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Disputa política

Socorro a estados opõe Bolsonaro e Maia. Veja as propostas e os argumentos de cada lado

Mudanças nos ministérios não melhoram relação entre governo e Congresso
Bolsonaro ao lado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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O socorro a estados e municípios durante a pandemia do coronavírus continua como pano de fundo à mais nova guerra política entre o governo e a Câmara dos Deputados. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) diz que o texto da sua ex-Casa é “escandaloso” e acusa o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de estar conduzindo propositalmente o “país para o caos” para enfraquecer o governo. Maia rebate acusando o governo de distorcer dados, vender “as coisas do jeito que quer” e se negar a ajudar porque não quer dar dinheiro a parte dos governadores do Sul e Sudeste, com quem Bolsonaro tem divergências políticas.

A briga se intensificou após a Câmara dos Deputados aprovar, a contragosto do governo, o projeto de lei que obriga a União a ressarcir a perda de arrecadação de estados e municípios durante seis meses. O texto também obriga os bancos públicos a suspender e renegociar dívidas com os entes federativos.

O projeto aprovado pelos deputados substituiu a proposta original do governo de socorro a estados endividados, chamada “Plano Mansueto”. Em nenhum momento a equipe econômica foi favorável ao substitutivo da Câmara, assinado pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) e encabeçado por Maia. Nem mesmo quando Maia e Pedro Paulo cederam e retiram alguns trechos polêmicos.

A bola está agora com o Senado, que decidirá se mantém o texto vindo da Câmara, se faz apenas algumas alterações ou se substitui o projeto dos parlamentares pela contraproposta apresentada pelo governo. A decisão ainda não foi tomada. Enquanto isso, membros do governo e da Câmara vão trocando farpas publicamente.

O que diz o projeto aprovado na Câmara

O projeto da Câmara dos Deputados propõe que:

  • União compense os estados e municípios pela queda da arrecadação do ICMS e ISS, respectivamente. É o que eles chamaram de “seguro-receita”;
  • O valor do auxílio financeiro será igual à diferença nominal entre a arrecadação do ICMS e do ISS de cada estado e município nos meses de abril, maio, junho, julho, agosto e setembro deste ano em comparação com o arrecadado nos mesmos meses do ano anterior;
  • O auxílio será pago de maio a outubro deste ano pela União;
  • Do montante dos recursos que cabe a cada estado, a União entregará diretamente ao próprio estado 75% e aos seus municípios, 25%;
  • O rateio entre os municípios obedecerá aos coeficientes individuais de participação de cada um deles na distribuição da parcela da receita do ICMS nos seus respectivos estados;
  • Como contrapartida, os estados e municípios não poderão conceder incentivos fiscais e tributários envolvendo ICMS e ISS. As exceções são para postergação de prazo de recolhimento de impostos por microempresas e pequenas empresas e para as renúncias e benefícios diretamente relacionadas ao enfrentamento da Covid-19, se requeridas pelo Ministério da Saúde ou para preservação do emprego;
  • Afastamento temporário de condicionalidades da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para contratação de operações de crédito, concessão de garantias e recebimento de transferências voluntárias em despesas relativas ao combate ao Covid-19, enquanto estiver em vigor o decreto de calamidade;
  • Obriga Caixa e BNDES a suspender e renegociar dívidas de estados e municípios;
  • Impede a União de executar as garantias das dívidas dos contratos de empréstimos feitos pelos estados e municípios com o Banco do Brasil.

Os argumentos do governo contra o projeto da Câmara

Integrantes do Ministério da Economia dizem que o projeto aprovado pela Câmara é um “incentivo perverso” e um “cheque em branco” para governadores e prefeitos, pois incentiva os entes subnacionais a postergarem ou diminuírem sua arrecadação, já que serão recompensados pela União de qualquer jeito, durante seis meses.

“Pode gerar um incentivo ao descuido das arrecadações estaduais e municipais, uma vez que toda perda será compensada pela União (leia-se contribuinte) de forma a manter a arrecadação de 2019. O resultado pode ser uma queda de arrecadação muito além do que se prevê por conta da crise. Portanto, o desenho deste projeto pode ser perigoso, um cheque em branco que pode trazer ônus para o contribuinte”, diz nota divulgada pela pasta.

Os técnicos da pasta também criticam o fato de o auxílio não ter um valor fixo, o que pode tornar a transferência muito onerosa. O ministério estima que o auxílio a ser pago a estados e municípios durante os seis meses pode variar de R$ 30 bilhões a R$ 285 bilhões, a depender do tamanho da perda de arrecadação.

Se o recolhimento do IMCS e ISS for reduzido em 10%, o impacto será de R$ 30 bilhões. Se for uma queda de 30%, a esperada pela Câmara, o impacto será de R$ 85,5 bilhões. Uma perda de 50% de arrecadação levaria a União a gastar R$ 142,5 bilhões. Já a queda de 100% custaria R$ 285 bilhões aos cofres públicos.

Há, ainda, o impacto da suspensão das dívidas dos estados e municípios junto aos bancos. O impacto é de R$ 9 bilhões, segundo o Ministério da Economia. O valor não inclui dívidas de Amapá, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte, que já não estão sendo pagas, porque esses estados conseguiram a suspensão judicial.

Todos esses custos, alerta o Ministério da Economia, terão de ser pagos pelo governo através da emissão de títulos públicos. Ou seja, a União vai precisar se endividar para ajudar os estados e municípios. “É importante ressaltar que o endividamento da União é pago por toda a sociedade brasileira, de todos os estados e municípios”, alerta o ministério.

