A condenação de Walter Delgatti, o hacker que ajudou a destruir a Lava Jato e que agora tenta incriminar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), demonstra que ele agiu por dinheiro e que tinha um histórico de fraudes bancárias. Os detalhes de sua sentença, proferida na semana seguinte a seu depoimento na CPMI do 8 de janeiro, desmentem algumas das respostas que ele deu a parlamentares governistas, principalmente a narrativa de que ele queria fazer justiça.
No Congresso, Delgatti contou que, inicialmente, queria invadir apenas a conta de um promotor de Araraquara que supostamente o perseguia. Segundo seu relato, esse promotor, que também era seu professor de Direito na faculdade, armou para que ele fosse preso por tráfico de drogas com base num flagrante da polícia que encontrou, em sua casa, medicamentos controlados, mas para os quais ele tinha prescrição médica. Por ter passado seis meses na cadeia, Delgatti disse que, numa audiência, viu o promotor mexer no celular e notou que ele usava o Telegram.
Isso teria ocorrido entre em 2017. Delgatti disse que passou mais de dois anos tentando invadir o celular do promotor. Quando conseguiu, teve acesso à sua agenda de contatos no aplicativo de mensagens, por meio da qual chegou aos celulares dos procuradores da Lava Jato.
“Assim que eu consegui, eu encontrei mensagens comprometedoras do promotor, e peguei também a agenda dele. E nisso, eu continuei acessando o Telegram até chegar à Lava Jato, e, quando eu vi as conversas da Lava Jato, eu vi que havia uma perseguição com o presidente Lula e pensei: o mesmo que acontece comigo aqui acontece com ele, e, de forma livre, espontânea, eu dei publicidade às conversas à época, que foi a ‘vaza jato’”, disse.
A mesma história foi contada no processo em que Delgatti foi condenado a 20 anos de prisão. O juiz do caso, no entanto, demonstrou, com base nas provas, que as primeiras invasões serviam para roubar dados pessoais e acessar contas bancárias das vítimas ou extorqui-las.
No caso do promotor, a invasão teria ocorrido depois da que foi feita contra os procuradores da Lava Jato, segundo as investigações da Polícia Federal. "A invasão do telefone do Promotor Marcel Zanin Bombardi é verdadeira, mas sua motivação inicial teria sido agentes públicos que aturaram na operação Lava Jato, já que o relatório da autoridade policial (fls.175) indica que este ataque foi posterior às invasões dos membros do Ministério Público Federal, o que reforça seu desiderato de busca financeira pela revelação destas conversas", escreveu, na sentença de condenação, o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília.
Em delação premiada, Luiz Molição, integrante do grupo de Delgatti, disse que ele queria encontrar um jornalista para vender o material por R$ 200 mil, o que, segundo Leite, “fulmina a alegação de Walter de que agiu de forma altruísta e buscando reparar uma injustiça”.
“Tanto é verdade esta afirmação de Walter, pois inúmeras autoridades foram hackeadas e não só agentes públicos da Lava Jato. Se o intuito, realmente fosse somente o de reparar injustiças, não teria hackeado o Ministro de Estado da Economia Paulo Guedes e Conselheiros do CNMP. A amplitude das vítimas é imensa e poderia render inúmeras ocasiões de extorsões”, diz o juiz.
Táticas criminosas
No total, a PF conseguiu identificar 126 vítimas das interceptações clandestinas de Delgatti. De janeiro a julho de 2019, antes que ele fosse descoberto, suas movimentações bancárias somaram R$ 107,7 mil. Nos cinco meses anteriores, de agosto a dezembro de 2018, passou por suas contas o montante de R$ 893 mil.
Na denúncia contra ele e seu grupo, o Ministério Público narrou que Walter Delgatti usava plataformas digitais para obter dados bancários das vítimas. Ele ainda participava, segundo as investigações, de chats especializados para comercialização das informações.
