Em meio à crise humanitária dos indígenas Yanomami, senadores de Roraima estão cobrando do governo federal políticas públicas que também atendam aos “operários do garimpo”. E até mesmo membros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da base no Congresso começam a reconhecer que medidas precisam ser adotadas para resolver a situação de cerca de 15 mil garimpeiros que estão na região.
Os senadores de Roraima, Chico Rodrigues (PSB), Dr. Hiran (PP) e Mecias de Jesus (Republicanos), fazem parte de uma comissão temporária externa que foi criada no Parlamento no começo do mês para acompanhar in loco a saída dos garimpeiros das terras Yanomami, no prazo de 120 dias. Os três já explicitaram a preocupação em socorrer trabalhadores do garimpo nas terras indígenas e não impedir completamente a atividade.
Rodrigues, que foi eleito presidente do colegiado, defendeu a inclusão dos garimpeiros em programas sociais do governo federal. “Se formos traçar um paralelo hoje, os refugiados venezuelanos recebem os benefícios dos programas sociais do governo. Então, imaginem os garimpeiros, que são brasileiros? Precisam também, até para mitigar o sofrimento que vão ter naturalmente quando saírem daquelas áreas”, disse.
Eles também defendem que são necessárias iniciativas adicionais às adotadas pelos ministérios da Saúde, Defesa, Desenvolvimento Social e Povos Indígenas em uma das áreas mais remotas do país.
“Estamos distribuindo cestas básicas nas comunidades indígenas. Garimpeiro que tem fome vai terminar tendo uma atitude de conflito para conseguir comida. Tudo isso nos preocupa. Que nós possamos também ajudar os garimpeiros a sair da área indígena e, a médio e longo prazo, fazer programas de auxílio para que essas pessoas não voltem”, disse Dr. Hiran, que foi eleito relator do colegiado.
Outros dois senadores compõem a comissão temporária: Eliziane Gama (PSD-MA) e Humberto Costa (PT-PE). Ambos são da base do governo e apoiam ações para expulsar invasores, mas mesmo mantendo as críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), também já admitem a necessidade de políticas públicas para reacomodar garimpeiros.
“Temos que acompanhar se o governo federal está garantindo o atendimento a essas comunidades, o que está sendo feito para preservar o território, o que está sendo feito para combater a desnutrição, a fome e as doenças, e, naturalmente, o governo vai ter que discutir o que fazer com essa grande população [de garimpeiros] que estava lá e que precisa ter uma atividade sustentável”, disse Costa.
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, afirmou na sua primeira visita a Roraima, no último dia 9, que o governo federal não quer prejudicar “pessoas inocentes”, entre as quais aqueles que estão trabalhando no garimpo “pelo seu sustento”.
Além dele, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, também fez uma sinalização nesse sentido e defendeu a adoção de um plano que ofereça alternativas econômicas aos trabalhadores ilegais. Ela reforçou, porém, que “isso não significa nenhuma conivência para quem praticou crime”.
A região Norte do país concentra o maior número de jovens de 18 a 25 anos sem estudo e sem perspectiva de trabalho. Em audiência no Senado, em setembro de 2022, a advogada Brenda Brito, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), apontou para a necessidade de se investir em escolas profissionais e técnicas alinhadas com a economia de baixo carbono e a biotecnologia como forma de garantir renda para milhares de desocupados.
Além de monitorar as ações dos ministérios em Roraima, a comissão do Senado também tem a tarefa de sugerir ao governo e ao Congresso, em seu relatório final, saídas definitivas para os impasses nessa unidade da federação.
Embates na largada da comissão temporária
Apesar da aparente convergência, a base governista e a oposição expuseram logo na largada da comissão temporária suas diferenças políticas, com acusação de favorecimento a um dos lados da crise – garimpeiros ou indígenas.
O ponto inaugural dessa discórdia foi a ida de Chico Rodrigues à Terra Yanomami, na última segunda-feira (20), o que, segundo integrantes governistas, não foi acertada previamente com o grupo.
Pelas redes sociais, a senadora Eliziane Gama, vice-presidente do colegiado, considerou a ida de Rodrigues durante o feriado de carnaval um “atropelo das ações”, e admitiu a hipótese de o colega ter cometido “obstrução à Justiça”, criando potenciais embaraços a futuras investigações.
Outra reação imediata veio do Ministério Público Federal (MPF) em Roraima, que solicitou a Rodrigues informações, num prazo de 10 dias, sobre a sua viagem e a relação dela com os objetivos da comissão, “na perspectiva da defesa dos povos” indígenas. O órgão também oficiou no mesmo sentido a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE-Yanomami).
Os governistas querem que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), amplie o número de membros do colegiado para mudar a correlação de forças, considerada favorável ao garimpo. Pacheco, porém, lembrou que a comissão é uma iniciativa dos senadores locais e a inclusão de outros membros foi uma concessão da Mesa.
Garimpo em terras indígenas acelerou no Brasil e na Venezuela
Conforme documento do Instituto Socioambiental (ISA), em pesquisa conjunta com a Hutukara Associação Yanomami (HAY), o garimpo ilegal é um problema histórico, mas que se acelerou nos últimos anos.
A decretação de calamidade pública pelo governo Lula serviu para evidenciar questões como doenças, contaminação de água pelo mercúrio, desnutrição e violências contra os yanomamis, que constituem um dos maiores povos indígenas isolados da América do Sul, segundo a Survival Internacional.
Segundo dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a terra Yanomami abrange 9,6 milhões de hectares e sua população distribui-se em sete municípios do lado brasileiro.
Os yanomamis também estão em território venezuelano, na fronteira com o Brasil. Lá, o garimpo ilegal também é um problema grave. Segundo relatório da ONG venezuelana SOS Orinoco, a mineração ilegal em terras indígenas no país vizinho está aumentando em “ritmo alarmante”, e a maioria dos garimpeiros são provenientes do Brasil.
No mesmo relatório, a organização criticou a “cumplicidade” das forças armadas da Venezuela em relação ao garimpo ilegal na região do Alto Orinoco, no estado do Amazonas (VE). “A ação dos garimpeiros é possível graças à ausência de vigilância e controle por parte do Estado venezuelano, mas sobretudo, devido à cumplicidade dos membros da FANB [Força Armada Nacional Bolivariana]”.
Em março de 2022, organizações da sociedade civil venezuelana relataram a morte de quatro indígenas Yanomami por parte de agentes militares da Venezuela.
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