A queixa do procurador mineiro Leonardo Azeredo dos Santos – que chamou seu salário mensal de R$ 24 mil de “miserê” – fez ressurgir o debate sobre a remuneração do funcionalismo público no Brasil. Em julho, o ministro-chefe do GSI, Augusto Heleno, também havia definido uma “vergonha” seu salário líquido de general de R$ 19 mil.
A lamentação sobre os supostos baixos salários dos servidores públicos, contudo, vai de encontro à realidade revelada por várias pesquisas. Os funcionários brasileiros não só ganham, em média, mais que os empregados do setor privado, como estão entre os mais bem pagos do mundo, recebendo inclusive mais que seus análogos em países desenvolvidos, segundo o estudo do Banco Mundial “Um Ajuste Justo - Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil”.
O Brasil gasta um alto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) com os salários públicos, mas tem um número de servidores per capita menor que outros países como EUA, França e Alemanha. O motivo dos altos salários remonta à década de 1960, quando o governo precisou atrair profissionais qualificados de Rio de Janeiro para a nova capital, Brasília.
Em 2015, os salários públicos consumiram 13,1% do PIB brasileiro, superando Portugal e França, que registravam massas salariais mais altas que a do Brasil há uma década. Na Austrália e nos Estados Unidos, a massa salarial equivale a cerca de 9% do PIB. No Chile, a 6,4%.
Confira a seguir oito fatos sobre a remuneração do funcionalismo público:
1. Os salários médios no funcionalismo e na iniciativa privada
Estudo do Banco Mundial realizado em 2017 mostra que a média salarial dos servidores públicos é de R$ 44 mil por ano, 70% a mais que no setor privado, onde a média é de R$ 26 mil, e quase o triplo do que recebem os trabalhadores informais (R$ 16 mil).
Para os profissionais financeiros (por exemplo, analistas do Banco Central ou do Ministério da Fazenda), os salários iniciais são duas ou três vezes superiores aos pagos em carreiras comparáveis no setor privado (analistas ou funcionários de instituições financeiras privadas).
Por outro lado, enquanto no setor público as progressões salariais hoje são limitadas pelo teto de gastos, no setor privado os salários podem subir bem mais para os profissionais no topo da carreira.
2. Quanto ganham os militares e os servidores civis
Os militares brasileiros recebem, em média, R$ 55 mil por ano, pouco mais que o dobro do valor pago pelo setor privado. Os servidores federais civis ganham cinco vezes mais que trabalhadores do setor privado (R$ 130 mil por ano).
3. A remuneração dos servidores federais menos qualificados
A distribuição dos salários dos servidores federais sugere que mesmo os profissionais menos qualificados, que têm remuneração mais baixa, em geral ganham mais que os trabalhadores do setor privado.
Segundo o boletim estatístico de pessoal, citado pelo Banco Mundial no estudo "Um Ajuste Justo":
- 26,2% dos servidores públicos federais ganham mais de R$ 10,5 mil ao mês;
- 34,1% recebem de R$ 5.501 a R$ 10,5 mil;
- 34,5% ganham de R$ 2.501 a R$ 5,5 mil;
- e apenas 5,2% recebem R$ 2,5 mil ou menos.
Segundo a Pnad Contínua, do IBGE, em julho o vencimento médio dos trabalhadores formais do setor privado era de R$ 2.169. E a maioria dos trabalhadores ganha menos de dois salários mínimos (atualmente, R$ 1.996).
4. Os benefícios adicionais do servidor federal
Além da participação no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), os servidores públicos federais dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário, além da Advocacia-Geral da União e da Controladoria-Geral da União/Ouvidoria) têm acesso a nove benefícios adicionais, como alimentação, transporte, habitação e assistência médica, além de uma série de bônus.
Servidores federais contam também com outras recompensas, como gratificação natalina ou por encargo de curso ou concurso, e adicionais como o noturno, de férias e para prestação de serviço extraordinário.
5. O "prêmio salarial" dos servidores
Os servidores federais brasileiros têm o maior "prêmio salarial" de uma amostra de 53 países avaliados pelo Banco Mundial.
Esse prêmio representa o quanto os funcionários públicos ganham a mais que pessoas desempenhando funções semelhantes no setor privado. No caso dos servidores federais do Brasil, a vantagem salarial é de 67%, em média. O prêmio dos servidores públicos estaduais, por sua vez, é de 31%.
Enquanto isso, o prêmio médio nos outros países avaliados é de 16%.
6. Os servidores e a renda nacional
Com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015, o Banco Mundial calcula que 54% dos servidores públicos – em todos os níveis administrativos – estão nos 20% da população com a renda mais alta, e 77% estão entre os 40% mais ricos.
O estudo mostra também que 75% dos militares e 89% dos servidores públicos estaduais se encontram entre os 40% mais ricos.
Os servidores municipais – que incluem um grande número de trabalhadores nas áreas de ensino fundamental e saúde – ganham relativamente menos, com 39% entre os 20% superiores, e 66% entre os 40% mais ricos.
7. Quanto ganham juízes, procuradores, advogados
Promotores e procuradores do Ministério Público ganham anualmente, em média, quase R$ 530 mil. Juízes e integrantes dos tribunais de contas, mais de R$ 512 mil. Diplomatas, R$ 332 mil, na média, por ano.
Os dados foram reunidos pelo pesquisador José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) e do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) que usou como base os dados do relatório “Grandes Números” da Receita Federal, elaborado a partir de declarações de Imposto de Renda da Pessoa Física de 2015, com valores de 2014.
O Banco Mundial calcula que alguns hiatos salariais são muito grandes. Na área jurídica, advogados recém-formados têm a expectativa de receber um salário de aproximadamente R$ 3.100 no setor privado. No Poder Executivo (por exemplo, na Procuradoria-Geral da Fazenda), o salário inicial é de R$ 18.283. Nos Poderes Legislativo e Judiciário, os salários iniciais de advogados são ainda mais altos – cerca de R$ 30 mil ao mês.
8. Quem paga mais nos três Poderes
Levantamento feito pela empresa de consultoria IDados, com base nos dados do Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS) de 1999 a 2017, revela que o Judiciário é o Poder que apresenta a maior remuneração média, R$ 12.157 por mês.
A seguir vem o Legislativo, com R$ 5.992, e o Executivo, com R$ 3.763. Durante o período analisado, todos os Poderes tiveram ganhos reais, ou seja, aumento salarial acima da inflação.