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Apenas nesta terça-feira (4), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) empenhou aproximadamente R$ 2,1 bilhões em emendas parlamentares, segundo dados do Siga Brasil, portal do Senado sobre o Orçamento da União – um valor recorde. A estratégia repete a liberação de verbas registrada em maio, de R$ 1,7 bilhão em apenas um dia, quando o Congresso estava em vias de aprovar uma série de medidas provisórias de interesse do governo.
A liberação de verbas ocorre em uma semana em que o governo busca aprovar na Câmara dos Deputados uma ousada pauta econômica: a reforma tributária, o projeto de lei do voto de qualidade do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) e a conclusão do novo marco fiscal. A discussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária (45/2019) iniciou nessa quarta-feira (5) e a votação está agendada para amanhã (6), contudo, ainda há muitas resistências e pressões externas contra o projeto.
Após duras derrotas na Casa, ocasionadas pela escassa base de apoio, o Planalto precisa, mais uma vez, superar impasses com ajustes negociados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e com destinação de verbas. Tanto Lira quanto Lula buscam nessas investidas as maiores apostas de seus mandatos, pois veem nos projetos aprovados não só conquistas emblemáticas, mas também as condições para viabilizar projetos políticos.
A maior parte desses R$ 2,1 bilhões liberados neste começo de julho se deu por meio de emendas de bancada estadual, que somaram R$ 1,4 bilhão. As emendas individuais somaram R$ 719 milhões.
A distribuição dos recursos será feita via dez ministérios: Saúde, Defesa, Trabalho e Emprego, Desenvolvimento Social, Educação, Cultura, Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Portos e Aeroportos e Transportes. Somando todas as emendas parlamentares já empenhadas pelo governo em 2023, o valor chega a R$ 9,7 bilhões, dos quais R$ 7,27 bilhões estão comprometidos com emendas individuais dos parlamentares.
Com o fim do orçamento secreto (RP9), como eram conhecidas as emendas de relator, parte dos recursos foi destinada às emendas individuais dos parlamentares, enquanto o resto ficou a cargo do Executivo, informalmente acertado para ser distribuído aos parlamentares por meio das pastas ministeriais (RP2).
Em meio às movimentações, Lira aproveitou para também cobrar o pagamento de emendas de anos anteriores. Restam cerca de R$ 9 bilhões dos R$ 9,9 bilhões que Lula herdou após o fim do orçamento secreto – cerca de R$ 500 milhões deste montante foram liberados no fim de semana. O Planalto tem usado essa quantia no varejo, para tentar atrair deputados para ampliar sua base de sustentação na Câmara, mas sem grande sucesso.
Em entrevistas, porém, o presidente da Câmara não admitiu que a liberação das emendas colaborou com o andamento das pautas e com a garantia de quórum nas votações, considerando as recorrentes queixas de demora na liberação dessas verbas.
Reunião entre Lira e ministros tratou da liberação de recursos
Em reunião realizada na segunda-feira (3), Lira pediu aos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), além do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), para acelerar a liberação de recursos tendo em vista a urgência de aprovar as matérias econômicas antes do recesso parlamentar, a partir da próxima semana.
A ideia era fazer um esforço concentrado e ir pautando cada projeto à medida que consensos fossem firmados. Na reta final das negociações da reforma tributária, a questão federativa ganhou relevância, com engajamento de governadores e prefeitos para promover mudanças.
Também pesou a atuação da bancada de 99 deputados do PL para tentar adiar a votação da PEC 45/2019 para agosto, com o apoio público do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Lira e aliados combateram as resistências.
“O Brasil precisa de nova legislação tributária. Sem ela, o país não avança. É fundamental priorizarmos o diálogo e estarmos abertos a sugestões. Não devemos permitir que a reforma tributária se torne batalha político-partidária, nem devemos usá-la como oportunidade para obter notoriedade momentânea”, disse Arthur Lira nesta quarta-feira (5). “Devemos lembrar que o Brasil é maior do que todos nós”, frisou.
Com o objetivo de obter mais que os 308 votos favoráveis necessários de deputados para aprovar a PEC da reforma tributária, o governo conta com o especial empenho de presidente da Câmara em parceria com o relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Enquanto isso, representantes de setores produtivos, governos estaduais e prefeituras peregrinam em Brasília, travando as discussões finais. “Foi só apresentar o texto da reforma para estourar uma "bomba atômica". São vários interesses cruzados e contraditórios, além de um vício matematicamente insolúvel: todos querem ganhar mais e não querem aumentar os tributos”, comentou o deputado Arthur Maia (União Brasil-BA).
Questão federativa ganha mais peso na reta final da reforma
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), entrou em cena de última hora para defender, juntamente com outros governadores do Sul e Sudeste, mudanças na reforma tributária. Eles conseguiram incluir demandas, sobretudo no Conselho Federativo, responsável por centralizar e distribuir a arrecadação do novo tributo unificado sobre o consumo. Tarcísio afirmou após reunião na manhã desta quarta-feira (4) com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que concorda com 95% da proposta, mas negociou as discordâncias com o governo e o relator da PEC.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), lidera, por sua vez, a resistência dos estados exportadores, que temem perdas de receitas com a mudança da arrecadação da origem para o destino. "Do jeito que está no texto, os governadores perderão autonomia e ficarão em busca de mesadas", protestou Caiado. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, encabeça a crítica das grandes cidades, que temem perder receitas para as menores.
O agronegócio, juntamente com outros setores receosos com os percentuais que serão cobrados de cada um, também atuou para exigir alterações na PEC.
Diante da oposição de estados e segmentos econômicos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, abriu-se para conversas com os estados e concentrou-se no novo marco fiscal, deixando a reforma tributária nas mãos do Congresso, a fim de evitar que a PEC fosse contaminada pela persistente luta política entre Lula e Bolsonaro. “Queremos superar o número mínimo de votos favoráveis, para mostrar, como no marco fiscal, que se trata de um projeto de país”, defendeu.
Na PEC em discussão, o novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), para agregar os impostos sobre o consumo, absorveria o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços (ICMS8) e o Imposto Sobre Serviços (ISS). A questão está na forma de distribuição do IVA recolhido entre os entes da federação.
Maior preocupação do governo está na necessidade de receita
O foco prioritário do governo no PL do Carf deve-se à questão de receita, pois há cálculos do Ministério da Fazenda que indicam R$ 70 bilhões a mais no caixa federal se a medida for aprovada.
Haddad e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, alertam que o projeto teria que ser votado antes por ser urgência constitucional, o que pode travar a pauta da Câmara após 45 dias da publicação. Lira, contudo, priorizou a reforma tributária.
Quanto ao novo marco fiscal, o texto aprovado pela Câmara e modificado pelo Senado está pronto para ser votado novamente pelos deputados. A questão em debate é se os relaxamentos feitos pelos senadores serão mantidos, com exclusão do Fundeb e do fundo constitucional do Distrito Federal do marco fiscal, além da permissão para o governo gastar mais R$ 40 bilhões em 2024.