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Ministério Público

Ampla defesa ou brecha para anulação? Projeto obriga MP a revelar provas benéficas a réus

Senado discute novas regras para atuação do Ministério Público.
Senado discute novas regras para atuação do Ministério Público. (Foto: Albari Rosa / Gazeta do Povo)

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A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado deve votar nesta quarta-feira (12) um projeto de lei do senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) que obriga o Ministério Público (MP) a buscar provas também a favor de pessoas investigadas. O texto prevê que, caso a regra seja descumprida, o processo pode ser anulado. O tema causou a reação de membros do MP, que tratam a proposta como mais um ataque às instituições que combatem o crime. Juristas se dividem entre a defesa do projeto e a dúvida sobre a eficácia da medida, caso seja aprovada.

O procurador Ailton Benedito foi um dos membros do MP que usaram as redes sociais para criticar o projeto. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele classificou a proposta de Anastasia como “gravíssima”, por abrir novas possibilidades de nulidade processual.

“O problema desse projeto é que ele promove mais brechas para nulidades processuais”, disse o procurador. “Hoje o membro do MP já produz elementos de investigação que podem levar à absolvição ou condenação. Com esse projeto, se eventualmente o MP não tiver produzido uma prova à disposição do denunciado, isso já causa nulidade absoluta. Atribui-se ao MP a obrigação de produzir provas para a defesa”, argumenta Benedito.

O especialista em Direito Penal e Processo Penal, Gustavo Polido, elogia a proposta em tramitação na CCJ. Na interpretação do jurista, o MP não será obrigado a produzir provas que beneficiem o acusado. O que o projeto prevê, segundo Polido, é a obrigação de o Ministério Público disponibilizar todas as provas encontradas durante a investigação, mesmo que ela seja benéfica ao acusado.

“O projeto traz um reequilíbrio no sistema acusatório”, diz o jurista. “Ele [o MP] não precisa buscar prova para defender, mas não pode deixar de fornecer provas que venha a ter acesso só porque não interessam à acusação”, diz. “Garantir que o acusado tenha acesso a todas as provas, favoráveis ou não, que levaram a formação da convicção é a única garantia de que ele terá acesso de fato à ampla defesa, que é uma garantia constitucional”, completa o especialista.

Ataque ao combate ao crime?

Benedito classifica o projeto em discussão no Senado como mais um ataque aos esforços de combate ao crime no Brasil. “O grande problema do Brasil não é punição de pessoas inocentes, mas a não punição de pessoas culpadas”, diz o procurador.

Ele associa o projeto de Anastasia a outras propostas aprovadas recentemente pelo Congresso – como a lei de abuso de autoridade e a criação do juiz de garantias – e a decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), como a que derrubou a prisão em segunda instância. “Há uma convergência de todas essas decisões e deliberações, no sentido de que tudo isso acaba prejudicando a investigação e a punição de pessoas que são praticantes de algum delito”, afirma.

Polido também relaciona o projeto em discussão no Senado à aprovação da lei de abuso de autoridade e ao juiz de garantias, mas sob outra perspectiva. “Elas caminham no mesmo sentido porque o juiz de garantias tem objetivo de garantir que o juiz que vai julgar não participou da produção de provas para não se contaminar. Isso significa dizer que aquele que vai julgar tem que ter acesso a todas as provas, não só as que interessam para a acusação ou defesa”, diz o especialista. O promotor que ocultar provas, por sua vez, poderá ser enquadrado na lei de abuso de autoridade.

Para Polido, não há favorecimento à impunidade no texto em tramitação no Senado. “Quem acaba falando isso, infelizmente, são pessoas apaixonadas pela ideia da punição. Quando as pessoas falam que é favorecimento à impunidade, o que as pessoas não entendem é como funciona um processo penal democrático. Não entendem que o processo penal, embora trate de crimes, responde e faz jus a diversos preceitos fundamentais do Direito”, diz.

“Essa percepção geral de que qualquer tentativa de tornar o processo mais democrático é um ataque ao combate ao crime é totalmente equivocada porque o que se está tentando fazer é que o processo não seja inquisitorial”, opina o professor adjunto de Direito Penal da UFPR, Francisco Monteiro Rocha Júnior.

Ainda assim, o professor critica o projeto. “Sequer deveria existir um projeto nesse sentido porque todas as provas que um promotor tivesse contato deveriam vir aos autos, independentemente de ser pró acusação ou pró defesa, até porque o promotor tem a prerrogativa de requerer o arquivamento, pedir absolvição, não recorrer em hipótese de absolvição, então ele desde logo já pode fazer tudo isso”, explica.

“Isso, eventualmente, é para atacar órgãos ou membros do Ministério Público que não acolhem desde logo, não têm uma postura ética e aí vem a crítica. É difícil você tentar combater a falta de ética com normas. Nesse sentido, eu duvido que tenha sucesso, não vai garantir maior imparcialidade para o MP, é um compromisso ético deontológico do MP que as provas que eles tiverem acesso têm que vir aos autos”, completa Rocha Júnior.

O que diz a proposta em tramitação no Senado

O projeto de Anastasia altera o artigo 156 do Código de Processo Penal (CPP). A proposta acrescenta dois parágrafos ao artigo:

§1º Cabe ao Ministério Público, a fim de estabelecer a verdade dos fatos, alargar o inquérito ou procedimento investigativo a todos os fatos e provas pertinentes para a determinação da responsabilidade criminal, em conformidade com este Código e a Constituição Federal, e, para esse efeito, investigar, de igual modo, na busca da verdade processual, as circunstâncias que interessam quer à acusação, quer à defesa.

§2º O descumprimento do § 1º implica a nulidade absoluta do processo.

O projeto de Anastasia recebeu parecer favorável do relator, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e deve ser votado na CCJ nesta quarta-feira, em caráter terminativo. Isso significa que a proposta não precisa, necessariamente, passar por votação no plenário do Senado e pode seguir direto para a Câmara caso seja aprovada.

O projeto só será votado no plenário do Senado se for apresentado um recurso, assinado por pelo menos nove senadores. O prazo para apresentação de recurso é de cinco dias úteis, a partir da aprovação na CCJ.

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