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O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quarta-feira (7) o julgamento do chamado “orçamento secreto”, com sustentações orais dos partidos que contestam essa forma de distribuir verbas públicas por indicação de parlamentares, e de advogados do Congresso, que defenderam a ampliação do poder de deputados e senadores na elaboração do Orçamento. A sessão foi dedicada apenas às manifestações na tribuna; os votos dos ministros, que poderão derrubar ou manter o modelo, começarão a ser proferidos na quarta-feira da semana que vem (14).
A Corte julga quatro ações, apresentadas por Cidadania, PSB, Psol e PV, que apontam violação aos princípios constitucionais de transparência, impessoalidade, moralidade e eficiência na alocação dos recursos públicos, por meio das emendas de relator. Por meio delas, parlamentares conseguem destinar verbas para obras e serviços em seus redutos eleitorais, ocultando a autoria do pedido e as prefeituras ou órgãos beneficiados.
Nos últimos dois anos, o mecanismo serviu para recompensar deputados e senadores que votavam de acordo com os interesses do governo do presidente Jair Bolsonaro e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Como não há transparência, os montantes destinados aos parlamentares também são desiguais e não há critério objetivo na distribuição, definida caso a caso por influência política de cada um.
Nesta quarta, os partidos críticos do modelo argumentaram que, além da falta de transparência, o orçamento secreto prejudica as políticas públicas e a alocação racional e correta dos recursos públicos.
“O relator de 2020 e 2021 retirou recurso de natureza obrigatória e a substituiu por despesas discricionárias. Houve a retirada da autoridade da competência de alguns ministros de Estado, a transferindo para alguns parlamentares que passaram a executar pessoal e arbitrariamente, sem critério algum, transparência ou publicidade, sem qualquer coordenação com as escassas políticas públicas do atual governo. O esquema frustra necessidades e anseios da população pela não efetivação de políticas públicas, pela interrupção de obras e serviços”, disse na tribuna o advogado do Psol, André Maimoni.
Representando o Partido Verde, Lauro Rodrigues de Moraes Rêgo Júnior chamou a atenção para suspeitas de desvios envolvendo o uso dos recursos. Citou o caso de uma cidade do Maranhão que recebeu verbas suficientes para extrair dentes de todos os seus habitantes.
Depois, chamou a atenção para a persistência na falta de informações sobre a origem e destino das verbas, mesmo após o STF ter determinado, no fim do ano passado, ampla publicidade sobre os dados, sob pena de interrupção dos repasses. “Tem marcado o orçamento secreto um sigilo e tentativa de burlar decisão do STF. O que é pavoroso, do ponto de vista da história constitucional do Brasil, uma vez que muitos direitos sociais têm sido conquistados por meio de decisões judiciais”, afirmou o advogado.
Em nome do Partido Novo, o advogado Paulo Roque argumentou que o poder de parlamentares no direcionamento de verbas públicas é excepcional. “O processo orçamentário, exatamente por conta do cuidado que deve ter com o dinheiro de quem paga impostos, é um processo rígido, que não pode dar margem a tantas discricionariedades que o orçamento secreto permite aos parlamentares. O parlamentar tem uma grande liberdade no manejo do orçamento? Não tem. A Constituição nunca deu esse poder aos parlamentares.”
Na linha contrária, os advogados da Câmara e do Senado alegaram que cabe sim aos parlamentares, de acordo com a Constituição, a palavra final sobre o Orçamento – a proposta é enviada pelo Executivo, mas deve sempre ser aprovada pelo Legislativo.
“Os parlamentares conhecem muito melhor a realidade de seus representados que órgãos burocráticos situados na capital. Então, eles têm legitimidade constitucional, eleitoral e política para deliberar sobre o Orçamento. O poder de emendamento está previsto no texto original da Constituição. Se houve de 2020 para cá uma ampliação, em termos de usabilidade e participação do Parlamento na elaboração do Orçamento, isso foi decisão política, feita pelas duas Casas, referendada pelo Poder Executivo, em um equilíbrio das decisões dos dois poderes”, disse Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva, advogado-geral da Câmara.
Advogado-geral do Senado, Thomaz Henrique Gomma de Azevedo disse que, desde o ano passado, o Congresso baixou normas para obrigar a identificação dos parlamentares que indicam as verbas, as localidades que as receberão, e as obras ou serviços a serem executados. “O exposto já deixa evidente o esforço do Congresso para implementar sucessivas medidas que ampliam a publicidade e transparência e o controle da execução das emendas de relator. As programações incluídas por emenda de relator representam a síntese de decisões de política orçamentária no âmbito do Congresso”, afirmou.
Advogado-geral da União defende orçamento secreto
Representando a Presidência da República, o advogado-geral da União, Bruno Bianco, também defendeu o mecanismo. Disse que foi dada maior transparência e que eventuais desvios devem ser punidos. “Casos de malversação de recursos públicos devem sempre ser fiscalizados e punidos, sendo imprescindível o constante aperfeiçoamento dos mecanismos de transparência e publicidade”, afirmou.
As emendas de relator ganharam força desde 2020 no Orçamento. Elas são assinadas pelo deputado ou senador responsável pela costura final do texto da proposta de lei orçamentária. Alinhado aos presidentes da Câmara e do Senado, cabe também a ele filtrar pedidos de liberação das verbas por parte de parlamentares, direcionados aos ministérios.
Ao contrário das emendas individuais, de valor mais baixo e igualitário para todos os parlamentares, as de relator não tinham limite. Neste ano, foram destinados R$ 16,5 bilhões; e no ano que vem, estão previstos R$ 19,4 bi.
Eventual decisão do STF pela inconstitucionalidade do orçamento secreto deverá impactar principalmente o Centrão, grupo de partidos fisiológicos que aderiu ao governo Bolsonaro nos últimos anos.
Seus caciques esperavam manter essa forma de indicar verbas no futuro governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que durante a campanha criticou o modelo e defendeu que o Executivo volte a ter mais protagonismo na distribuição dos recursos. Caso a Corte derrube as emendas de relator, a tendência é que Lula crie novas formas de obter apoio político no Congresso.