Dois dos maiores colaboradores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estão sob intensa pressão, nas últimas semanas, por serem alvos de investigações do ministro Alexandre de Moraes, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que passou quase quatro meses preso, e o coronel e ex-ajudante de ordens Mauro Cid, preso há mais de uma semana, têm sido instados a delatar o antigo chefe. Mesmo assim, as defesas dos dois dizem que não vão fechar acordos de delação contra ele.
Torres foi preso em 14 de janeiro, acusado por Moraes de omissão na proteção da área central de Brasília no 8 de janeiro, quando vândalos invadiram e depredaram as sedes dos Poderes. Durante seu período na cadeia, porém, a Polícia Federal coletou outros elementos que demonstram que ele tinha ao menos conhecimento, ou talvez participação, de planos para prejudicar ou reverter a vitória eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em sua casa, a PF encontrou a minuta de um decreto presidencial que imporia estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para rever o resultado da disputa. Depois, documentos do Ministério da Justiça mostraram um plano para fiscalizar o transporte de eleitores numa região da Bahia onde o PT é forte – Torres diz que o objetivo era apurar compra de votos, mas a suspeita é de que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) pode ter sido acionada para atrapalhar a chegada de votantes às urnas. Por fim, há registros em vídeo de que Torres ajudou Bolsonaro a questionar a segurança das urnas eletrônicas, o que pode ser crime, segundo Moraes.
Mauro Cid, por sua vez, é investigado ao menos desde agosto de 2021 pelo ministro. Naquela época, a PF descobriu, com a quebra de seus sigilos telefônico e telemático, que ele ajudou Bolsonaro a divulgar o inquérito da PF que investigou o ataque hacker ao TSE em 2018 – o caso foi arquivado porque a Procuradoria-Geral da República considerou que o documento não era sigiloso. A abertura dos dados de seu celular ainda revelou que ele pagava contas pessoais da família do ex-presidente, linha de investigação ainda em andamento e que tende a avançar, pela suspeita de uso de dinheiro público.
O que apareceu de mais forte - e que o levou à prisão - foi a revelação de mensagens em que ele articulava a inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid em um sistema do Ministério da Saúde para emissão de certificados falsos – foram beneficiados a mulher de Cid, Bolsonaro e a filha do ex-presidente.
Moraes e a PF agora querem saber se ele e Bolsonaro também se envolveram em planos para anular a eleição de Lula ou mesmo para provocar uma intervenção militar para afastá-lo do poder. Transcrições de áudios de militares para Cid defendendo uma ruptura foram divulgados nos últimos dias.
Advogados rejeitam acordo de delação premiada
Até o momento, no caso de Torres, advogados chamados para defendê-lo têm assegurado que nada do tipo será achado contra Bolsonaro. A estratégia do ex-ministro é colaborar com as investigações sobre os atos do 8 de janeiro, mas sem admitir culpa nem imputar conivência ao ex-presidente. Nesta sexta, o advogado Eumar Novacki foi peremptório ao rejeitar um acordo de delação premiada. “Não existe essa possibilidade de delação. O que o Anderson vai fazer é cooperar para que se esclareça o mais breve possível, os fatos que levaram àqueles odiosos atos do 8 de janeiro”, afirmou à imprensa.
Ele também diz que o celular do ex-ministro estará à disposição da PF e, na entrevista, evitou a todo custo criticar Moraes pela prisão prolongada do cliente. Ao contrário, disse que era esperada uma reação enérgica do ministro após os atos de vandalismo. A estratégia da defesa é aplacar qualquer tipo de animosidade contra Moraes e não repetir, por exemplo, a postura dos ex-deputados Daniel Silveira e Roberto Jefferson de confrontar o ministro – ambos estão presos e devem passar um bom tempo cumprindo pena.
Os advogados também querem se afastar de políticos aliados de Bolsonaro que, revoltados com sua prisão, o visitaram na cadeia e passaram a criticar o ministro. A ideia é apaziguar a relação com o STF, para que Torres responda às acusações após se recuperar da depressão vivida no cárcere.
Se a defesa de Torres ainda tem expectativa de inocentar o ex-ministro, a situação de Mauro Cid é mais complicada no caso dos cartões de vacina. A investigação da PF já tem provas suficientes para uma denúncia por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR), no sentido de que ele teria articulado o esquema de falsificação dos dados – registros oficiais do Ministério da Saúde coletados pela Controladoria-Geral da União (CGU), comprovando a inserção de dados, coincidem com o teor de suas conversas.
