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Mudanças no Regimento

Prazo para vista e decisões individuais deve reduzir manobras de ministros no STF

STF
Ministra Rosa Weber preside sessão no STF: presidente do Supremo manterá poder de definir data de julgamentos presenciais suspensos após pedidos de vista, mas tempo do adiamento tende a se reduzir (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)

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Uma resolução aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dando 90 dias para pedidos de vista, e submetendo “imediatamente” a referendo do colegiado decisões liminares individuais dos ministros, tende a reduzir o poder de interferência de cada um deles sobre os demais poderes, seja para travar indefinidamente julgamentos importantes, redirecionar políticas públicas ou prolongar medidas criminais duras contra pessoas investigadas.

Essa é a avaliação geral feita por especialistas, auxiliares e advogados que observam e atuam no tribunal. A mudança, que ainda entrará em vigor, também responde a uma reclamação antiga de parlamentares e autoridades do Executivo, compartilhada por alguns dos próprios ministros, por menos ativismo e voluntarismo de cada um dos magistrados. Por outro lado, o poder de pauta do presidente da Corte continuará elevado, e o novo governo, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tende a passar por menos percalços do que o de Jair Bolsonaro.

Pelas novas regras, depois que um ministro pedir vista – ato pelo qual interrompe um julgamento em curso para analisar melhor o caso – passam-se a contar 90 dias para que o processo seja liberado, condição para que o julgamento seja retomado. Atualmente, o prazo regimental é de 30 dias, mas ele tem pouca eficácia: nada acontece se o ministro vistor ultrapassá-lo. Além disso, o processo só é liberado para voltar à pauta pelo próprio. Com isso, há casos em que uma vista demora anos até que o ministro que a pediu termine seu voto.

Na resolução, a liberação do processo ocorrerá automaticamente após os 90 dias, o que significa que o ministro que interrompeu o julgamento deverá preparar seu voto nesse período. A data da retomada dos julgamentos presenciais, em plenário, continua a cargo de quem preside a Corte – hoje, no caso, a ministra Rosa Weber. A definição de data para retomada de julgamentos virtuais – realizados remotamente, por escrito – continua dos relatores de cada processo, após a liberação do processo com o fim do prazo da vista.

Essa prerrogativa de pauta, mantida na resolução, ainda confere à presidência do STF e aos relatores o poder de postergar ainda mais a volta do julgamento que teve vista e já foi devolvido. É possível também que essa definição de data passe pela influência dos pares, uma vez que em alguns julgamentos, especialmente os mais controversos, são pautados após acordos internos, sobretudo com o relator do processo em questão.

Atualmente, há 286 julgamentos parados no plenário do STF por pedidos de vista. Desse total, em apenas 32 processos o ministro que pediu a vista já liberou a retomada – nesses casos, portanto, o dia do julgamento só depende agora de uma decisão de Weber ou do relator. Entre esses processos, há por exemplo o que pede a descriminalização do consumo pessoal de drogas – Alexandre de Moraes pediu vista em 2015 e devolveu o processo em 2018 para retomada do julgamento.

Entre os processos com pedidos de vista não devolvidos – e que deverão ser liberados em até 90 dias úteis após a publicação da nova resolução – há a ação que questiona a prisão especial para quem tem ensino superior; algumas ações para tentar reduzir o poder de investigação do Ministério Público; um que discute se a Justiça pode suspender o funcionamento geral do WhatsApp quando a Meta, empresa dona do aplicativo, não consegue fornecer conversas privadas ante uma ordem judicial de investigação; entre vários outros processos.

Decisões individuais serão analisadas pelo plenário mais rapidamente

Ainda maior celeridade será dada ao julgamento de decisões liminares individuais. Todas deverão ser submetidas a referendo na próxima sessão virtual disponível (elas ocorrem semanalmente ou nos dias seguintes, em casos ainda mais urgentes), para que os colegas do STF confirmem a decisão ou a revertam.

Também chamadas de cautelares, essas decisões envolvem medidas urgentes, tomadas por um ministro, para “evitar grave dano ou garantir a eficácia de decisão anterior”. Abrangem praticamente todas as decisões polêmicas suspendendo atos do Executivo ou do Congresso, bem como medidas no campo criminal, como prisões ou restrições alternativas (proibição de contato com investigados, de deixar o país, de mudar de endereço, etc) – no caso das prisões, o julgamento para referendo deverá ser sempre presencial.

Isso levará para análise colegiada, por exemplo, as mais que controversas prisões de Alexandre de Moraes nos inquéritos das “fake news”, das “milícias digitais” e outras investigações correlatas que ele passou a abrir nos últimos anos contra parlamentares e militantes de direita, acusados pelo próprio ministro de promover “atos antidemocráticos”.

Várias dessas decisões incomodam outros ministros do STF, pelo excesso e atropelo do devido processo legal, mas muitos deles não têm coragem de enfrentar Moraes e forçá-lo a submeter suas medidas ao colegiado. No ano passado, durante um julgamento virtual sobre as liminares de Moraes, André Mendonça pediu vista. A partir da publicação da nova resolução, após 90 dias úteis, os processos serão liberados novamente para julgamento.

STF atrasou mudanças no governo Bolsonaro

Essas mudanças no funcionamento interno da Corte eram discutidas internamente desde o fim da presidência de Dias Toffoli, em 2020. Percorreram toda a gestão de Luiz Fux, que se encerrou em setembro de 2022 e só foram aprovadas em dezembro após novas conversas internas. Nos bastidores, contribuiu para isso o fim do governo Bolsonaro, que protagonizou duros embates com o STF durante seus quatro anos de mandato.

Para muitos ministros, durante esse conturbado período, foi necessário dar a ministros o poder individual de sustar decisões do presidente. Foi o caso, por exemplo, da liminar de Alexandre de Moraes que suspendeu a nomeação, assinada por Bolsonaro, de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal – o ministro apontou desvio de finalidade, pela suspeita de que o delegado poderia dar informações privilegiadas ao presidente.

Durante a pandemia, por várias vezes, Ricardo Lewandowski atendeu a pedidos da oposição, com liminares, para forçar o governo a adotar medidas em prol da vacinação contra a Covid ou das quarentenas, que sofriam resistência por parte do presidente. Em episódios mais recentes, Bolsonaro teve decretos que facilitavam o acesso a armas suspensos por ministros.

Em razão das duras críticas de Bolsonaro e seus aliados a essas decisões, várias delas passaram a ser submetidas a referendo no plenário. Mas o tempo até o julgamento também acabava arrastando a tensão entre Executivo e Judiciário. Com as novas regras, a ideia é resolver mais rapidamente e de forma uniforme eventuais conflitos com o Executivo e o Legislativo.

Além disso, nos bastidores, há a percepção de que ficará mais difícil para o STF se contrapor a políticas e medidas de Lula no Executivo. Dos 11 ministros, oito chegaram à Corte durante governos petistas. O decano Gilmar Mendes foi nomeado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas tem se aproximado do PT nos últimos anos. Prova disso foi a liminar recente em que permitiu ao novo governo pagar o novo Bolsa Família, de R$ 600, fora do teto de gastos.

Somente dois ministros, Kassio Nunes Marques e André Mendonça, foram indicados por Bolsonaro e, com perfil mais conservador, poderiam, com liminares, travar decisões do Executivo que venham a ser contestadas em ações distribuídas a eles. Com a nova resolução, esse tipo de obstrução terá tempo limitado a 90 dias.

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