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A recriação do Ministério da Segurança Pública é uma promessa de campanha que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava evitando cumprir para não tirar prestígio de Flávio Dino (PSB), titular do Ministério da Justiça, que abriga também a área da segurança. Contudo, o recrudescimento de ações do crime em estados como Rio de Janeiro e Bahia e a pressão do PT pelo controle de mais um ministério estão fazendo o Planalto reavaliar essa questão.
O presidente mencionou o tema durante uma live realizada nas redes sociais no dia seguinte aos ataques que deixaram 35 ônibus incendiados no Rio de Janeiro, em 23 de outubro. Mas analistas ouvidos pela Gazeta do Povo ponderam que, bem mais do que combater o crime e devolver a segurança à população, a medida é vista, acima de tudo, como uma oportunidade de barganha política e de angariar bons frutos junto à opinião pública pelo governo, que tem recebido críticas nessa área.
A criação de um novo ministério para mostrar que o governo está empenhado em resolver a questão da segurança pública no país, embora a longo prazo não se sustente, poderia passar a mensagem imediata de que o governo se preocupa e se move para resolver a questão.
Por ora, o governo tem apostado em ações limitadas, como decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para que militares vigiem portos e aeroportos no Rio de Janeiro e em São Paulo.
“A inação do Ministério da Justiça na área de segurança pública se tornou insustentável, sobretudo diante dos avanços expressivos da criminalidade no Rio de Janeiro e na Bahia, não sendo mais possível esconder a total incapacidade do titular da pasta, Flávio Dino, para gerir esse segmento", opina o jurista Fabrício Rebelo, especialista em segurança pública.
Nesse caso, segundo ele, a recriação do ministério traria apenas “ganhos midiáticos para o governo, pois para a segurança pública em si não há vantagem em existir uma pasta própria". "O fundamental é que se tenha capacidade de gestão e interesse para resolver as principais mazelas desse setor", completa.
O deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS), presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, afirma que uma eventual recriação da pasta só será benéfica se for liderada por uma pessoa da área, desvinculada de ideologias, indicações políticas ou partidárias.
“A segurança pública exige conhecimentos bem específicos. O Ministério da Justiça tradicionalmente é ocupado por alguém que tem conhecimentos genéricos. A falta de conhecimento e de proximidade de quem lidera a pasta tem trazido prejuízos para o país”, diz.
O deputado disse que, apesar de ter experiência como juiz federal, falta ao ministro Flávio Dino (PSB) a competência técnica no tema da segurança pública, entendimento de ciência policial, criminologia, entre outros conhecimentos, para que o combate ao crime seja realizado de forma efetiva, com resultados para a população.
“Quando eu ouço falar na ideia de criar um Ministério da Segurança Pública, eu digo que estaríamos especializando a pasta, mas essa especialização teria que ser de fato e concreta, inclusive possibilitando a interlocução entre o ministério e os agentes da segurança pública, que hoje está fechada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP)”, afirmou.
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Há um jogo político por trás da criação de um novo ministério
Uma das questões com potencial de influenciar a decisão de Lula a respeito da recriação de uma pasta exclusiva para a segurança é uma eventual indicação de Dino ao Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro da Justiça já foi considerado o favorito para assumir a cadeira deixada pela magistrada Rosa Weber, mas uma declaração recente de Lula esfriou as apostas em torno de seu nome. Caso a indicação dele realmente ocorra, abre-se uma oportunidade para divisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública sem que Dino fique melindrado.
“A recriação do ministério daria fôlego ao governo para a indicação de Flávio Dino ao STF, pois, pelo menos formalmente, o desvincularia de um setor em que fracassou fragorosamente, permitindo que recupere um pouco sua imagem e afaste a ideia de se estar premiando a incompetência, como vinha ficando explícito”, avalia Fabrício Rebelo.
Por outro lado, se a indicação ao STF não vingar e, mesmo assim, Lula decidir pela recriação do ministério para enfrentar a crise de segurança pública, Dino perderá protagonismo no governo.
Com mais um ministério, o presidente poderia agradar o PT ou ainda abrir mais espaço para o Centrão na Esplanada, usando a abertura de um novo cargo no alto escalão para conquistar apoios no Congresso, como já foi feito na minirreforma eleitoral de setembro. Na ocasião, Lula trocou seus ministros dos Esportes e Portos e Aeroportos e a presidência da Caixa Econômica Federal a fim de abrigar PP e Republicanos no seu governo.
“[O Ministério da Segurança Pública] seria oportunidade para uma indicação do Centrão e até para uma possível proximidade com a bancada da segurança pública”, avalia Luiz Felipe Freitas, cientista político e assessor legislativo da Malta Advogados.
Novo ministério não garante melhorias para a Segurança Pública
Lula não seria o primeiro a criar uma pasta exclusiva para a segurança pública, separada da justiça. Michel Temer (MDB) optou por essa configuração durante seu governo. À época, o Ministério da Segurança Pública ficou sob o comando de Raul Jungmann.
Os analistas ouvidos pela Gazeta do Povo se dividem ao avaliar se a recriação do Ministério de Segurança Pública traria ou não ganhos para a área. Antônio Testa, doutor em Sociologia e consultor político independente, se diz a favor da medida, devido à inação do Ministério da Justiça. Mas salientou a necessidade de adoção de políticas eficazes de combate ao fluxo financeiro, ao tráfico de armas, de drogas e à corrupção, assim como uma reforma profunda do Judiciário, sobretudo na política penitenciária e no endurecimento efetivo à punição dos caciques do crime.
“Na minha opinião, haveria ganhos, sim. A centralização da gestão da segurança pública, a necessária federalização do sistema penitenciário, a federalização na gestão das polícias, com ação coordenada com governos e prefeituras, e a implantação de uma política de Estado integrada entre os vários níveis trariam benefícios”, afirmou.
Assim como Sanderson, o consultor avalia que, no entanto, tudo isso apenas seria possível se a composição da nova pasta “fosse de um ministério técnico e com competência e força política para implementar uma política de Estado de segurança pública”. Mas ele se diz cético a esse respeito.
De forma contrária, Rebelo destaca que a justiça e a segurança pública andam unidas, em um sistema único de repressão ao crime, cuja atuação prática é integrada. “A segurança pública abrange desde as ações repressivas, empreendidas pelas polícias, até a condenação efetiva dos criminosos, pelo Poder Judiciário. Para isso é necessária uma boa atuação em todas as etapas. Em razão disso, do ponto de vista técnico, é sempre mais interessante que atuem em conjunto, exatamente o oposto do que se alcança com a divisão”, disse.