Parlamentares estudam mudar a reforma da Previdência para facilitar o acesso de servidores públicos a aposentadoria integral - no valor do último salário - e reajustes iguais aos concedidos ao pessoal da ativa.
Essas duas vantagens, conhecidas como integralidade e paridade, são exclusivas para pessoas que ingressaram no serviço público até o fim de 2003. Quem entrou de 2004 em diante já não têm esses benefícios, e isso não mudará após a reforma.
Pela proposta de Emenda à Constituição (PEC) enviada pelo governo Bolsonaro, os servidores mais antigos, se quiserem manter tais direitos, terão de se aposentar somente nas novas idades mínimas, de 62 anos para mulheres e 65 para homens.
A PEC estabelece que, caso eles aproveitem o regime de transição e se aposentem antes das novas idades mínimas, não terão direito a integralidade nem a paridade. Assim, terão seus benefícios calculados pela nova regra geral (60% da média dos salários de contribuição ao longo da carreira mais 2% a cada ano que superar 20 anos de contribuição) e não receberão os mesmos reajustes salariais da ativa.
O que os congressistas pretendem fazer, segundo reportagem do jornal "O Globo", é aliviar essas condições, criando uma regra de transição que permita integralidade e paridade mesmo para os servidores antigos que se aposentarem antes das idades mínimas de 62 e 65 anos.
Seria uma questão de "justiça", segundo deputados que conversaram com o "O Globo". "Acho que tem haver uma transição para evitar que um servidor que esteja a um ano da aposentadoria pelas regras atuais tenha que esperar por mais oito, dez anos", disse Baleia Rossi (SP), líder do MDB na Câmara.
O líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP), afirmou que a ideia é discutir o tema na bancada nesta terça-feira (2). E fazer a alteração no texto original durante a tramitação pela comissão especial da reforma na Câmara, para onde vai a PEC após passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde está atualmente.
A reforma da Previdência elaborada pelo governo Temer tinha o mesmo dispositivo para dificultar a integralidade e a paridade aos servidores públicos. Ele chegou a ser aprovado na comissão especial, em 2017. Mas, pressionado, o governo se comprometeu a relaxar a regra na discussão em Plenário, criando um regime de transição que de alguma forma garantisse tais direitos para quem se aposentasse antes das idades mínimas. No entanto, o "ajuste" nunca chegou a ser feito porque a reforma foi abandonada antes de ir a Plenário.
Integralidade e paridade garantem aposentadoria superior às contribuições feitas pelo servidor
A integralidade é um dos fatores que mais contribuem para o déficit do regime próprio de Previdência dos servidores. Isso porque ela garante um valor de aposentadoria idêntico ao do último salário recebido na ativa, mesmo que o servidor tenha passado boa parte da carreira contribuindo à Previdência sobre valores inferiores a esse.
Pelas contas do doutor em Economia Pedro Nery, autor de "Reforma da Previdência - Por que o Brasil não pode esperar?", em casos extremos um servidor beneficiado pela integralidade pode ganhar o triplo de um trabalhador comum na aposentadoria, mesmo que ambos tenham feito exatamente as mesmas contribuições ao longo da vida.
Em 2018, as contribuições ao regime próprio dos servidores federais somaram R$ 33,5 bilhões. Enquanto isso, as despesas com pagamento de benefício foram de R$ 78,3 bilhões. O resultado foi um déficit de R$ 44,8 bilhões, coberto com dinheiro público.
Embora sejam vantagens exclusivas dos funcionários públicos mais antigos, paridade e integralidade estão "embutidas" em praticamente todas as aposentadorias pagas atualmente e nos próximos anos. De janeiro a novembro de 2018, 96% dos 17 mil servidores federais que se aposentaram conseguiram benefício integral.
Pelas regras atuais, que exigem no mínimo 30 anos de contribuição para as mulheres e 35 para os homens, as primeiras aposentadorias sem essas duas vantagens serão concedidas apenas de 2033 em diante.
Servidores tentarão barrar reforma ainda na CCJ
Apesar da articulação de deputados para atender ao lobby do funcionalismo durante a tramitação na comissão especial, servidores públicos querem barrar o avanço de pontos da reforma da Previdência já na CCJ da Câmara, a primeira etapa que o texto passa no Congresso. A votação nessa comissão está prevista para 17 de abril.
Entre os pontos que consideram ilegais, dois afetam diretamente o funcionalismo público e já são alvos de intenso lobby: a cobrança de alíquotas maiores e diferenciadas pagas pelos trabalhadores e as já citadas alterações nas regras de integralidade e paridade para quem entrou no serviço público antes de 2003.
O jornal "O Estado de S. Paulo" apurou que a estratégia dos servidores para tentar barrar ou minimizar os efeitos das mudanças propostas pelo governo estão centradas em quatro momentos. O primeiro é o questionamento massivo da constitucionalidade de alguns pontos. Associações ligadas ao Judiciário e de representantes de 31 entidades, que juntos somam mais de 200 mil servidores públicos, prepararam um memorial e uma série de notas técnicas questionando pontos da proposta. Eles também já preparam mais de 25 emendas para serem apresentadas a deputados e senadores, e não descartam medidas judiciais.
Os pontos que mais interessam ao funcionalismo público neste primeiro momento são derrubar a alíquota progressiva que eleva a contribuição dos servidores que ganham os salários mais altos.
A reforma eleva a contribuição dos servidores públicos e da iniciativa privada que ganham mais. A alíquota "efetiva" dos servidores, isto é, o desconto total sobre a remuneração, pode chegar a 16,79% para quem ganha o teto do funcionalismo, e passar disso para quem eventualmente ganhe mais.
Se a reforma for aprovada com essa mudança, a alíquota nominal máxima - de 22%, a ser descontada apenas sobre a renda que superar R$ 39 mil - só atingirá 1.142 servidores ativos, aposentados e pensionistas, o que representa apenas 0,08% dos 1,4 milhão de servidores.
Sobre o fim da paridade e da integralidade, a crítica é que a PEC não determina uma regra de transição. “E isso é uma violação ao princípio da confiança legítima à medida que em outras reformas tiveram direito a esta transição e agora tudo isso é retirado deles”, afirma o juiz Guilherme Feliciano, que preside a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e coordena a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), que representa 40 mil juízes e membros do Ministério Público em todo o Brasil.
As associações questionam ainda a retirar da Constituição algumas regras da Previdência, incluindo a que determina os reajustes dos benefícios. Elas também querem barrar a proposta de criar um regime de capitalização, em que as contribuições vão para uma conta, que banca os benefícios no futuro.
O presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, presidente do Sindicato Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle (Unacon Sindical), não descarta uma ação judicial. "É um recurso possível se esgotadas as instâncias legislativas. O ministro [do Supremo Tribunal Federal] Luiz Fux já deu sinais de que há inconstitucionalidades no texto", afirmou.
Apesar da tentativa de lideranças da Câmara para modificar a reforma da Previdência já na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), técnicos legislativos não veem "nenhuma afronta a cláusulas pétreas da Constituição", alertou o presidente da CCJ, deputado Felipe Francischini (PSL-PR). "Até o momento, não há sinalização de alteração da reforma na CCJ", disse.