Depois de meses de tramitação, a reforma da Previdência depende, agora, apenas da promulgação para entrar em vigor. As novas regras para a concessão de aposentadorias, porém, são apenas o primeiro passo do ajuste fiscal pretendido pela gestão de Jair Bolsonaro para a máquina pública brasileira. Vencida a Previdência, o governo já tem seu próximo alvo definido: os servidores públicos.
Segundo dados do Tesouro Nacional, os gastos com pessoal e com a Previdência representam, desde 2016, mais de 60% das despesas totais do governo federal, excluindo o pagamento de juros.
O maior peso é a Previdência Social: em 2018, os gastos com os benefícios do INSS representaram pouco mais de 43% do dispêndio total do governo federal. As despesas com pessoal, por sua vez, representaram 22% dos gastos. A fatia vem crescendo desde 2015 e, pelos dados parciais de 2019, compilados até agosto, podem fechar este ano em patamares ainda maiores.
O que se sabe sobre a reforma para os servidores públicos
De acordo com a assessoria da secretaria especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, a expectativa é de que a proposta de reforma administrativa seja anunciada pelo governo na próxima terça-feira (29). Enquanto isso, a pasta não se pronuncia oficialmente sobre o teor do projeto.
Apesar de o texto formal não ter sido apresentado, o Executivo já adiantou pontos que estão em estudo. Outros aspectos já tramitam no Congresso e podem ser incorporados à proposta governista, conforme apontou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
"Temos algumas PECs [Propostas de Emenda à Constituição] que já passaram na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] que tratam do tema administrativo e podem servir para acelerar a tramitação da reforma administrativa", disse Maia na semana passada.
Os servidores já se mobilizam para enfrentar a reforma administrativa. Em setembro, foi criada a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, à qual aderiram 235 deputados e seis senadores de 23 partidos.
Na ocasião, o coordenador da grupo, deputado Israel Batista (PV-DF), disse que "a intenção tem de ser melhorar o atendimento ao público e o rendimento do servidor, não apenas cortar custos".
Veja quais propostas já foram ventiladas pelo governo, ou que estão em discussão em matérias que tramitam no Congresso:
1. Redução de salários iniciais e reestruturação nas carreiras
Um dos problemas identificados pela equipe econômica é de que o salário inicial de quem ingressa no serviço público é muito elevado. Além disso, a progressão é rápida. Servidores públicos chegam ao topo da carreira com pouco tempo de serviço, e passam longos períodos recebendo o salário mais alto para aquela função. Estudo do Banco Mundial corrobora essa tese, apontando que os servidores públicos federais ganham, em média, 96% mais do que os trabalhadores da iniciativa privada em funções semelhantes.
De acordo com dados do Painel Estatístico de Pessoal (PEP), vinculado ao Ministério da Economia, o menor salário do serviço público federal, para o nível de auxiliar, é de R$ 1,4 mil. O maior chega aos R$ 30,9 mil, para funcionários com nível superior. O Banco Mundial aponta que somente 15% das carreiras da administração federal têm salário inicial inferior a R$ 5 mil.
Além de reduzir a remuneração inicial, o governo também já deu indicativos de que pretende diminuir o número de carreiras existentes. Hoje, segundo o estudo do Banco Mundial, são 300 carreiras distribuídas em 25 ministérios ou órgãos, com 117 tabelas de progressão salarial.
Nesta segunda-feira (28), o jornal "Folha de S. Paulo" noticiou que a equipe econômica do governo estuda reduzir o número de carreiras para menos de dez. Com isso, seria mais simples realocar os servidores de um ministério para outro, o que reduziria custos.
2. Novas formas de seleção de servidores públicos e fim da estabilidade
O Executivo também estuda instituir novas formas de ingresso no governo. Uma delas seria uma espécie de "trainee", no qual os servidores públicos só ganhariam estabilidade se tivessem um bom desempenho durante dois anos de trabalho. Hoje, o funcionário se torna estável após três anos de efetivo exercício do cargo, como está previsto na Constituição.
Outra proposta em análise é mais dura: ampliar de três para dez anos o tempo mínimo de trabalho que um servidor precisa ter no cargo para garantir a estabilidade. Tal prazo valeria apenas para os futuros concursados.
A equipe econômica avalia, ainda, contratar servidores públicos temporários, por período determinado. Cargos sem estabilidade também devem ser instituídos, conforme declaração do próprio presidente Jair Bolsonaro na última sexta-feira (25).
"Não haverá quebra de estabilidade para os atuais servidores. [Para] quem entrar a partir da promulgação da PEC pode não haver estabilidade", disse o presidente durante viagem à China.
Para o processo de ingresso nas carreiras, o governo estuda criar métodos alternativos ao concurso. A ideia é modernizar a seleção, com entrevistas e dinâmicas de grupo. O Ministério da Economia, segundo informações do jornal "Folha de S.Paulo", estaria testando o modelo em seleções que já estão em curso dentro da pasta.
3. Fim da indexação dos salários
Na viagem à China, o presidente também afirmou que o governo deve propor o fim da indexação dos salários do funcionalismo. Bolsonaro, porém, não deixou claro no que isso implicaria. O presidente pode estar se referindo a períodos mais longos sem reajustes salariais.
4. Jornada de trabalho mais curta, com redução no salário
Outra proposta já está sendo apreciada no Congresso, por meio da PEC 438, de 2018. De autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), a proposta prevê medidas de contenção de gastos nas situações em que o governo chegar perto de estourar ou mesmo exceder a chamada "regra de ouro". Por essa norma, prevista na Constituição, o Executivo não pode se endividar para pagar as chamadas despesas correntes, que incluem o gasto com pessoal.
Uma dessas medidas de contenção inclui reduzir a jornada de trabalho dos servidores públicos, com a adequação dos salários, além de exonerar os funcionários que não são estáveis. Outra alteração instituiria a cobrança de uma contribuição previdenciária suplementar provisória, de 3 pontos porcentuais, para servidores ativos, aposentados e pensionistas. A matéria, considerada positiva pelo governo, está sob análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
5. Demissão de servidores públicos por incompetência
Mais uma proposta em tramitação no Congresso, dessa vez no Senado, regulamenta a possibilidade de demissão dos servidores públicos por incompetência. A matéria já está pronta para ser apreciada no plenário da Casa, depois de passar pela discussão nas comissões e em audiências públicas.
Pelo texto, todo servidor passaria por uma avaliação anual, realizada por três colegas, sendo um deles o chefe imediato. O resultado seria uma nota de 0 a 10, atribuída de acordo com um planejamento de avaliação estabelecido no início de cada ano. Seria demitido o servidor que obtivesse nota inferior a 3 em duas avaliações seguidas, ou com média inferior a 5 nos últimos cinco anos.
6. Inclusão de estados e municípios
A ideia do governo é deixar a porta aberta para que estados e municípios possam aplicar as mesmas alterações aos seus servidores. Com isso, o intuito é dar um alívio para estados que têm endividamento elevado e que estão comprometidos com a folha de gastos com pessoal.
De acordo com o jornal "O Estado de S. Paulo", o ministro Paulo Guedes pretende criar, ainda, a possibilidade de um estado de emergência fiscal para os entes federativos. Nesses casos, seria possível congelar salários dos funcionários, progressões automáticas e reajustes.