O governo diz, ainda, que o rateio definido pela Câmara vai gerar uma distribuição desigual dos recursos. As estimativas do Ministério da Economia apontam que os estados do Sudeste vão receber 49% do auxílio, seguidos de Sul (18%), Nordeste (17%), Centro-Oeste (9%) e Norte (7%). As capitais São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, receberiam 70% dos recursos que seriam distribuídos entre as capitais.

A equipe econômica teme, ainda, que os governadores e prefeitos usem o auxílio a ser pago pela União para quitar suas folhas de pagamento, ao invés de usar o dinheiro para enfrentar o coronavírus ou para tentar reaquecer suas economias locais.

A contraproposta do governo

Para tentar barrar o texto da Câmara, o governo apresentou na última terça-feira (14) uma contraproposta, de R$ 77 bilhões, incluindo transferências de recursos e suspensão de dívidas. Veja:

  • Transferir o valor fixo de R$ 40 bilhões para estados e municípios;
  • Dos R$ 40 bilhões, cerca da metade já teria uma finalidade definida: R$ 14 bilhões iriam diretamente para fundos municipais e estaduais de saúde, R$ 2 bilhões para o Sistema Único de Assistência Social e R$ 1,5 bilhão para o programa alimentação nas escolas;
  • A outra "metade" dos R$ 40 bilhões (mais precisamente R$ 22,5 bilhões) seria transferência livre, ou seja, os governadores e prefeitos poderiam utilizar o dinheiro da forma que quiserem;
  • Os R$ 22,5 bilhões de transferência livre obedeceriam ao critério per capita, ou seja, de acordo com a populacional de cada município e estado;
  • O governo também suspenderia por seis meses a dívida de estados e municípios com a União. Seriam R$ 22,6 bilhões que a União deixaria de levantar nesses seis meses e, consequentemente, uma folga de caixa nessa magnitude a estados e municípios;
  • Suspensão das dívidas de estados e municípios com a Caixa e o BNDES ao longo de todo 2020. Impacto de R$ 14,8 bilhões.

Em troca da transferência de recursos e da suspensão de dívidas, os estados e municípios estariam vedados, durante 24 meses, a:

  • conceder aumento ou reajuste de servidores e empregados públicos e militares;
  • criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
  • alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
  • contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de
  • chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa, aquelas decorrentes
  • de vacâncias;
  • realizar concurso público, exceto para as reposições de vacâncias;
  • criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação;
  • criar despesa obrigatória.

O governo lembra que, além dos R$ 77 bilhões, já destinou R$ 49,9 bilhões a estados e municípios desde quando começou a pandemia do novo coronavírus. Foram R$ 16 bilhões para recompor os fundos municipais e estaduais, R$ 20 bilhões em securitização de dívidas, R$ 8 bilhões para o fundo de saúde e o restante para suplementação do SUAS e diferimento de tributos que eles precisam repassar à União.

Contraproposta do governo é insuficiente, diz Maia

O presidente da Câmara diz que o projeto do governo não resolve três meses do problema dos estados e municípios. Ele também afirma que o governo distorce dados, pois a transferência que de fato está propondo para compensar perda de arrecadação é de R$ 22,5 bilhões, já que o restante dos R$ 40 bilhões vai para saúde, assistência social e merenda escolar.

“A ajuda do governo é de R$ 22 bilhões. Isso não resolve três meses [de perda na arrecadação] dos estados. Muito menos de municípios. Três meses de imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços [ICMS] são R$ 36 bilhões. Três meses de imposto sobre serviços [ISS] são R$ 5 bi. Não se resolve com menos de R$ 41 bi. O governo está propondo R$ 22 bi”, disse na terça-feira (14), logo após a equipe econômica divulgar sua contraproposta.

Maia disse, ainda, que o critério de divisão per capita proposto pelo governo vai causar uma “divisão na federação”. “São poucos os estados que serão prejudicados por essa regra [a proposta pela Câmara]. Então o justo é você fazer o que nós fizemos na cessão onerosa, com duas regras: o Fundo de Participação dos Estados (FPE) compensa por um lado e o ICMS por outro, assim todos ficam com a sua arrecadação nominal garantida”, disse. "Se a regra que o governo faz for aprovada, você terá vários estados que terão a arrecadação nominal menor do que a arrecadação do ano passado”, completou.

O presidente da Câmara lembrou que a União é o único ente capaz de fazer dívida através da emissão de títulos públicos, por isso tem a obrigação de ajudar estados e municípios neste momento de pandemia. “A União é o único poder que tem condição de emitir moeda, dívida. Não há outro caminho que não seja garantindo a esses entes [a ajuda] pelo período necessário.”

Bola está com o Senado

A bola agora está com o Senado. O ministro da Economia, Paulo Guedes, pediu aos senadores que substituam o projeto da Câmara pela contraproposta de R$ 77 bilhões apresentada pelo governo. Já 25 governadores, em uma carta aberta, pediram que os senadores aprovem o texto da forma que veio da Câmara.

Por enquanto, o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) afirmou que não vai colocar em pauta o tema, enquanto a Câmara dos Deputados não pautar os projetos de interesse do Senado. “Vai ser agora o princípio da reciprocidade”, disse em sessão plenária na  terça-feira (14).

Ele também não deu sua posição pessoal sobre o projeto. Os demais senadores estão divididos. A ala mais alinhada ao governo defende a contraproposta da equipe econômica; muitos outros senadores são favoráveis ao texto da Câmara; e uma parte quer fazer modificações, como incluir contrapartidas ao auxílio.

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