“Suas táticas criminosas incluíam os ataques conhecidos como phising, técnica de fraude online utilizada por criminosos para roubar senhas de bancos e demais informações de vítimas; prints de mensagens que interlocutores repassam informações de números de cartões de crédito, contas bancárias e outros dados pessoais de possíveis vítimas; além de conversa pessoal com possíveis vítimas, de forma a instaurar programas maliciosos que possibilitariam a colheita de dados”, descreve a sentença.
O mesmo artifício usado para invadir as contas de Telegram também serviu para ele fazer ligações como se o número fosse de um banco. A técnica consistia em usar serviços de telefonia pela internet que possibilitavam ao chamador usar um número já existente de uma linha telefônica ou de celular pertencente a outra pessoa ou empresa.
“Houve a degravação de um diálogo em que Walter se apresenta como responsável pela área técnica de segurança de uma instituição financeira e orienta um cliente de entidade bancária a realizar uma atualização em seu computador de forma a instaurar um programa malicioso”, relata a sentença, com um exemplo de como ele atuava.
A denúncia contra Delgatti também narra como ele fez contato com a ex-deputada Manuela, do PCdoB, para chegar ao jornalista Glenn Greenwald, que usou as mensagens para desmoralizar a operação anticorrupção numa série de reportagens no site The Intercept Brasil e em outros veículos que também se interessaram em explorar o conteúdo das conversas.
Ao descrever a conduta de um parceiro de Delgatti, Gustavo Santos, também condenado, o juiz Ricardo Leite diz que ele tinha domínio razoável em tecnologia da informação e integrava de forma ativa grupos virtuais destinados a fraudes bancárias.
A organização criminosa que montou com Delgatti, diz o juiz, “era voltada para cometer qualquer ilícito no mundo cibernético, desde que, com esta ferramenta, houvesse a captação de recursos financeiros pelos denunciados”. Na investigação, a PF captou prints de telas de um computador de Delgatti com imagens de contas do Telegram de diversos artistas.
A PF ainda constatou que, no caso de 43 vítimas, principalmente autoridades, Delgatti conseguia monitorar conversas em tempo real. “O objetivo final destes ataques cibernéticos era o de lucro”.
Hacker tenta ligar Bolsonaro a suposto grampo contra Moraes; defesa do ex-presidente rebate
De 2019, ano de sua prisão, até o momento, Delgatti foi proibido de usar a internet e, com isso, ficou sem poder “trabalhar”. No ano passado, enquanto respondia ao processo em liberdade, disse que se aproximou da deputada Carla Zambelli (PL-SP) para conseguir um emprego. Foi ela quem levou o hacker ao encontro de Bolsonaro.
O ex-presidente disse que seu objetivo, na conversa, era saber se as urnas eletrônicas eram fraudáveis. Delgatti foi além e afirmou que Bolsonaro teria pedido para que ele simulasse um falso ataque para gerar desconfiança no sistema. Também contou que Bolsonaro teria grampeado ilegalmente o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
No dia seguinte ao depoimento à CPMI, Delgatti foi chamado à PF para prestar esclarecimentos sobre contradições em relação ao que a corporação já havia investigado no caso do encontro.
O advogado Fabio Wajngarten, que defende o ex-presidente, publicou nas redes sociais uma série de mensagens negando as afirmações de Delgatti. Wajngarten afirmou que “em nenhum momento sequer cogitaram a entrada de técnicos de informática, muito menos alpinistas tecnológicos na campanha” de Bolsonaro, e que desconhece “quem tenha feito reunião individual com Bolsonaro cuja duração tenha sido de 1 hora e meia”. “Nunca, jamais, houve grampo, nem qualquer atividade ilegal, nem não republicana, contra qualquer ente político do Brasil por parte do entorno primário do Presidente. Mente e mente e mente”, disse.
Já o advogado Daniel Bialski, que defende Carla Zambelli, afirmou que a deputada "refuta e rechaça qualquer acusação de prática de condutas ilícitas ou imorais", negando o que ele chama de "aleivosias e teratologias" mencionadas por Delgatti. Ele disse ainda que o hacker é uma pessoa sem credibilidade que muda de versões e que sua palavra é "despida de idoneidade".
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