Supremo deu munição aos críticos ao abrir inquérito por conta própria, sem a participação do Ministério Público. Foto: Dorivan Marinho/STF| Foto:

Alvo de questionamentos e críticas duras na imprensa, em redes sociais e em aplicativos de mensagens, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem reagido mal e contribuído para a instabilidade política no país, naquela que é a mais grave crise institucional provocada pelo Judiciário desde a redemocratização.

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Iniciada com a instalação de um inquérito por iniciativa do próprio presidente da Corte para reagir a críticas de setores do Ministério Público a alguns integrantes do STF que seriam supostamente lenientes com a corrupção, a crise escalou nos últimos dias para decisões contra a imprensa e censura a perfis de redes sociais.

A bomba explodiu nesta segunda-feira (15), quando veio a público uma decisão do ministro Alexandre de Moraes de mandar tirar do ar o conteúdo de uma reportagem da revista digital Crusoé, reproduzida pelo portal O Antagonista, que aponta a existência de uma declaração do empreiteiro Marcelo Odebrecht nos autos da força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, revelando que o “amigo do amigo do meu pai” na planilha da empreiteira seria o atual presidente do STF, o ministro Dias Toffoli.

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A decisão gerou uma enxurrada de críticas de organizações como a Transparência Internacional e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), de membros do Ministério Público e de parlamentares, reacendendo a pressão pela instalação de CPI para investigar os tribunais superiores, apelidada de “CPI da Lava Toga”. Pesou nesse cenário que a decisão de Moraes tenha se dado no âmbito do inquérito 4.781, aberto por iniciativa do próprio Dias Toffoli em 14 de março e designado, sem sorteio, para a relatoria do ministro. O inquérito está sob sigilo e também é alvo de intensas críticas e questionamentos judiciais por contrariar uma série de dispositivos legais.

Nesta terça-feira (16), no âmbito do mesmo inquérito, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra sete alvos em São Paulo, Goiás e Distrito Federal, incluindo o general da reserva Paulo Chagas, que concorreu ao governo do DF nas eleições de outubro. Moraes também mandou bloquear o acesso às redes sociais dos investigados e disse ver em postagens não apenas indícios de crimes contra a honra, mas também de “propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política e social”, o que parece atrair os crimes previstos na Lei 7.170/1983, a Lei de Segurança Nacional.

No início da tarde, porém, a procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, reagiu com força e enviou ao STF uma manifestação de arquivamento do inquérito 4.781, uma medida que procuradores críticos ao procedimento já defendiam, embora nada comum no tribunal. No despacho, Dodge afirmou que o STF não tem competência para tocar sozinho a ação e que as provas e procedimentos deferidos até aqui não poderão ser aproveitados.

“Nenhum elemento de convicção ou prova de natureza cautelar produzida será considerada pelo titular da ação penal [MPF] ao formar sua opinio delicti(opinião sobre o delito). Também como consequência do arquivamento, todas as decisões proferidas estão automaticamente prejudicadas”, escreveu a procuradora.

Moraes ignorou o parecer e manteve aberto o inquérito, por entender que o MPF não tem competência para trancar o procedimento. “O sistema acusatório de 1988 concedeu ao Ministério Público a privatividade da ação penal pública, porém não a estendeu às investigações penais, mantendo a presidência dos inquéritos policiais junto aos delegados de Polícia Judiciária e, excepcionalmente, no próprio Supremo Tribunal Federal, por instauração e determinação de sua Presidência, nos termos do 43 do Regimento Interno”, escreveu no despacho. E foi duro: afirmou que a manifestação de Dodge se baseia em “premissas absolutamente equivocadas” e “ilegal e inconstitucionalmente” tenta reverter decisões judiciais.

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Enquanto a queda de braço entre Moraes e Dodge se desenrolava, a Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) ingressou no STF com um habeas corpus coletivo e preventivo com pedido de salvo-conduto para “todos os membros da Associação Impetrante que encontram-se sob premente risco de sofrer constrangimento ilegal por fatos derivados do exercício de suas funções” e para os sete alvos da operação ocorrida na manhã desta terça-feira.

