Um dia após a operação de busca e apreensão realizada, nesta quinta-feira (15), pela Polícia Federal (PF) em três endereços do senador Marcos do Val (Podemos-ES), autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), apenas uma parte da oposição manifestou opinião sobre o episódio. Esses criticaram a violação dos direitos de parlamentares e expressaram preocupação com a crescente ameaça à democracia. Mas 11 senadores oposicionistas contatados pela Gazeta do Povo optaram por adotar a postura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que não fez nenhum pronunciamento.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), aliado de Do Val, e o seu clã político também não se manifestaram publicamente sobre o caso. Até mesmo o partido do senador investigado decidiu não divulgar posicionamento.
Analistas apontam que esse silêncio se deve a uma combinação de fatores. Primeiramente, há receio em lidar com o perfil imprevisível de Do Val, que entrou em contradições ao abordar os atos de vandalismo ocorridos em 8 de janeiro e está envolvido em embate pessoal com Alexandre de Moraes. Além disso, existe o temor de retaliações do STF, inclusive de suspensão de redes sociais, e preocupações com efeitos desses fatos nas negociações para eleições municipais de 2024.
Já os parlamentares que se manifestaram destacaram os excessos do Judiciário e pressionaram o Senado por uma reação adequada.
A imunidade parlamentar, prevista no artigo 53 da Constituição, impede que representantes eleitos sejam responsabilizados civil e criminalmente por “quaisquer opiniões, palavras e votos”. No entanto, o STF tem questionado esses limites, como mostrado no julgamento da Ação Penal 1044 envolvendo o então deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). Nesse caso, o agora ex-parlamentar foi acusado de crimes contra o Estado democrático de direito e acabou sendo afastado e preso. Até mesmo o perdão da pena (graça) que recebeu de Bolsonaro acabou anulado pelo Supremo.
Marcos do Val teve acesso a documentos sigilosos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) desde fevereiro. Ele vem vazando trechos deles em suas redes sociais e tem insinuado haver neles conteúdos comprometedores para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e até mesmo para o ministro Alexandre de Moraes. O senador é investigado pelos crimes de divulgação de documento confidencial, associação criminosa, abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de Estado e organização criminosa.
Senadores saem em defesa da imunidade parlamentar
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) foi o único a ir à tribuna para protestar contra a operação da PF realizada contra Do Val. Para um plenário esvaziado nessa sexta-feira (16), ele enfatizou o descumprimento, por parte do STF, da inviolabilidade constitucional dos mandatos parlamentares e alertou para a piora da reputação do Senado, caso não haja reação oficial. Girão afirmou: “Após inúmeras invasões de competência do Judiciário sobre o Legislativo, testemunhamos a invasão física do gabinete de um senador. Sem julgar o mérito, o que ocorreu foi mais uma violação da Constituição”.
O senador questionou a segunda apreensão do mesmo celular de Do Val, após o depoimento anterior prestado à PF, a falta de pedido formal ao Senado para realizar a operação e bloqueio das redes sociais do colega. Para ele, a única chance de reverter a crise institucional é a sociedade se manifestar pacífica e democraticamente. Mas Girão destacou que muitos cidadãos estão temerosos de se expressar diante da censura e das prisões de políticos, empresários, religiosos e pessoas comuns por terem manifestado opiniões.
O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), considerou ser “deplorável assistir a um senador da República em exercício sofrer uma ação de busca e apreensão em seu próprio local de trabalho”. Na sua primeira reação ao fato, mostrou perplexidade e pediu esclarecimento sobre a decisão do ministro Alexandre de Moraes, inclusive questionando se ela é mesmo pertinente e se tem o “devido fundamento legal”. “Por enquanto, estamos às escuras”, disse o senador em entrevista à rádio Jovem Pan.
O senador Carlos Portinho (RJ), líder do PL no Senado, expressou apreensão com ações do Judiciário contra parlamentares de direita, afirmando que elas têm reduzido a importância do Senado. Ele destacou a violação das prerrogativas de um membro da Câmara Alta e ações do Judiciário que levam à desarmonia entre poderes. Portinho mencionou a cassação do agora ex-deputado Deltan Dellagnol (Podemos-PR) como prova de movimentações que ainda podem atingir o senador Sergio Moro (União Brasil-PR).
