Analistas dizem que sociedade civil não se manifesta por medo de Alexandre de Moraes| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
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A maior parte da sociedade civil organizada em entidades como confederações empresariais, e industriais, associações comerciais, financeiras, de imprensa, a Igreja Católica e think tanks permanece sem se manifestar de forma significativa uma semana após o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar o bloqueio de contas da Starlink, a suspensão do X e ameaçar milhões de brasileiros com multas de R$ 50 mil para quem tentar acessar a rede social.

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A Gazeta do Povo consultou mais de 15 entidades. Entre elas a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação Nacional dos Procuradores da República, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a Sociedade Rural Brasileira (SRB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), além de think tanks e organizações não governamentais que atuam politicamente. A maioria preferiu se calar.

Entidades que representam empresas e indústrias deveriam estar interessadas no tema da insegurança jurídica provocada pela decisão do Supremo de congelar contas bancárias da provedora de internet Starlink para pagamento de multas de uma empresa de registro diferente, o X, do qual Musk possui a maior parte das ações. Isso pode abrir precedentes para punições cruzadas de empresas que tenham acionistas em comum, tornando o ambiente de operações empresariais no Brasil incerto e volátil.

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Já entidades como think thanks (organizações que difundem pensamentos políticos), a CNBB, associações jurídicas e de imprensa em tese poderiam estar interessadas em combater punições arbitrárias à população como um todo - no caso da multa de R$ 50 mil para quem usar uma VPN (rede virtual privada de internet) para acessar a rede social X.

Segundo analistas ouvidos pela reportagem, a existência e a manifestação de entidades da sociedade civil são essenciais para que o Brasil continue sendo democrático. Em ditaduras, esses grupos não existem ou operam de forma controlada pelo Estado.

O cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, diz que a ausência de posicionamento da sociedade civil neste momento no Brasil pode ser atribuída a dois fatores. Um deles é que os prejuízos reais da decisão de bloqueio total do X e do Starlink ainda não foram sentidos pela sociedade. O segmento de brasileiros que usavam o X não passava de 21 milhões e para muita gente não houve mudança na vida prática.

O segundo motivo, segundo Arruda, é que há entre as organizações civis medo de se pronunciar "enquanto a poeira não baixar".

Segundo Adriano Cerqueira, o medo da reação de Alexandre de Moraes é muito forte. "Há um temor generalizado no que diz respeito às ações do Alexandre de Moraes, do STF. As pessoas têm medo de se posicionar de uma forma mais crítica em relação aos abusos que ele tem claramente cometido", disse.

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Para o deputado Gilson Marques (Novo-SC), o cenário de ausência de posicionamentos é um indicativo de que a sociedade tem tomado cuidado ao emitir opiniões. “Hoje está claro que não existe garantia de que você pode colocar de forma clara e corajosa qualquer tipo de opinião. Não existe uma garantia de que você ou o seu órgão não serão punidos por isso. Todo mundo têm cuidado com as palavras e com o formato. Esse cuidado é tomado não por respeito, mas por medo”, disse Marques. 

O deputado também pontuou que esta conduta da sociedade civil, ao não se posicionar, pode fazer com que decisões semelhantes se multipliquem. “Quanto mais as pessoas se acovardam, mais os poderosos avançam com irregularidades”, disse.

O analista Juan Arruda entende que a partir do momento que o Brasil tiver suas relações prejudicadas, a sociedade civil deve passar a se posicionar. "Elas [organizações da sociedade civil] não vão conseguir ficar caladas eternamente", disse o cientista político ao lembrar que a Embaixada dos Estados Unidos se pronunciou, dizendo que monitora o impasse e falando que "a liberdade de expressão é um pilar fundamental em uma democracia saudável".

Críticas e tentativas de mobilização têm partido principalmente de políticos

A tentativa de mobilização da sociedade, até o momento, está partindo apenas de políticos de oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Por meio de um manifesto, divulgado na quarta-feira (5), parlamentares de oposição conclamaram a sociedade civil para “lutar para que cesse o afastamento de princípios constitucionais tão caros à democracia brasileira). “Não vamos nos curvar diante do autoritarismo!” - disse o senador Rogério Marinho (PL-RN), chamando os brasileiros também para participar da manifestação marcada para o dia 7 de setembro, na Avenida Paulista, em São Paulo.

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O ato está sendo direcionado para a viabilização de um pedido de impeachment do ministro do Supremo Alexandre de Moraes. O senador Eduardo Girão (Novo-CE) também deu início à divulgação de um abaixo-assinado pelo pedido de impeachment que já reuniu mais de 1,3 milhão de assinaturas na plataforma change.org.

Não há democracia sem sociedade civil organizada, dizem analistas

Segundo o cientista político Adriano Cerqueira, nas ditaduras os grupos da sociedade civil são controlados pelo Estado, servindo apenas como uma fachada democrática, ou são reprimidos pelo regime - porque podem se fortalecer a ponto de concorrer pelo poder e o ditador não quer correr esse risco.

Já as sociedades mais democráticas ou abertas apresentam diferentes graus de liberdade de organização. Em geral, os mais diversos grupos têm direito de se organizar e de se manifestar pública e livremente. Eles são necessários para que não haja uma concentração excessiva de poder em um determinado grupo político.

O advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, avalia que a liberdade só se dá com instituições fortes e que façam a defesa ativa das liberdades e dos interesses coletivos. “A sociedade civil é essencial nas democracias modernas, pois tem sido aumentado cada vez mais o aparelho estatal, tornando-o agressivo contra as liberdades individuais e, nesse sentido, a sociedade faz um importante papel de contenção dessa agressividade e de fiscalização do Estado”, avaliou.

O professor de Economia do Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (Ibmec) em São Paulo, Alexandre Pires, alerta que não há democracias consolidadas sem uma sociedade civil organizada e que seja operante.

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Para o economista, ao se observar ditaduras, uma das primeiras certificações é que não há espaços para essas entidades, nem para que possam se organizar para reivindicar participação ativa.

No entanto, ele avalia que a principal diferença entre as democracias, consolidadas ou fragilizadas, está na presença de uma sociedade civil organizada com um grau de mobilização e atuação capazes de interferir nas tomadas de decisão sobre o que afeta o coletivo.

Para o professor, ao não ter entidades de classe operantes, permite-se ao Estado margem para adotar medidas que vão contra a opinião pública e com ações contrárias à visão majoritária.

“Em sociedades onde há aspectos de autoritarismo, o Estado acaba assumindo muitas prerrogativas e uma delas é suprimir essas organizações. Um dos aspectos fundamentais das democracias liberais é ter uma sociedade civil forte e atuante com ampla liberdade de reunião, associação e opinião”.

Ao avaliar questões como a censura ao X no Brasil, o economista pondera que nos últimos 40 anos até um passado não muito distante as associações de classe tinham um papel mais amplo no Brasil. “Mas isso vem mudando nos últimos tempos. As associações ficam mais tímidas na atuação, perderam importância no debate público e essa mudança ainda não encontrou um substituto”, afirma. Segundo ele, as entidades estão cada vez mais voltadas exclusivamente às suas questões internas.

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O professor também reforça que muitas organizações acabaram perdendo seu significado à população e não são vistas como legítimas pelo afastamento das pautas públicas.

“Quando a sociedade civil fica na sua vida privada sem entrar no debate público, o Estado ganha força. Quando a sociedade civil organizada se apequena ou se recolhe aos seus assuntos do dia a dia, o Estado avança com decisões arbitrárias, não consensuais, processos não vistos como legítimos, isso ocorre em Estados com baixa legitimidade, já que em ditaduras a sociedade organizada sequer pode existir”, completou.

OAB e Garantistas se manifestam contra decisões do STF 

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) chegou a se manifestar sobre o processo, ao acionar o plenário do STF pedindo a derrubada da multa imposta pelo ministro Moraes a quem usar VPN (virtual private network) para acessar o X. A ação da OAB, no entanto, abarca apenas parte dos fatos que impõe aos mais de 20 milhões de usuários a punição pelo acesso à plataforma.

O grupo de advogados de direita, os Garantistas, coordenado pela advogada Karina Kufa, manifestou sua discordância contra quaisquer decisões de bloqueio de contas, postagens ou compartilhamento de ideias. “A censura é condenável sob qualquer pretexto, ainda mais quando o que se pretende é impedir a opinião de um grupo político”, pontuou o grupo em nota enviada à Gazeta do Povo

Na nota, os Garantistas também lembraram que o caminho tomado nas decisões do STF sobre o X é visto em ditaduras. “O recente bloqueio do X, para além de prejudicar milhões de cidadãos e empresas, acaba contribuindo para uma indesejável monopolização da informação (e, a reboque, da “verdade”). São poucos países que adotaram caminho tão espinhoso, notadamente ditaduras”. 

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A Federação Nacional dos Institutos de Advogados (FENIA) divulgou uma nota afirmando que "reitera sua posição firme em defesa do Estado Democrático de Direito e compreende a gravidade dos atos que atentam contra a ordem democrática e a segurança pública." A entidade disse acreditar que a suspensão de uma rede social de alcance global "deve ser aplicada com extrema cautela".

Think tanks e ONGs mostram descontentamento, mas reação ao STF é esparsa e não coordenada

O Instituto de Estudos Empresariais (IEE), think tank criado há 40 anos para formar líderes empresariais focados na liberdade, é responsável pela organização do Fórum da Liberdade, evento que pauta a liberdade de expressão entre seus temas principais. Questionada sobre o posicionamento do instituto diante das decisões do STF, a presidente Paola Coser Magnani disse que a liberdade de expressão é o principal ponto dos debates. “Independentemente da ideologia que a pessoa defenda, seja ela de direita ou de esquerda, a gente está sofrendo uma consequência que afeta todos os brasileiros. A liberdade de expressão está sendo tolhida na raiz”, pontuou Paola.

Tânia Soster, do think thank Iniciativa Dex, lembra que, desde 1924, a Constituição Brasileira prevê a garantia da liberdade de expressão aos cidadãos livres. “Todo indivíduo tem o direito de se expressar, sem que seja censurado por suas opiniões. Banir o 'X' é tirar a vida da liberdade, é ferir a lei, é descontruir uma essência intrínseca ao homem na terra”, disse. 

O Instituto Millenium também enviou posicionamento à reportagem e disse que "acompanha com atenção os acontecimentos recentes que elevam a preocupação sobre retrocessos e fragilização a direitos e liberdades constitucionais inegociáveis". "Entendemos que o momento demanda que cada cidadão brasileiro faça uma reflexão profunda sobre os caminhos que estamos trilhando e sobre qual futuro desejamos para o nosso país", disse o Instituto em nota.