ideia da CPI é também pouco desejada pelo Executivo. O outro fator é a eleição para a presidência do Senado, agendada para fevereiro de 2021. As regras atuais impedem que Davi Alcolumbre concorra à reeleição. Mas o democrata quer estar apto a disputar um novo mandato e espera ter o apoio do STF na empreitada.
Segundo nota publicada pelo colunista Guilherme Amado, da revista Época, Alcolumbre teria dito aos ministros do STF que sua reeleição seria positiva para os integrantes da Corte, já que a vitória de um membro de outro grupo poderia estimular a instalação da CPI.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) avalia que o atual modelo, que deixa ao presidente do Senado a decisão de encaminhar ou não os pedidos de impeachment, possibilita que sejam feitas "chantagens" entre os integrantes dos diferentes poderes. "Fica algo do tipo 'se você não agir como eu quero, vou desarquivar o impeachment', 'se você abrir o processo de impeachment, vou colocar na pauta um processo que não te agrada'. É um ambiente de chantagem recíproca", declarou.
Ele defende que o aval sobre instalação de processos de impeachment de ministros do Supremo seja feita pela totalidade do Senado, não apenas pelo presidente da Casa. "Há propostas no Senado que discutem isso. Por exemplo, estabelecer um prazo para deliberação dos pedidos; cumprido esse prazo, o pedido passa inicialmente por uma análise técnica, para que se verifique se ele cumpre os requisitos legais, e depois é discutido pelo plenário do Senado", disse.
Segundo Amin, a Constituição determina que a responsabilidade de instalar processo de impeachment contra ministros do STF "é da instituição Senado, não de quem estiver ocupando a sua presidência".
Amin se manifestou na sessão do Senado do dia 23, a que registrou a discussão entre Lasier Martins e Davi Alcolumbre. Na ocasião, o senador catarinense comentou a procrastinação na avaliação sobre os pedidos de impeachment: "tratar desse assunto não é inoportuno nem desrespeitoso com ninguém. Pelo contrário, ignorar que esta competência é da Casa ou transformar o rito na anulação da responsabilidade da Casa, aí é desrespeitoso".
Em 2019, "Lava Toga" criou choque no bolsonarismo
As tentativas de instalação da "Lava Toga" se repetiram ao longo de 2019 e uma delas foi responsável por um rompimento de relações entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
A então senadora Selma Arruda (MT), que estava filiada ao PSL — ainda o partido de Bolsonaro — deixou a legenda em setembro após se indispor com o senador Flávio Bolsonaro (RJ), filho do presidente, que na ocasião também integrava o PSL.
Selma deu uma das assinaturas necessárias para a criação da CPI em setembro. O fato irritou Flávio, que era contrário à criação do colegiado. Segundo Selma, o filho do presidente "foi grosseiro, parecia que estava me dando uma ordem” ao pedir que ela retirasse a assinatura da requisição pela CPI. Ela manteve o apoio. Selma permaneceu no Senado até abril de 2020 — ela teve o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que a condenou por abuso de poder econômico e caixa 2 na eleição de 2018.
Outro racha interno no bolsonarismo causado pela tentativa de se fazer a "Lava Toga" envolveu igualmente Flávio Bolsonaro, e teve como outro lado o senador Major Olímpio (SP). O paulista é também apoiador da CPI e em setembro de 2019 disse que Flávio deveria deixar o PSL em virtude de sua oposição à comissão. Mais recentemente, em maio de 2020, Olímpio disparou contra Jair: "traidor, Bolsonaro defendeu o filho bandido na CPI da Lava Toga”.
No último biênio, pedidos de impeachment atingiram todo o STF
O Senado recebeu 18 pedidos de impeachment de ministros do Supremo entre 2019 e 2020, período que compreende a gestão de Alcolumbre como presidente da Casa. As requisições envolvem toda a Corte — embora a maior parte dos pedidos seja direcionada a determinados ministros em particular, dois deles pediram o afastamento dos 11 magistrados.
A relação de autores é ampla. Inclui desde parlamentares, como o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a deputada Bia Kicis (PSL-DF) e o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), até juristas, como Modesto Carvalhosa e a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP). O advogado Rubinho Nunes, do Movimento Brasil Livre (MBL), assina três pedidos.
O ministro Alexandre de Moraes é o alvo dos três pedidos de impeachment apresentados em 2020. Um deles, feito pelo senador Luiz do Carmo (MDB-GO), tem como base o imbróglio que envolveu a nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor da Polícia Federal. Ramagem foi escolhido pelo presidente Bolsonaro para o posto mas a seleção foi barrada por Moraes, que viu na ação uma tentativa de interferência política. O episódio fez parte do processo que levou à queda do ex-juiz Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública.