O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está sendo cobrado pelos fatos a adotar medidas de ajuste na economia e na política.| Foto: Andre Borges/EFE
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se aproxima da metade do mandato sob fortes pressões. A maior delas vem do cenário econômico, que cobra ações concretas e urgentes para evitar o colapso fiscal e o agravamento de indicadores como juros e câmbio. No âmbito internacional, as falhas da política externa deixam o Brasil cada vez mais isolado e descreditado. Já no contexto doméstico, as elevadas apostas que fez nas eleições municipais e possíveis derrotas indicam que o presidente terá de assimilar e adaptar-se aos novos reveses nas urnas.

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Como as pressões vêm do mercado, da geopolítica e do eleitorado – e não de rivais políticos específicos – Lula só pode recorrer à própria consciência em um processo de confronto com a realidade. Isso porque o líder máximo do PT não se submete aos conselhos de assessores nem às vontades de seu próprio partido e de aliados. Assim, ele corre risco de insistir nos próprios erros, ampliando perdas em razão de uma autoconfiança excessiva.

Em discursos e entrevistas recentes, Lula tem demonstrado irritação e certa intenção de rechaçar qualquer sinal de fraqueza política, apesar do momento desfavorável a seus planos iniciais. Essa resistência, no entanto, pode dar lugar à revisão pragmática de atitudes, com a adoção de medidas impopulares para reverter a gravidade do horizonte da economia.

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Fala populista contraria “choque de realidade” após reunião com bancos

Após reunião no Palácio do Planalto com executivos dos principais bancos do país na semana passada, Lula foi alertado sobre a necessidade de promover consistentes e estruturais cortes nos gastos públicos, medida que foi defendida publicamente dias depois pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, com reflexos ruins para o dólar e a bolsa.

O presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Isaac Sidney, afirmou que percebeu um “compromisso” de Lula com a agenda de equilíbrio fiscal. Mas apesar desse suposto “choque de realidade”, o chefe do Executivo voltou logo depois a se refugiar no discurso de que os programas sociais são investimento e não despesa, reavivando dúvidas de investidores.

Lula sempre acusa “o mercado” de insensibilidade, por supostamente querer impor limites a recursos para auxílios aos menos favorecidos. Mas dados da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, mostram que a dívida pública, que era de 71,7% do PIB quando Lula assumiu, já subiu para 78,5% em agosto e deve chegar a 84,1% em 2026. A percepção de risco maior leva agentes econômicos a pedir juros mais altos e pressiona o BC.

O descontrole fiscal preocupa investidores estrangeiros, que intensificaram a retirada de capital, contribuindo para o derretimento do real, que já caiu 16% este ano frente ao dólar, superando o patamar dos R$ 5,60. Essa desvalorização, a única entre as maiores economias emergentes, sugere que a pressão cambial vem basicamente da situação fiscal doméstica.

Ministros da área econômica tentam há meses emplacar agenda de ajustes

Os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) defendem há meses mudanças imediatas no Orçamento federal e nos últimos dias voltaram a destacar o tema, afirmando que levarão um pacote de medidas ao Congresso na próxima semana, mas sem revelar detalhes. Apesar da promessa de surpreender positivamente, ainda sobram dúvidas.

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Tebet declarou que “chegou a hora de levar a sério a revisão do gasto público”, enquanto Haddad afirmou que a “batata quente” do ajuste precisa ser enfrentada, reconhecendo preocupações do mercado financeiro. A maior tarefa dos ministros é, contudo, convencer Lula de que os temores são legítimos e transcendem o viés ideológico, com potenciais efeitos negativos sobre a sua campanha pela reeleição em 2026.

O tema já está na mesa de Lula desde junho, mas ele reagiu com o habitual discurso ambíguo, adiando definições para após as eleições. “O problema não é que tem que cortar, o problema é saber se precisa efetivamente cortar, ou se a gente precisa aumentar a arrecadação”, disse à época. Diante da piora de indicadores ao longo dos meses, a sua reação agora pode outra.

A economista Rita Mundim, conselheira de Política Econômica da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), alerta para o risco de o governo decepcionar o mercado caso apresente um pacote de ajuste fiscal aquém do esperado. “Se as medidas de corte de despesas não forem positivamente surpreendentes, como têm prometido os ministros, a frustração será inevitável. Mesmo os bons resultados recentes da Receita Federal não serão suficientes para conter essa decepção”, afirma.

Em maio, a Moody’s elevou a nota de crédito do Brasil de estável para positiva, motivando a equipe econômica a almejar o retorno ao grau de investimento, visto por Haddad como um trunfo eleitoral que demonstraria responsabilidade fiscal. No entanto, as outras duas grandes agências internacionais de risco – Fitch e Standard & Poor’s – preferiram manter cautela, aguardando evolução mais clara das contas públicas e da dívida.

Discurso contraditório do governo mina confiança em pacote de ajuste fiscal

Para o cientista político Leonardo Barreto, da consultoria Think Policy, o principal desafio do governo é gerar confiança em meio a um discurso contraditório, que oscila entre promessa de equilíbrio fiscal e sinalização de mais gastos. “Apesar dos ministros prometerem robusta agenda de corte de despesas, muitos duvidam de sua implementação devido à falta de sinais claros de Lula em tirar o seu veto a essas medidas”, disse.

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Segundo Barreto, há uma evidente divergência de visões no governo, e, na ausência de um ataque direto às despesas, o ideal seria buscar alternativas para reduzir a dívida pública, como uma devolução de recursos de fundos garantidores ao Tesouro Nacional em vez de transferi-los ao BNDES para novos empréstimos. “Mas hoje, enquanto um diz freia, outro diz acelera”, resume.

Arthur Wittenberg, professor de políticas públicas do Ibmec-DF, aponta que, embora Lula relute em realizar o ajuste fiscal, este seria o momento ideal. “Sem o corte de gastos, as contas públicas se deterioram, puxando os juros para conter a inflação. Por outro lado, a redução de despesas agora poderia melhorar indicadores econômicos e até garantir ao país o grau de investimento antes de 2026, beneficiando eleitoralmente”, observou.

Segundo Wittenberg, além do cálculo político, é preciso enfrentar a realidade fiscal, focando na redução de despesas em vez de depender apenas de previsões incertas de aumento de receitas.

Resultado das eleições de 2024 poderá esvaziar influência do PT no governo

O cientista político Ismael Almeida vê como inevitável para Lula e o governo de forma geral se reorganizarem estratégica e politicamente diante do cenário que se desenha logo adiante. “O resultado das eleições municipais, amplamente desfavorável ao PT, pode acabar por esvaziar a influência do partido dentro do próprio governo, favorecendo a busca dos partidos de centro por mais espaço no Executivo”, avaliou.

Almeida ressalta que o projeto de reeleição de Lula está além dos interesses do PT, considerando que Lula, se quiser, tem capacidade de reunir outros atores em torno de si. “Por outro lado, a crise política deflagrada entre o STF e o Congresso em relação às emendas parlamentares pode estourar no colo do governo”. A celeuma beneficiou diretamente Lula, que “terceirizou” para o Judiciário o não cumprimento de promessas feitas ao Legislativo.

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Erros na política externa tiram influência de Lula e do Brasil na América do Sul

No cenário internacional, Lula enfrenta as consequências de erros em sua política externa, ao mesmo tempo em que lida com novos desafios impostos por pressões internas e externas. Sua falta de condenação enfática à fraude eleitoral na Venezuela e o posicionamento controverso em conflitos no Oriente Médio e na Europa resultaram no esfriamento das relações com atores globais e na perda de liderança, especialmente na América do Sul.

O professor Daniel Afonso Silva, especialista em relações internacionais da USP, afirma que o ajuste na política externa de Lula reflete sua impotência diante da complexidade dos conflitos mundiais. “O Brasil se posicionou de maneira desastrosa na invasão da Ucrânia e na crise do Oriente Médio. Agora, por prudência, prefere não se abster completamente para evitar um agravamento de sua situação”, explica.

Segundo Silva, o Brasil está tecnicamente regredindo ao status de pária internacional, com perda de influência sobre vizinhos como Argentina e Venezuela. “As prioridades de Lula não refletem as preocupações globais. Seu discurso na ONU foi visto como folclórico e, na Cúpula do Clima em Belém, há risco de fracasso, especialmente após as catástrofes ambientais que o país enfrentou recentemente”, conclui. Enquanto isso, o PT segue um discurso pró-Venezuela e pró-Cuba que desafia o governo.