“Agora, com a operação contra o senador Marcos do Val, que tem imunidade garantida por estar exercendo mandato, vemos que membros da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro também podem virar alvos do STF”, disse. Ele ressaltou a necessidade de lembrar a críticos da Lava Jato que o STF atua de forma semelhante, com concentração de poderes e “caça” sistemática de políticos.
Para o senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS), o STF ultrapassou os limites de novo e seguiu impondo censura ao determinar o bloqueio dos perfis de Do Val nas redes sociais. “É inadmissível que um parlamentar tenha seu direito de fala cerceado. Até quando Congresso ficará impassível?”, protestou.
O senador Magno Malta (PL-ES) afirmou à Gazeta do Povo que não discutiria a gravidade do mérito das investigações contra Do Val, até por não saber “qual crime foi cometido”. “Apesar disso, quero apenas citar o artigo 53 da Constituição, com redação atualizada pela emenda constitucional 35 de 2001, de que deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. A Carta Magna está na mão e ela é a Bíblia que rege a sociedade”, disse.
Na Câmara, ação do STF provoca protesto da oposição; PT quer afastar senador da CPMI
No embalo da operação da PF, deputados petistas, como Gleisi Hoffman (PR), presidente nacional da sigla, e Rogério Correia (PT-MG), membro da CPMI de 8 de janeiro, trataram de cobrar do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o afastamento do senador Marcos do Val do colegiado, além de estender o pedido ao deputado André Fernandes (PL-CE), por serem investigados pelo STF.
Para o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), a operação da Polícia Federal, dessa vez contra um senador da República, “foi mais um absurdo cometido pelo Judiciário, e que mostra a urgência de se investigar esses atos”. Ele é autor de proposta de CPI para investigar abusos do Judiciário.
Ao comentar a situação em suas redes sociais, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) lembrou que o Partido Liberal (PL) foi multado em R$ 22 milhões, o mesmo número usado nas urnas. “Multa de 22 milhões no PL, audiência do Bolsonaro pro dia 22 e busca e apreensão no dia do aniversário do Marcos do Val. Justiça ou vingança?”, indagou.
“Rodrigo Pacheco é o pior, o mais covarde e o mais indigno presidente que o Senado já teve em toda a sua história. A operação contra Marcos Do Val foi, entre outros motivos, por demonstrar que a Abin realmente sabia o que aconteceria no dia 8. O crime foi fiscalizar. Um senador é alvo de busca e apreensão por exercer suas prerrogativas e o presidente da Casa não se dá ao trabalho de sequer lançar uma nota de repúdio. Nem mesmo Renan Calheiros foi tão submisso. É absolutamente vergonhoso”, publicou o vereador paulistano Fernando Holiday (Republicanos), ex-deputado federal.
Investigação apura controvérsias envolvendo o senador e Moraes
A investigação em curso está diretamente ligada aos relatos do senador Marcos do Val sobre um suposto plano golpista envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). No entanto, desde que Do Val alegou ter sido coagido a tentar incriminar Alexandre de Moraes por meio de uma reunião com o ministro, o senador já alterou sua versão várias vezes. Em um momento, ele admitiu ter inventado a história como uma estratégia para afastar Moraes da investigação contra Bolsonaro.
Na noite de quinta-feira (15), Do Val voltou a afirmar que a operação realizada pela Polícia Federal foi uma "tentativa de intimidação" arquitetada por Moraes. Ele declarou: "Se fui incluído como possível suspeito de ato antidemocrático, o ministro precisa ser incluído também, porque foi ele quem me pediu para participar dessa reunião". Em fevereiro, Moraes confirmou ter ouvido a trama relatada pelo senador, mas alegou que Do Val se recusou a formalizar a denúncia. O senador também admitiu ter mentido para a imprensa, usando a estratégia da "persuasão".
Nas redes sociais, Do Val vinha fazendo publicações acusando Moraes, Lula e o ministro da Justiça, Flávio Dino, de omissão, e alegava que estavam em um suposto conluio para criar uma armadilha para os manifestantes dos atos de 8 de janeiro, em Brasília.
Durante a entrevista de quinta-feira (15), o senador reiterou suas publicações e afirmou que tinha documentos em seu gabinete que colocavam o STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na lista de alertas feitos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre o risco de invasões na Praça dos Três Poderes, e que Moraes queria acessar eles. As redes sociais do senador foram suspensas por determinação judicial.
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