O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou, nesta quinta-feira (14), o técnico de saneamento Aécio Lúcio Costa Pereira pela invasão e depredação do Senado no dia 8 de janeiro. A maioria aderiu à proposta do relator, Alexandre de Moraes, para fixar pena de 17 anos de prisão, multa de R$ 44 mil e pagamento por danos morais coletivos de R$ 30 milhões, a serem divididos com outros réus que vierem a ser condenados – há outros 231 acusados pelos mesmos delitos.
No julgamento, o primeiro contra um acusado pelos atos de vandalismo contra as sedes dos Três Poderes, nove dos 11 ministros consideraram ele culpado por tentativa de golpe de Estado, para depor o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e por tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito, por tentar restringir o exercício dos poderes constitucionais.
Houve também maioria para condenar o réu por associação criminosa, dano contra o patrimônio da União, com violência e grave ameaça e deterioração do patrimônio tombado.
Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes votaram pela condenação de Aécio Pereira por todos os crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Kassio Nunes Marques votou pela condenação mais branda: apenas por dano e deterioração do patrimônio, com pena de 2 anos no regime aberto, mais R$ 2.640 de multa.
Para André Mendonça, não houve tentativa efetiva de um golpe de Estado. Luís Roberto Barroso entendeu que sim, e que esse crime absorveria o de tentar abolir o Estado Democrático de Direito.
Tese de crime de multidão deve condenar mais réus
À exceção de Kassio Nunes Marques, os ministros acolheram a tese da Procuradoria-Geral da República de que ocorreu um “crime multitudinário”, ou seja, cometido por uma multidão, em que as pessoas envolvidas influenciavam umas às outras com o objetivo comum de derrubar o governo Lula por meio de violência ou grave ameaça e impedir ou restringir o exercício dos poderes Judiciário e Legislativo.
Trata-se de uma tese que poderá agora ser aplicada aos demais 231 réus presos em flagrante nos edifícios-sede dos Poderes ou na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Com isso, não será necessária uma individualização detalhada da conduta de cada um para uma condenação. “Em crimes em multidão, entendo que todos devem responder pelo resultado comum. O autor estava ciente de sua atuação em harmonia com os atos de todos que ali estavam, em uma concorrência de vontades bem caracterizada. Os agentes envolvidos na prática criminosa exerceram influência uns sobre os outros”, disse Cristiano Zanin na sessão desta quinta.
“Os crimes multitudinários envolvem delitos praticados em contexto de massa, com participação difusa, de grande quantidade de pessoas, muitas das quais sem qualquer inter-relação prévia, estabelecida em data anterior. As dificuldades observadas para detalhar a conduta de cada elo dessa multidão, todavia, não pode conduzir à letargia dos órgãos responsáveis pela persecução penal, sob pena de eventos criminosos, extremamente graves e extremamente disruptivos do tecido social tornarem-se, na prática, imunes à própria jurisdição criminal do Estado”, afirmou a presidente da Corte, Rosa Weber.
Moraes destacou vídeos e falas de invasor
Ainda assim, no caso de Aécio Pereira, Moraes exibiu, na sessão desta quarta, vídeos do momento em que ocupava o plenário do Senado e a rampa do Congresso, vestindo camiseta com a frase “intervenção militar federal”, e dizendo: “Amigos da Sabesp, quem não acreditou, tamo aqui, quem não acreditou, tô aqui por vocês também, p…, olha aonde eu estou, na mesa do presidente.” Em seu voto, o ministro também anexou votos de espaços depredados no Senado, e reproduziu trechos de depoimento em que ele admitiu que partiu de São Paulo com o objetivo de “lutar pela liberdade”.
Divergência sobre tentativa de golpe
“Está comprovado nos autos, tanto pelos depoimentos de testemunhas arroladas pelo Ministério Público Federal, quanto pelas conclusões do interventor federal, que Aécio Lúcio Costa Pereira, como participante e integrante das caravanas que estavam no acampamento do QG do Exército naquele fim de semana e invasor de prédios públicos na Praça dos Três Poderes, com emprego de violência ou grave ameaça, tentou depor o governo legitimamente constituído, por meio da depredação e ocupação dos edifícios-sede dos Três Poderes da República”, afirmou Alexandre de Moraes em seu voto, nesta quarta (13).