Ainda não há clareza, entretanto, sobre o que poderá ser feito com as provas colhidas pelo inquérito 4.781, já que a PGR manifestou-se pela ilegalidade do procedimento e não deve aproveitar os elementos colhidos pela Polícia Federal a mando de Moraes. Ao portal Congresso em Foco, o ministro do STF Marco Aurélio Mello afirmou nunca ter visto nada parecido no tribunal e que a tendência é que o plenário arquive o inquérito.

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“O titular de uma possível ação penal é o MPF (Ministério Público Federal). Se ele entende que não há elementos sequer para investigar, muito menos terá para propor ação penal. Os inquéritos em geral, quando o Ministério Público se pronuncia pelo arquivamento, nós arquivamos. Essa tem sido a tradição no tribunal”, declarou.

Crise reflete diferentes quedas de braços entre instituições e opinião pública

“As decisões abusivas e ilegais reforçam a necessidade de CPI. O Senado cada vez mais percebe essa urgência”, disse o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), autor de dois requerimentos para instalação da CPI da Lava Toga. O primeiro foi arquivado por decisão do presidente do Senado, David Alcolumbre (DEM-AP). O segundo já foi rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa, seguindo o relatório do senador Rogério Carvalho (PT-SE), mas aguarda decisão final do plenário.

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Desde o início da discussão, ministros do STF vêm se movimentando para ajudar a enterrar a CPI. Alguns deles acreditam que as críticas à corte estão partindo de uma rede coordenada e remunerada.

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Nos bastidores, a avaliação de interlocutores do presidente do STF é que, embora Dias Toffoli tenha prometido priorizar o equilíbrio entre os poderes, com abertura do ano legislativo e os reiterados pedidos de impeachment de ministros da corte, CPIs e a ameaça de uma nova emenda à Constituição para reverter a PEC da Bengala e tentar aposentar compulsoriamente ministros do tribunal, além das críticas pesadas que procuradores têm feito a alguns ministros da corte, Toffoli resolveu partir para o ataque. Subiu o tom das declarações e tirou da gaveta o inquérito que, na prática, dá poderes ao STF para investigar qualquer crítica ao tribunal.

“O que o Supremo Tribunal Federal está fazendo não tem precedência na história do Judiciário no mundo. É inconstitucional, é descabido, é o óbvio o que foi decidido pela procuradora-geral da República. Eu só vou achar o fim do mundo se o Supremo Tribunal Federal ignorar este parecer da Procuradoria-Geral da República”, disparou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “Eu rogo aos membros de bom senso do STF que restabeleçam a ordem constitucional. O que nós temos assistido nas últimas 48 horas é um escárnio à Constituição”, disse ainda.

Governo vai atuar em nome de estabilidade institucional?

No Congresso, setores que apoiam uma investigação do Poder Judiciário apostam que o governo de Jair Bolsonaro (PSL) e o presidente do Senado, David Alcolumbre (DEM-AP), estão trabalhando para evitar maiores atritos com o Supremo em nome da “estabilidade institucional”. A impressão de que o governo quer evitar maiores problemas foi reforçada pela manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU) na ação que a Rede Sustentabilidade move no STF contra o inquérito 4.781.

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No parecer, a AGU afirmou não ver nenhuma ilegalidade na instalação do inquérito no tribunal. A relatoria da ação é do ministro Edson Fachin e, na prática, é o caminho mais rápido para que o plenário do Supremo decida sobre a questão. Nesta terça-feira, Fachin solicitou em despacho informações sobre o inquérito a Alexandre de Moraes.

A “operação abafa” da CPI da Lava Toga encontra eco também na oposição. Parte do centrão, PT, MDB e PSB – que deram a maioria dos votos contrários à CPI na CCJ do Senado – enxergam no movimento de contestação do STF, se acabar resultando em impeachment de algum ministro, uma chance de Bolsonaro indicar mais de dois ministros em seu primeiro mandato. Pelas regras atuais, Celso de Mello se aposenta em 2020 e Marco Aurélio Melo, em 2021. Nenhum dos seis senadores do PT usou as redes sociais para criticar as decisões de Moraes e, dos nove senadores do MDB, só Márcio Bittar (AC) criticou a decisão contra a revista Crusoé.

