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A poucas horas da votação no Congresso, um acordo para a manutenção do veto do presidente Jair Bolsonaro ao dispositivo da lei orçamentária que garantia a gestão de R$ 30 bilhões a deputados e senadores ainda não aconteceu. Apesar disso, o governo confia que o veto 52, que trata das emendas impositivas, seja mantido. O assunto será discutido nesta terça-feira (3) em sessão conjunta da Câmara e do Senado que deve analisar oito vetos presidenciais.
Um acordo formal que garantisse isso sem sustos, como havia sido divulgado antes do carnaval, não foi construído ao longo da segunda-feira (2). Houve uma reunião entre Bolsonaro e o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), mas a conversa girou mais em torno dos supostos ataques do chefe do Executivo ao Congresso do que do Orçamento. O senador teria deixado claro que não irá mais tolerar ataques ao Congresso.
Alcolumbre conversou também com o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e com o deputado Domingos Neto (PSD-CE), relator do Orçamento, que ficará com a chave do cofre dos R$ 30 bilhões caso o veto seja derrubado.
Mesmo sem acordo, o quadro tende a não ser prejudicial ao governo. Ao longo desta segunda, senadores de diferentes partidos – entre eles, alguns oposicionistas – indicaram o voto pela manutenção do veto de Bolsonaro. Com isso, reverteriam uma eventual decisão da Câmara pela derrubada do ato do presidente da República.
O governo pode também se beneficiar da complexa dinâmica das votações de vetos presidenciais. A derrubada de um veto é um processo difícil, em que o domínio do regimento do Congresso pode fazer a diferença, e vitórias "por cansaço" costumam ocorrer. Obstruções e quórum baixo habitualmente revertem resultados em plenário.
Foi o que se viu, por exemplo, em dezembro do ano passado, quando o Congresso manteve o veto de Bolsonaro ao retorno da propaganda partidária em rádio e TV. A maior parte dos senadores presentes, 39, votou pela derrubada do veto. Mas, para que a decisão presidencial caísse, eram necessários 41 votos (metade mais um dos votos do Senado).
O que está em jogo
A disputa gira em torno do controle de R$ 30 bilhões do Orçamento da União, aprovado pelo Congresso no fim do ano passado. O texto votado por deputados e senadores incluiu um dispositivo que não estave presente em anos anteriores – a gestão dos R$ 30 bi pelo relator do orçamento, que distribuiria a verba de acordo com emendas apresentadas pelos parlamentares.
Trata-se de uma expansão do orçamento impositivo, que foi iniciado em 2015 e garantiu a execução das emendas votadas pelo Congresso, que representam a destinação de verbas federais para a realização de obras públicas, como escolas, postos de saúde e rodovias, nas bases eleitorais dos deputados e senadores.
Defensores da proposta alegam que a medida garante mais democratização do Orçamento e mais proximidade entre a população e seus representantes. "É um sistema mais parecido com o modelo americano, que muitos deputados, especialmente os mais novos, defendem", afirmou o deputado Áureo (Solidariedade-RJ). Já os críticos à ideia apontam que a destinação de R$ 30 bilhões ao Congresso indicaria uma espécie de "parlamentarismo", por dar aos parlamentares um poder demasiadamente elevado.
Discussões firmadas entre a cúpula do Congresso e membros do governo antes do carnaval apontavam a possibilidade de um acordo ou para a derrubada integral do veto, o que permitiria o direcionamento dos R$ 30 bilhões aos parlamentares, ou para a construção de um texto que indicasse um meio termo, com algo como R$ 15 bilhões para cada lado.
A ideia de um acordo começou a se enfraquecer após o vazamento de um áudio do ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, em que ele chamava os parlamentares de "chantagistas". A situação piorou após a revelação de que o presidente Bolsonaro distribuiu um vídeo com convocações para a manifestação do próximo dia 15 – que tem como pauta oficial o apoio ao governo, mas viu alguns de seus apoiadores pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
"O texto foi elaborado a seis mãos, em conjunto com o governo. Com a equipe do Paulo Guedes, do general [Luiz Eduardo] Ramos. De repente veio essa guinada, começaram a falar em chantagem", questionou o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG).
Apesar das divergências com o governo de @jairbolsonaro, votarei por manter o #Veto52. Sem planejamento ou organicidade, carece de lógica a terceirização para o relator. O orçamento impositivo, lá atrás, foi um avanço. Mas isso que se discute é bem diferente e temerário.
— Renan Calheiros (@renancalheiros) March 2, 2020
"Temos número para manter o veto", diz senador
A regra para a apreciação de vetos presidenciais determina que a derrubada demanda a maioria dos votos tanto da Câmara quanto do Senado, em votações separadas. Ou seja: basta a confirmação do veto em uma das casas do Congresso para que a decisão presidencial fique efetivada.
A expectativa entre parlamentares de diferentes partidos é de que o Senado irá manter o veto. Os senadores votarão primeiro – assim, se decidirem a favor do governo, dispensarão os deputados de se manifestarem. O que tem sido interpretado como benéfico ao Palácio do Planalto, já que a visão dos parlamentares é a de que os deputados tenderiam a derrubar o veto – lá bastam apenas 257 votos para isso ocorrer.
"O Senado vota primeiro. Então é o Senado que decide. Se o governo tiver interesse em ajudar, nós vamos manter o veto. Basta o presidente se interessar, desconsiderar o acordo que fez e pedir voto aos senadores mais leais ao governo. O resto é conosco. Nós temos número para manter o veto", declarou o líder do Podemos no Senado, Alvaro Dias (PR).
O parlamentar é um dos representantes do Muda, Senado, grupo de parlamentares que, ao longo de 2019, buscou se diferenciar dos senadores mais vinculados com a "política tradicional". O Muda, Senado anunciou apoio ao veto. Curiosamente, o grupo terá apoio de um dos parlamentares mais veteranos do Congresso: Renan Calheiros (MDB-AL), que declarou voto favorável à decisão de Bolsonaro.
"Apesar das divergências com o governo de
@jairbolsonaro, votarei por manter o #Veto52. Sem planejamento ou organicidade, carece de lógica a terceirização para o relator. O orçamento impositivo, lá atrás, foi um avanço. Mas isso que se discute é bem diferente e temerário", postou o emedebista em seu perfil no Twitter.
O Muda, Senado fará na terça, antes da sessão do Congresso, uma reunião para discutir as estratégias de votação. "Provavelmente vamos obstruir a votação. Os que querem derrubar o veto que precisam se organizar para garantir a votação", disse Dias.
O senador ressaltou, apesar de defender o veto de Bolsonaro, contesta a postura do presidente na gestão do episódio. "Quem está derrubando o veto é o próprio governo. Nunca se viu algo semelhante. Fazendo acordos de 30 bilhões, depois 19, depois 15…", criticou. A sessão do Congresso tem seu início previsto para 14 horas desta terça.