O ano legislativo ainda nem começou e a disputa por poder entre o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP) voltou a crescer. O cenário político de 2024 começa recheado de polêmicas depois dos vetos de Lula ao calendário para pagamento de emendas impositivas aprovado pelos parlamentares na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da elaboração de uma Medida Provisória que busca reonerar setores produtivos que tinham conseguido prorrogar benefícios com aval do Congresso Nacional.
O ano de 2023 já havia sindo marcado por ações de Lula para tentar atrair Lira e o Centrão para a base de apoio ao governo. Por sua vez, vinha aumentando sua influência sobre os partidos na Câmara e atraindo cada vez mais poder de decisão sobre as principais questões do país para o Legislativo.
Apesar de não ter feito nenhuma declaração pública sobre o veto ao projeto que foi amplamente debatido no parlamento, o presidente da Câmara, Arthur Lira, do Progressistas, não apareceu em Brasília no evento convocado pelo presidente Lula para lembrar o 8 de janeiro de 2023, e a ausência foi atribuída por alguns parlamentares ao climão gerado pelas interferências do Executivo. A ausência vem sendo interpretada como um recado político.
A presença de Lira no evento tinha sido confirmada, até porque como presidente da Câmara dos Deputados, sua participação no ato Democracia Inabalada tinha um papel institucional. O evento foi no Salão Negro, dentro do prédio do Congresso Nacional.
Fontes próximas a Lula disseram nos bastidores que ele teria ficado irritado com a ausência. Já o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, afirmou que Arthur Lira é um democrata, e que sempre criticou os atos que terminaram com a depredação de prédios públicos na Esplanada. Por isso, segundo Rodrigues, não teria motivos suspeitos para não comparecer.
A ausência foi justificada por um problema de saúde familiar, ao contrário de outros parlamentares e governadores que se negaram a participar, pela "politização" do ato.
Café de Lira e Bolsonaro teria irritado Lula ainda mais
Outro ingrediente da "torta de climão" entre Lula e Lira teria sido um encontro entre o presidente da Câmara e o ex-presidente Jair Bolsonaro que, de passagem por Alagoas, terra de Arthur Lira, foi recebido por ele para um café no início do mês. Apesar de ter sido um dos primeiros políticos a reconhecer a vitória de Lula nas eleições em 2022, Lira sempre declarou abertamente apoio a Bolsonaro.
Um deputado do Progressistas bastante ligado a Lira, que preferiu se manter no anonimato, disse à Gazeta do Povo que diante das tratativas não cumpridas pelo governo, como os vetos à LDO e ao envio de uma Medida Provisória reonerando setores que foram desonerados pelo Legislativo, há um enfraquecimento até mesmo dos líderes partidários. Isso porque eles acabam não conseguindo entregar resultados para as bancadas e por isso podem complicar ainda mais a vida de Lula em votações cruciais, tanto na Câmara quanto no Senado.
Ainda de acordo com o mesmo parlamentar, os deputados e senadores certamente vão derrubar os vetos ao cronograma para pagamento de emendas parlamentares. O estabelecimento do cronograma impede que Lula use o poder de liberar emendas ou deixá-las na gaveta por muito tempo para barganhar com deputados e senadores.
O deputado ouvido pela reportagem prevê que o governo terá um ano muito "penoso" pela frente, e terá dificuldades para convencer as bancadas a apoiar projetos de Lula. Os votos terão que ser negociados um a um, na avaliação dele.
Sobre o presidente Lira, de quem é próximo, o deputado diz acreditar que o presidente da Câmara deu um recado claro a Lula ao faltar à solenidade convocada pelo presidente da República, com apoio do presidente do Senado e do Supremo Tribunal Federal. O alerta seria de que o evento não deveria ter sido politizado, pois não era uma solenidade para exaltar determinado partido político.
Outro problema que o deputado citou, e que tende a tensionar ainda mais as relações entre Lira e Lula, é a judicialização de matérias deliberadas pelos parlamentares. Ou seja, quando o Legislativo decide sobre um assunto (ou opta por deliberadamente não tratar dele) e o governo ou seus aliados levam o caso para o Supremo em uma tentaviva de reverter a decisão dos parlamentares.
Isso ocorreu com o debate sobre o marco temporal da demarcação de terras indígenas. Após um intenso debate em 2023, o Congresso aprovou uma lei definindo que apenas terras ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988 (promulgação da Constituição) poderiam ser transformadas em reservas. O Executivo chegou a vetar a lei, mas o veto de Lula foi derrubado. Depois que isso aconteceu, aliados do governo desrespeitaram um acordo de não judicialização e apelaram ao STF.
Congresso se mobiliza para derrubar veto ao calendário de pagamento de emendas
Em pleno ano eleitoral, com as eleições municipais em outubro, o veto do Executivo ao trecho do texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que obrigava o governo a pagar as emendas impositivas ainda no primeiro semestre acabou por tensionar ainda mais as relações entre os poderes.
É que deputados e senadores contam com o dinheiro que enviam para governadores e prefeitos para ampliar suas bases e eleger candidatos pelo Brasil afora no pleito municipal. Sem o calendário, é comum que o governo deixe o pagamento de emendas de parlamentares que não são aliados para depois, privilegiando a liberação do dinheiro para os que integram sua base política, o que acaba prejudicando a oposição.
