Sob pressão do governo, que trava uma corrida contra o tempo em busca de novas fontes de receita, e de grupos econômicos internacionais, o plenário do Senado poderá votar, na próxima terça-feira (12), o projeto de lei destinado a regulamentar as apostas esportivas de cota fixa, mais conhecidas como bets. O PL 3.626/2023 foi tirado da pauta na semana passada em meio a protestos liderados por Eduardo Girão (Novo-CE) e outros senadores críticos, que alertam para os riscos à saúde e à segurança pública decorrentes da legalização de cassinos online e do estímulo ao vício em jogos de azar.
Apesar da aprovação de um pedido de urgência para a deliberação, não houve consenso para a análise do texto principal. Girão e Magno Malta (PL-ES) propuseram então o adiamento da votação, medida acatada pelo vice-presidente Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), que substituía o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) em sua ausência. Na terça-feira (5), apesar da tentativa de seus defensores de recolocar o projeto polêmico na pauta do dia, houve um segundo adiamento.
Os críticos do projeto já aprovado pelos deputados buscam, pelo menos, a exclusão de quatro artigos adicionados no Senado e estranhos ao objeto, aquilo que no jargão parlamentar é chamado de "jabutis". Eduardo Girão argumenta que a votação está sendo conduzida de forma apressada, em meio a uma série de votações urgentes no final do ano. Ele alega que o projeto, aprovado em comissões, passou por diversas modificações que "ampliam perigosamente a margem para a legalização dos jogos de azar".
Entre os "jabutis" identificados por Girão no projeto, está a autorização para a instalação de máquinas caça-níqueis em estabelecimentos comerciais como padarias e farmácias. Outros pontos problemáticos, segundo o senador, são a permissão para instalação de totens físicos de cassino online, publicidade em arenas esportivas e presença de atletas e influenciadores digitais nas campanhas publicitárias das empresas de apostas esportivas.
Como argumento para barrar o PL, Girão evoca a "responsabilidade moral de proteger os cidadãos, que podem sucumbir ao vício, resultando na perda de dinheiro, negócios e até mesmo na desintegração familiar, podendo levar ao suicídio".
Os defensores do projeto argumentam, por sua vez, que a proposta não introduz novas modalidades de apostas, apenas regulamenta a Lei 13.756/2018 para garantir a tributação dos jogos em atividade.
Críticos veem prejuízo com vício superior às receitas dos tributos
Girão, divergindo dos apoiadores do PL 3.626/2023, contesta a ideia de que o projeto trará benefícios à economia. Ele exige a realização de audiências públicas com especialistas de diversas áreas, questionando a pressa na aprovação do texto, que foi também votado de forma acelerada na Câmara em 2022, véspera do Carnaval. Como ex-dirigente de futebol, o senador critica ainda a alegação de que as bets contribuem para as equipes, argumentando que os malefícios decorrentes do estímulo ao vício nos jogos prejudicam até mesmo a reputação e as finanças do esporte mais popular do país.
A regulamentação das apostas esportivas faz parte do pacote do ministro Fernando Haddad (Fazenda) para aumentar a arrecadação federal e atingir a meta de zerar o déficit fiscal até 2024. Estima-se uma arrecadação em torno de R$ 2 bilhões em 2024, podendo chegar a R$ 10 bilhões anuais, segundo o relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA). Contrariando projeções mais otimistas, que falam em R$ 15 bilhões, o relator reduziu a alíquota de imposto sobre a receita bruta das empresas de apostas esportivas de 18% para 12%, descontados os prêmios pagos aos apostadores.
Coronel destaca que, apesar de legais, as bets não estão atualmente sujeitas a qualquer tributação no Brasil. "Queremos o direito de arrecadação de tributos daqueles que sonegam hoje com casas de apostas. Não podemos ser contra o Brasil", afirma Jorge Kajuru (PSB-GO), em apoio a Coronel.
Os senadores mantiveram em cinco anos o prazo de autorização do Ministério da Fazenda ao agente operador de apostas, podendo ser revisto a qualquer momento. As empresas que desejarem atuar no Brasil serão submetidas ao pagamento de até R$ 30 milhões em até 30 dias, a título de outorga. O apostador estará sujeito ao Imposto de Renda sobre os ganhos a partir de R$ 2.112, com uma alíquota de 15% sobre a premiação anual. O texto também estabelece que as empresas estrangeiras de apostas tenham pelo menos 20% do capital controlado por uma empresa brasileira.
Apesar dos números de receita apontados pelo governo e pelo relator, o senador Omar Aziz (PSD-AM) acredita que a proposta abre caminho para o funcionamento descontrolado de casas de apostas, resultando em vários jogos semelhantes aos encontrados em cassinos, com o ônus recaindo sobre o apostador.
Segundo técnicos do Senado, a jogatina online, tal qual qualquer vício, acaba gerando mais despesas para os cofres públicos do que receitas. Eles citam como exemplo o cigarro, que levanta cerca de R$ 15 bilhões em arrecadação fiscal todos os anos, mas geram despesas anuais de R$ 45 bilhões no serviço público de saúde.
Texto legaliza cassinos online como o do "Jogo do Tigrinho"
O relator, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), recusou o pedido da oposição para incluir no texto a proibição da instalação de casas de jogos físicas e máquinas de caça-níquel, esclarecendo que o projeto não trata de cassinos. Contudo, alguns senadores acreditam que a redação abre brechas para cassinos online em locais físicos.
A controvérsia em torno dos cassinos online inclui jogos como o "Jogo do Tigrinho" (Fortune Tiger), recentemente alvo da polícia no Brasil. Isso porque, segundo os assessores parlamentares, o projeto que regulamenta as bets contempla a criação de regras para esse tipo de atividade.
No último dia 19, uma operação da Polícia Civil do Paraná foi deflagrada contra um grupo que divulgava e vendia o jogo, resultando na prisão de três indivíduos e na apreensão de bens, incluindo carros de luxo, dinheiro, celulares, armas de fogo e um tablet. No Maranhão, outra operação policial teve como alvo uma influenciadora digital. O famoso game é considerado um jogo de fortuna online, classificado pela legislação brasileira como uma contravenção penal.
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