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Para o senador Alessandro Vieira, no entanto, as dobradinhas do ministro Dias Toffoli e Alexandre de Moraes no inquérito 4.781 não são fruto de um acordão com o governo e o presidente do Senado. “Acho que é um resultado da soma do medo de investigações independentes e da arrogância do poder”, afirmou. O senador também não tem preocupação com a eventual abertura de vagas no STF neste momento de instabilidade. Durante a tarde, Vieira anunciou que vai entrar com um pedido de impeachment dos ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes por abuso de autoridade e crime de responsabilidade.

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“A rotina de nomeação de ministros está prevista na Constituição e não é prerrogativa deste ou daquele presidente da República. Ele indica um nome que atenda aos requisitos constitucionais e o Senado da República cumpre sua missão de fazer uma sabatina que, desta vez, tem que ser uma sabatina verdadeiramente rigorosa”, disse o senador à reportagem.

Ações do STF contribuem para instabilidade política

Para Daniel Falcão, doutor em Direito Constitucional pela USP e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), as ações de parte dos ministros do STF que apoiam o inquérito 4.781 ainda não colocam em risco a democracia brasileira, mas colocam lenha na fogueira da instabilidade política do país. “As decisões do STF sobre isso quase sempre são de preservação da liberdade de expressão. Uma primeira decisão que vai contra essa tradição e que foi muito pouco debatida foi aquela do ministro Luiz Fux sobre a entrevista do ex-presidente Lula à Folha de São Paulo”, diz.

Em setembro do ano passado, o ex-presidente petista, que está preso em Curitiba, foi proibido de dar entrevista ao jornal por ordem do STF. Fux considerou que havia risco de Lula causar desinformação às vésperas das eleições. O veto contrariou decisão anterior do ministro Ricardo Lewandowski, que havia autorizado a entrevista.

Falcão avalia que a crise é grave e envolve abertamente setores do STF, a PGR e o Senado. “Parte dos ministros do STF está mandando recados: ‘se vocês continuarem nos provocando, nós vamos reagir’. Os recados ainda não chegaram nos procuradores, mas na imprensa já chegaram”, alerta.

Já Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, centro independente de pesquisas sobre direito e internet, que monitora casos envolvendo liberdade de expressão nas redes sociais, diz que a medida de bloqueio das contas determinadas por Moraes é muito rara e agressiva.

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“Não é exclusividade do STF ser alvo de postagens agressivas por esse ativismo na internet, especialmente por esse ativismo anticorrupção”, diz Brito Cruz. “Em geral, quando se trata de casos como esse, é possível que haja esse pedido, mas o Judiciário é muito cético em aplicar esse tipo de medida, porque ele cerceia a liberdade de expressão de forma muito ampla e desmedida”, afirma.

Cruz nota ainda um avanço de sinal do Judiciário com os mandados de busca e apreensão ocorridos nesta terça-feira. “Moraes tentou dizer que haveria indícios de crimes contra a honra ou que estariam configurados crimes da Lei de Segurança Nacional, que tem sido invocada pelos poderes instituídos quando a situação está tensa, quando o ambiente está muito conflituoso e você não tem instrumentos jurídicos para lidar com isso, mas até agora não havia sinalização do Poder Judiciário de que a Lei de Segurança Nacional deveria ser usada”, diz.

Brito Cruz também considera que as respostas do STF à crise política não estão sendo as melhores. “A democracia já está ameaçada pelas circunstâncias de instabilidade política e polarização política permanente que torna cada vez mais difícil o debate político. O STF não está ajudando nesse quadro. Quanto mais se evidencia que a decisão é política, mais a Corte perde uma coisa que é essencial, que é a coerência e a legitimidade balizada juridicamente”, avalia.