Segundo uma fonte ouvida pela Gazeta do Povo, deputados e senadores conquistaram maior autonomia ao definir esse cronograma de pagamentos, e por isso não vão aceitar que o governo maneje esse dinheiro como bem entender, usando a liberação das emendas como moeda de troca em votações importantes, ou beneficiando apenas aliados. Eles tendem a derrubar o veto, com o aval do próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, que também teria ficado melindrado com a interferência de Lula neste caso.
Medida Provisória que reonera setores produtivos foi mais um motivo de acirramento da crise com governo
A edição de uma medida provisória reonerando 17 setores produtivos da economia caiu como uma bomba na Câmara e no Senado na virada do ano. Isso porque o Legislativo havia determinado a continuidade da desoneração das folhas de pagamento. Lula vetou a decisão e teve seu veto derrubado pelo Congresso. Sem aceitar a derrota, tomou a medida unilateral de editar a medida provisória.
Deputados e senadores cogitaram até mesmo que o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) devolvesse o texto da Medida Provisória enviado pela Fazenda no dia 28 de dezembro, mas parlamentares e a equipe de Fernando Haddad ainda tentam encontrar uma solução para a confusão política.
Após uma série de reuniões, uma das alternativas que está sendo alinhada para tentar diminuir o mal-estar pode ser o envio de uma nova Medida Provisória anulando a anterior, que reonera os setores, com a posterior entrega de um projeto de lei ao Congresso com novas regras sobre a reoneração.
Segundo o líder do governo no Senado, Jacques Wagner (PT-BA), existe possibilidade de acordo. "Evidentemente tem que ser uma combinação entre as duas Casas". Haddad já conversou com o senador Pacheco, mais ainda precisa ouvir a opinião de Lira, que está fora de Brasília, e ainda não se manifestou.
Antes de aderir a qualquer proposta de Haddad, o presidente da Câmara deve ouvir o colégio de líderes. Não está claro se Lira vai tomar o mesmo caminho escolhido por Pacheco de negociar para evitar tanto uma ruptura do Legislativo com o Executivo quando a possibilidade da decisão final ir parar nas mãos do Supremo Tribunal Federal.
O jornal Estado de S.Paulo afirmou que Lira teria sido incluído em uma reunião com Haddad supostamente sem ter sido informado. Uma fonte ligada a Lira disse à reportagem que a alegada reunião poderia ocorrer na quinta-feira (18).
"Qualquer coisa só deve acontecer na retomada dos trabalhos", disse Wagner, embora admita que houve avanços nas negociações entre Governo e Congresso.
Governo terá muita dificuldade em lidar com o Parlamento em 2024, dizem analistas
Que o ano não será fácil para o Governo aprovar suas pautas tanto na Câmara quanto no Senado ninguém duvida. Juan Carlos Arruda, do Ranking dos Políticos, lembra que a relação entre Arthur Lira e Lula é "paradoxal".
"Em tese, Lula desfruta do apoio de 370 dos 513 deputados, uma maioria considerável capaz de aprovar emendas à Constituição. Contudo, apesar dessa robusta base de apoio no papel, o Presidente da República tem enfrentado derrotas em votações cruciais, registrando até mesmo o menor número de medidas provisórias aprovadas em seu primeiro ano de mandato", pontua.
Apesar disso, Arruda ressalta que as divergências entre o presidente da Câmara e o governo não podem ser atribuídas a desavenças pessoais, mas sim à constatação de que as prometidas distribuição de cargos, verbas do orçamento e emendas parlamentares não foram devidamente cumpridas. E isso, segundo Juan Carlos, se reflete nos números mostrados no painel do plenário nas votações.
O analista político e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Adriano Cerqueira, concorda que os embates se seguirão durante todo o ano de 2024, o que começou ainda durante o recesso parlamentar. "A gente tem que entender o seguinte, realmente houve um clima, um clima que ficou ruim entre o Executivo e o Legislativo pelo timing da medida provisória editada pelo Ministério da Fazenda. Na verdade não é editada, é gestada no Ministério da Fazenda e encaminhada e assinada pelo Executivo ao Congresso Nacional. E por que o timing foi ruim? Justamente porque foi logo depois da derrubada dos vetos do Presidente a questão da desoneração, ou seja, acabou parecendo para o Legislativo uma provocação do Poder Executivo".
Para Adriano, o ano será de muita negociação política para tentar evitar seguidas crises de mal-estar entre os poderes. Além disso, o analista alerta para a aproximação entre Executivo e Judiciário, que parece apontar para uma crescente procura pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos assuntos que o Congresso possa deliberar e desagradar o Planalto.
Além disso, há a questão das indicações e cargos pretendidos pelo Centrão, que é capitaneado por Arthur Lira, e que começou logo após a aprovação da reforma tributária no início do segundo semestre de 2023. No estica e puxa travado pelos presidentes Lira e Lula ainda há muitas indicações a fazer, principalmente na Caixa Econômica Federal, com a ocupação das vice-presidências pretendidas pelos partidos, e que pode render novos capítulos no embate entre Congresso e Planalto.
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