A PF, no entanto, ainda quer aprofundar a investigação para saber se houve autorização de Bolsonaro para que Mauro Cid também incluísse doses para ele e Laura no sistema. O celular do ex-presidente, apreendido pela PF, é considerado peça-chave para esclarecer isso. Mas interlocutores próximos do ex-presidente garantem que nada será achado contra ele.
Inicialmente, a defesa de Mauro Cid estava a cargo de Rodrigo Rocca, advogado de confiança da família Bolsonaro – ele foi um dos que conseguiu livrar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) da acusação de rachadinha, e em 2022 ganhou um cargo no Ministério da Justiça. Nesta semana, porém, ele deixou a defesa – pessoas próximas da família do ex-ajudante de ordens ficaram incomodadas porque, na visão deles, o advogado parecia mais interessado em blindar o ex-presidente.
Assumiram a defesa do coronel os advogados Bernardo Fenelon e Bruno Buonicore. Assim como Eumar Novacki, defensor de Torres, eles não querem conflito com o STF. Buonicore já assessorou Gilmar Mendes. Fenelon é especialista em delação premiada, mas a estratégia não passa por isso. A ideia é fechar outro tipo de trato com a Justiça: um acordo de não persecução penal. Também envolve confissão, mas sem entregar outra pessoa, como na delação. Vale para delitos de menor potencial ofensivo – caso do cartão de vacina – e reduz a pena do réu.
O esforço dos advogados agora será tirar Mauro Cid o quanto antes da cadeia. Para isso, devem não apenas manter uma linha amistosa com o STF – como fez Torres –, mas também argumentar que mantê-lo preso preventivamente, antes da condenação, não faz sentido: o coronel já não tem cargo de relevância que lhe desse condições de interferir nas investigações nem teria como cometer novos delitos do tipo.
Ainda assim, Moraes tende a mantê-lo na prisão por mais tempo para aguardar novas apurações da PF sobre o material apreendido em sua casa, incluindo dinheiro vivo (US$ 35 mil, equivalente a cerca de R$ 175 mil, além de outros R$ 16 mil). Além disso, a PF também vai tentar descobrir a origem de R$ 400 mil depositados em sua conta em março de 2022. O foco aqui é saber se ele era usado como laranja para supostas transações suspeitas de Bolsonaro.
Trata-se de uma linha de investigação que preocupa mais o entorno do ex-presidente. No ano passado, quando informações dessas transações vazaram para a imprensa, ele reagiu de maneira explosiva: numa entrevista no Palácio da Alvorada, Bolsonaro afirmou que Moraes agia de forma abusiva na tentativa de atingi-lo por meio da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro – alguns pagamentos efetuados por Mauro Cid eram para quitar boletos de contas pessoais dela. O objetivo disso, segundo defensores do ex-presidente, era evitar que seu nome e dados de sua conta aparecessem em recibos e faturas, por questão de segurança.
A PF ainda trabalha para descobrir se os recursos têm origem pública. Isso porque Mauro Cid e outros ajudantes de Bolsonaro faziam muitos saques e depósitos em espécie para pagar as contas, o que levantou a suspeita de um artifício para esconder a origem do dinheiro. Aliados do ex-presidente dizem que o recurso era privado, da conta pessoal dele, e que essas operações tinha valor baixo, e eram feitas assim para não expor Bolsonaro e Michelle.
A investigação sobre Mauro Cid tem mais um ponto delicado, por envolver um militar da ativa. O Exército tem dado apoio à família do coronel, especialmente sua mulher, que estaria bastante revoltada com a possibilidade de ele assumir toda a culpa no caso do cartão de vacina. Não haverá, no entanto, um apoio institucional a Mauro Cid, até porque muitos oficiais se surpreenderam com algumas das revelações, que também podem gerar punições administrativas ao coronel.
Ao mesmo tempo, o Alto Comando está agindo para acalmar os ânimos de oficiais da reserva, que estão indignados com o caso, especialmente por considerarem que Moraes persegue o coronel, fazendo uma devassa em sua vida para encontrar algo que o incrimine.
A cúpula do Exército também tenta se equilibrar no caso, pois entende que ele desgasta a imagem pública da corporação e se esforça para não deixar que essa situação atrapalhe a relação já delicada da força com o governo Lula.
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