Vários ministros repetiram Moraes quando disse que o ato de 8 de janeiro não foi um “passeio no parque”, rebatendo alegações da defesa de que não haveria condições para derrubar o governo. Para a maioria, a tentativa de golpe de Estado, com ataques aos demais poderes, baseava-se na ideia de que o resultado da eleição de 2022, com a vitória de Lula sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro, não seria legítimo.
Barroso disse que o julgamento tem um caráter “didático e civilizatório”. “A tentativa de golpe de Estado, que me parece caracterizada aqui, é um reencontro com os piores dias do nosso passado. A pregação pela volta de um regime militar, de uma ditadura, é de novo reavivar fantasmas que assombraram a geração de todos nós que estamos aqui e que vivemos os dias difíceis, do ponto de vista institucional e democrático, que começa com o golpe de 1964”, afirmou, referindo-se à destituição de um presidente por meio inconstitucional.
Depois, ele destacou que muitos manifestantes queriam rever o resultado eleitoral, com o discurso de que teria ocorrido fraude na apuração dos votos. “Tudo isso foi explorado sob a base de uma mentira, de que houve fraude nas eleições. A ideia de que o presidente não foi eleito legitimamente. O código-fonte que roda nas urnas foi aberto um ano antes das eleições, foi examinado e fiscalizado por todas as entidades que assim o desejaram, pelos partidos, pela Polícia Federal, pelo Ministério Público. E para o bem ou para mal, eu mesmo convidei as Forças Armadas para fiscalizarem, e embora infelizmente tenham tido um comportamento de levantar suspeitas, ao final produziu um relatório dizendo que não encontraram fraude.”
André Mendonça divergiu nesse ponto, por considerar que não havia um plano arquitetado para instalar um novo regime no país. “Um golpe de Estado demanda atos não só de destituição do poder, mas do estabelecimento de uma nova ordem política institucional. Então, tenho que retirar o poder eleito, e instituir ou ter atos que me levem a buscar instituir um novo poder, ainda que ilegítimo. Preciso definir o que vou fazer com o Congresso Nacional, eu preciso definir fazer com o Supremo Tribunal Federal, preciso definir o que vai ser feito com a imprensa, com a liberdade das pessoas, com o meio universitário”, disse.
“Uma série de planejamentos e condutas, que, com a devida vênia, não vi nesses movimentos. A perspectiva da atuação deles era criar uma situação de instabilidade institucional, mas qualquer ação de golpe de Estado dependeria de uma atuação de outras forças. Basicamente, dos militares”, completou em seguida.
O que disse a PGR no caso
No julgamento, o subprocurador Carlos Frederico disse que era “perceptível o deleite do imputado com os atos violentos praticados”. “Sua adesão subjetiva à intenção golpista da horda antidemocrática é incontestável”, disse. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a condenação ao pagamento de multa de R$ 100 milhões, para cobrir prejuízos aos edifícios depredados, avaliados em R$ 25 milhões, e danos morais coletivos, por atentado à democracia.
O que disse a defesa
Na sustentação oral, o advogado e desembargador aposentado Sebastião Coelho da Silva disse que o STF não teria competência para julgar Aécio Pereira, que não tem foro privilegiado. Reiterou que a denúncia foi genérica, sem provas de atos individuais que pudessem certificar que o cliente seria capaz, junto com outros manifestantes, de dar um golpe de Estado, nem mesmo de que teria cometido vandalismo e violência no dia da invasão.
“Alguém trouxe um fuzil para Brasília? Naquele povo que estava ali no dia 8 de janeiro, não houve. Houve impedimento de funcionamento dos Poderes? Qual Poder deixou de funcionar por conta da ação que houve nesse prédio e demais prédios? Este Supremo Tribunal Federal estava em recesso, o Congresso estava em recesso. O presidente da República, no dia seguinte fez reunião com Vossas Excelências, lá no Palácio do Planalto, e caminharam para cá. Houve um só dia em que os Poderes não funcionaram? Nem um só dia”, afirmou.
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