O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou legal a troca de informações da Receita Federal e do Coaf (atual Unidade de Inteligência Financeira, UIF) com o Ministério Público, sem a necessidade de prévia autorização judicial. Na visão da maioria dos ministros, o compartilhamento entre os órgãos pode ser feito de forma ampla e sem restrições. O resultado do julgamento é um revés para o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), investigado pelo MP do Rio de Janeiro com base em dados de movimentações bancárias apuradas junto ao antigo Coaf.
A decisão do plenário do STF é também uma vitória do combate à corrupção, uma vez que permite e agiliza o repasse de dados fiscais e bancários de suspeitos a órgãos de investigação, sem obstáculos judiciais. A tese vencedora no julgamento encerrado nesta quinta-feira (28) foi de que o compartilhamento pressupõe a transferência do sigilo de um órgão para outro, sem quebra de confidencialidade.
"É dever do agente público, ao se deparar com fatos criminosos, comunicar o Ministério Público como determina a lei. Mas não constitui violação ao dever do sigilo a comunicação de quaisquer práticas de ilícitos", disse a ministra Cármen Lúcia, que proferiu o voto que formou a maioria.
Com a decisão, o STF destrava um total de 935 investigações policiais que estavam paralisadas por causa de uma liminar do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, em ação que questionava a legalidade do compartilhamento de dados da Receita. O cálculo é da Procuradoria-Geral da República (PGR) e abarca inquéritos policiais, procedimentos investigatórios criminais e ações penais que tramitam com a atuação do Ministério Público Federal. Toffoli anunciou a revogação da liminar e informou que estava mudando o seu voto, fixando o placar final do julgamento em 9 a 2 a favor do compartilhamento amplo.
Entre as investigações que agora podem se retomadas está a que envolve o senador Flávio Bolsonaro e do ex-assessor Fabrício Queiroz. O filho do presidente Jair Bolsonaro é investigado pela prática de “rachadinha”, ou seja, apropriação do salário de servidores do gabinete quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. Foi para atender a um pedido da defesa de Flávio que Toffoli paralisou, em julho, todas as investigações do país com base em dados obtidos por órgãos de controle.
O argumento da defesa de Flávio no STF para proibir o compartilhamento era que isso seria uma artimanha para driblar a necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo fiscal e bancário de investigados. Agora, essa tese foi vencida no julgamento findado nesta quinta-feira no STF. A investigação contra Flávio foi aberta com base em movimentações bancárias suspeitas apuradas pelo antigo Coaf.
Como votaram os ministros no julgamento desta quinta, que destravou investigação contra Flávio Bolsonaro
Cármen Lúcia foi a primeira ministra a votar. Ela acompanhou a divergência e formou a maioria da Corte pelo compartilhamento integral de dados da Receita Federal e do UIF. “O antigo Coaf, agora UIF, não apenas tem legitimidade, mas a obrigação de informar o Ministério Público” sobre dados considerados suspeitos, disse. Para a ministra, a função do Coaf/UIF é a de receber e analisar informações suspeitas sobre lavagem de dinheiro, crimes de terrorismo, entre outros. “A UIF não é órgão investigativo”, afirmou.
Em seguida, o ministro Ricardo Lewandowski, em um voto conciso, acompanhou a maioria dos colegas ao entender que o compartilhamento de dados é baseado na transferência de sigilo entre os órgãos envolvidos. Lewandowski afirmou que o que se pretende não é o compartilhamento indiscriminado de informações entre Receita Federal e MP, mas apenas de conteúdo suspeito para promoção de responsabilidade penal.
Gilmar Mendes proferiu um voto de divergência parcial, pois com relação à UIF, acompanhou na íntegra as teses fixadas pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, e divergiu parcialmente sobre o compartilhamento de informações da Receita Federal. Para o ministro, os extratos bancários, por exemplo, só deverão ser compartilhados se forem imprescindíveis à investigação.
Mendes ao fundamentar seu voto falou sobre vazamentos ocorridos na Receita e afirmou que “o combate a corrupção não pode dar mais ensejo a corrupção”. Ele comentou a decisão que deu referente ao caso de Flávio Bolsonaro e ressaltou que apenas cuidou de aplicar a liminar determinada pelo presidente da Corte.
O ministro Marco Aurélio deu início ao voto comentando que algo não estava correto nas questões analisadas pelo plenário: a primeira é o caso do senador Flávio Bolsonaro e a segunda é suspensão de outros casos de persecuções penais e criminais. “Se diz que há de se combater a corrupção, sim há de se combater a corrupção em todas as modalidades existentes, mas tendo o presente que em direito o meio justifica o fim e não o fim justifica o meio, sob pena de construirmos na Praça dos Três Poderes um paredão e passarmos a fuzilar os que forem acusados de causar algum dado ao setor público”, disse Marco Aurélio ao votar contra a maioria. O ministro não chegou a comentar sobre o compartilhamento de dados pelo UIF.
Último a votar, o ministro Celso de Mello disse que a quebra do sigilo não pode e nem deve ser utilizada como instrumento de devassa e nenhum embaraço resultará do controle judicial prévio. Segundo o ministro, é necessário neutralizar eventuais excessos de agentes de persecução penal. “Os fins não justificam os meios”, disse ao lembrar o voto de Marco Aurélio. “A função estatal de investigar, de processar e de punir não pode se resumir em uma sucessão de abusos”, afirmou o decano.
O ministro considera o papel institucional da UIF passivo, já que o órgão não tem poder de determinar medidas de coerção ou tomar medidas judiciais. Apenas de analisar e produzir relatórios. Celso de Mello considerou plenamente legítimo o compartilhamento de dados pela UIF, desde que com autorização judicial e limites prévios.
Toffoli muda o voto
Diante de um placar elástico de 8 a 3 que lhe iria impor uma derrota, o presidente do STF, Dias Toffoli, alterou o voto nos minutos finais da sessão e aderiu à corrente vencedora, que permite o repasse de dados sensíveis e detalhados como extratos bancários e declarações de imposto de renda.
“Em razão dos debates, eu retifiquei o voto, sem prejuízo das minha posição pessoal, para acompanhar a posição do ministro Alexandre de Moraes e da maioria”, disse Toffoli.