Depois de mais de dois anos tramitando no Senado, o projeto que regulamenta a demissão de servidores públicos em razão de mau desempenho profissional está perto de ir a votação na Casa. O Projeto de Lei Complementar 116/2017, de autoria da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), já passou pelas comissões da Casa – e, se depender da expectativa do relator da matéria, senador Lasier Martins (Podemos-RS), vai a votação ainda neste ano.
Se for aprovada – e depois passar pela Câmara –, a matéria vai regulamentar uma medida que foi incluída na Constituição em 1998. Ainda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Congresso aprovou a inclusão da avaliação de desempenho entre as possibilidades de perda do cargo para os servidores. Além dela, também está prevista a demissão após sentença judicial transitada em julgado e por processo administrativo, desde que seja assegurada a ampla defesa ao servidor.
Um projeto do governo FHC para regulamentar a avaliação chegou a ser enviado ao Congresso na época, mas emperrou quando seria votado em plenário. De acordo com Martins, a demora ocorreu por "falta de vontade política", tanto do Executivo quanto do Legislativo, "provavelmente em razão das fortes pressões em contrário das bem organizadas corporações de servidores".
O que prevê a proposta
De acordo com o texto que está pronto para votação dos senadores, os servidores de todas as esferas de governo seriam avaliados uma vez por ano. Estariam aptos a passar pelo processo os funcionários estáveis – com mais de três anos de exercício da função – que tenham desempenhado as atribuições do cargo por prazo igual ou superior a três meses.
A avaliação seria realizada por uma comissão constituída por três servidores, sendo um o chefe imediato do avaliado; o segundo um outro servidor, escolhido pelo órgão de recursos humanos da instituição; e o terceiro um servidor selecionado por sorteio.
Para atribuir a nota ao avaliado, a comissão teria que avaliar dois critérios fixos (produtividade e qualidade), além de outros cinco escolhidos em comum acordo com o funcionário, advindos de uma lista previamente estabelecida na legislação (veja abaixo). Cada critério teria metas, também pactuadas com o servidor durante o planejamento da avaliação.
Após a atribuição das notas em cada critério (com a média do resultado entre os três avaliadores), a nota final seria composta pela média ponderada entre todos os critérios avaliados. Os fixos teriam peso maior, de 25%, enquanto os variáveis contariam 10% cada.
Quando haveria demissão de servidores públicos
Com isso, o resultado seria uma nota de 0 a 10. O servidor seria demitido, apenas, se tirasse menos do que três pontos em duas avaliações seguidas, ou se tivesse média inferior a cinco pontos nos últimos cinco anos.
"A eventual demissão é uma consequência da avaliação e não uma causa a ser perseguida. O que se quer, na verdade, é estimular a meritocracia, valorizar o bom funcionário público e, em último caso, excluir os indivíduos que formam uma minoria indigna da missão de servir ao público", diz o relator Lasier Martins.
Os critérios mais específicos foram incluídos por ele no projeto, durante a tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A proposta prevê que o servidor pode pedir reconsideração da nota à comissão avaliadora. Se o pedido for indeferido, o avaliado pode recorrer ainda ao órgão de recursos humanos da instituição. Essas prerrogativas valem, apenas, para os que tiverem nota final inferior a cinco pontos.
Servidores veem risco de retaliação política
Apesar do tempo decorrido para a regulamentação e das modificações feitas no texto, representantes dos servidores públicos ainda consideram que as regras podem abrir brechas para retaliações políticas.
"Somos contra esse projeto, não contra a avaliação. O servidor exige ser avaliado permanentemente. O problema é que essa lei pode se tornar um instrumento pessoal do chefe para fazer o que quiser em relação ao funcionário", disse João Gomes dos Santos, presidente da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil, em audiência pública sobre o projeto, realizada em julho deste ano.
O professor de Direito Administrativo e procurador do Estado de São Paulo Carlos Toledo também considera que a proposta pode abrir brechas para retaliações. Ele explica que, ao contrário dos países desenvolvidos, o Brasil ainda não desenvolveu um serviço público baseado plenamente na impessoalidade e na eficiência.
"Pode ser que esse sistema de avaliação funcione em entes mais bem estruturados, como os estados e a União. Mas ainda temos, no país, muitas situações em que essa estrutura burocrática ainda não está bem consolidada, especialmente nos municípios. Com isso, a avaliação pode servir, simplesmente, para eliminar os servidores que não atendem às demandas políticas para os governantes da ocasião", diz.
"Serviço público não é avaliado", diz especialista
Nem todos os especialistas, porém, concordam com essa visão. Bernardo Strobel Guimarães, doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), aponta que, em termos práticos, é muito difícil afastar um servidor público de suas atribuições.
"No fim das contas, o regime de serviço público não é avaliado. Se houver critérios já formalizados, o sucessivo descumprimento de metas poderia resultar na perda do cargo. É uma discussão que a sociedade precisa fazer", diz.
Segundo dados da Controladoria-Geral da União (CGU), 16.625 servidores públicos federais foram expulsos do governo desde 2003. Pouco mais de 5 mil perderam o cargo por corrupção, enquanto 1,8 mil foram expulsos por abandono ou inassiduidade.
As etapas para a avaliação dos servidores públicos
- Planejamento da avaliação: etapa em que seriam selecionados os fatores avaliativos variáveis e os critérios objetivos utilizados para atribuição da nota;
- Acompanhamento das atividades realizadas;
- Avaliação do desempenho funcional: além dos dois fatores fixos, outros cinco fatores variáveis poderão ser escolhidos para a avaliação, de acordo com as atividades desempenhadas pelo servidor.
- Retorno ao servidor sobre pontos que precisam ser melhorados.
Fatores avaliativos fixos, que corresponderiam a 25% da nota cada:
- Qualidade;
- Produtividade.
Fatores avaliativos variáveis, que corresponderiam a 10% da nota (somente cinco seriam escolhidos para cada servidor):
- Relacionamento funcional;
- Foco no usuário/cidadão;
- Inovação;
- Capacidade de iniciativa;
- Responsabilidade;
- Solução de problemas;
- Tomada de decisão;
- Aplicação do conhecimento;
- Compartilhamento de conhecimento;
- Compromisso com objetivos institucionais;
- Autodesenvolvimento;
- Abertura a feedback.
Conceitos para os resultados da avaliação:
- Superação: igual ou superior a oito pontos;
- Atendimento: igual ou superior a cinco pontos e inferior a oito pontos;
- Atendimento parcial: igual ou superior a três pontos e inferior a cinco pontos;
- Não atendimento: inferior a três pontos.
Quando o servidor seria demitido?
- A demissão seria aplicada nos casos em que o servidor tiver tirado o conceito "não atendimento" nas duas últimas avaliações ou quando a média dos últimos cinco anos não alcançar o conceito "atendimento parcial".