STF aceitou argumentos da defesa de Lula que embasaram pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil/Agência Brasil
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Por 3 votos a 2, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta terça-feira (23), declarar a suspeição do ex-juiz Sergio Moro no caso tríplex do Guarujá, em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. O reconhecimento de que Moro foi parcial é a mais dura derrota da Operação Lava Jato nos tribunais desde 2014, quando teve início a investigação que descobriu uma complexa rede de corrupção atuando dentro da Petrobras.

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A decisão do colegiado do STF deve fazer com que todas as provas do processo contra Lula julgado pela 13ª Vara Federal de Curitiba sejam anuladas. Embora os ministros que tenham votado pela suspeição de Moro também tenham dito que a condição é específica ao caso que envolve Lula, a medida pode motivar ainda um efeito cascata em outras ações sentenciadas pelo ex-juiz na Lava Jato, que levou para cadeia políticos, empreiteiros, lobistas e dirigentes partidários.

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Votaram pela suspeição de Moro os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, que modificou o seu voto pronunciado em dezembro de 2018, quando teve início o julgamento. Na ocasião, Cármen votou contra a suspeição. Mas, nesta terça, ela reformou seu posicionamento diante de novas evidências surgidas ao longo dos últimos anos. Foram votos vencidos os ministros Edson Fachin, relator do caso, e Kassio Nunes Marques.

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A ministra disse que revia sua posição com base em quatro elementos. Um foi a condução coercitiva de Lula, autorizada por Moro e ocorrida em março de 2016, definida pela magistrada como "espetaculosa". O segundo aspecto foi a interceptação telefônica dos advogados do ex-presidente.

Na mesma linha, o terceiro elemento é o que Cármen Lúcia chamou de "divulgação seletiva" de áudios do petista. Uma conversa entre ele e a então presidente Dilma Rousseff, tornada pública também em março de 2016, indicou uma possível combinação para que a chefe do Executivo colocasse Lula em seu ministério a fim de obter foro privilegiado, o que foi interpretado como um "drible" na Lava Jato e acirrou a oposição da época.

E o quarto argumento apresentado por Cármen Lúcia foi a decisão de Moro de tornar pública a delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci às vésperas das eleições presidenciais de 2018. À época, a medida foi contestada por ser vista como prejudicial à candidatura de Fernando Haddad (PT), que disputava contra Jair Bolsonaro.

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Suspeição de Moro pode ser revista no pleno no STF?

Apesar do desfecho negativo, a declaração de suspeição de Moro ainda pode ser tornada sem efeito pelo plenário do Supremo. Os onze ministros vão julgar a validade do ato monocrático de Fachin, que retirou de Curitiba as ações de Lula na Lava Jato e anulou todos os atos processuais. No último dia 17, o material referente aos processos do tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e do terreno do Instituto Lula foi encaminhado à Justiça Federal do Distrito Federal, considerado por Fachin o foro judicial adequado para tratar do caso.

Para juristas, a transferência das investigações para Brasília tornam inviável o pedido de suspeição, já que o ministro relator da Lava Jato anulou com sua decisão todos os atos processuais de Moro e de outros juízes da 13ª Vara relativas ao ex-presidente. Se o plenário do Supremo mantiver a mudança no domicílio dos processos, o recurso do petista que denuncia a parcialidade de Moro perde objeto e, logo, a decisão desta terça pode ficar sem efeito, preservando todo o legado da Lava Jato.

O reconhecimento da quebra de parcialidade de Moro se soma a outros episódios que impactaram negativamente a Lava Jato nos últimos anos. A saída de Moro da magistratura; mudanças na legislação patrocinadas pelo Congresso e pelo STF; a extinção da força-tarefa do Ministério Público Federal; e a própria anulação dos processos contra Lula na Justiça de Curitiba provocaram um enfraquecimento da operação e dos esforços de combate à corrupção.

Caso levou 28 meses para ser julgado

O julgamento foi retomado nesta terça com um placar provisório de 2 a 2 após ser interrompido pela segunda vez por um pedido de vista. No dia 9 de março, o ministro Nunes Marques, que assumiu cadeira no STF há menos de quatro meses, pediu mais tempo para analisar o processo. Desta vez, porém, o ministro foi mais rápido em liberar o caso para julgamento novamente. O julgamento do habeas corpus, impetrado um mês antes, começou em dezembro de 2018 e foi interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

Em seu voto nesta terça, Marques criticou o fato de as supostas conversas de Moro e de integrantes da força-tarefa da Lava Jato serem utilizadas como base dos argumentos da defesa de Lula pela suspeição do ex-juiz — o que foi desmentido pelo advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, que retirou qualquer juntada dos áudios e diálogos ao pedido de suspeição. "Se o hackeamento fosse tolerado para a obtenção de provas, ninguém estaria seguro de sua intimidade", disse.

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Parte das conversas foi obtida por meio da Operação Spoofing, da Polícia Federal, que investigou a invasão de telefones celulares de autoridades por um grupo de hackers. Supostas conversas entre Moro e membros da Lava Jato começaram a ser divulgadas a partir do primeiro semestre de 2019 pelo site The Intercept e outros veículos de imprensa. Os diálogos indicariam uma suposta ação parcial do ex-juiz da Lava Jato contra Lula, mas a força-tarefa da Lava Jato sempre contestou a autenticidade dos diálogos.

Nunes Marques considerou ainda inadequado o instrumento do habeas corpus para embasar o pedido do ex-presidente petista, no que também foi rebatido por colegas da Segunda Turma.

O voto do ministro indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, que tomou posse no STF em novembro do ano passado, provocou a ira de Gilmar Mendes, que tomou a palavra por 50 minutos e repetiu os argumentos usados por ele em seu voto, proferido no dia 9 de março. "Estamos em julgamento histórico, e cada um passará para a história com seu papel. Esses temas não admitem covardia", afirmou Gilmar em tom exaltado.

Sobre as conversas vazadas por hackers, o presidente da Segunda Turma lembrou que seu voto desconsiderou esse material, embora tenha lido vários trechos dos supostos diálogos durante a sessão. "O meu voto está calcado nos elementos dos autos, agora realmente me choca tudo aquilo que se revela, e a defesa que se faz. 'Ah, pode ter havido inserções, manipulações?'. Eu já disse aqui ou o hacker é um ficcionista ou nós estamos diante de um grande escândalo, e não importa o resultado deste julgamento, a desmoralização da Justiça já ocorreu, o tribunal de Curitiba é conhecido mundialmente como um tribunal de exceção", disse Gilmar. "Não estamos a falar aqui de prova ilícita", afirmou.

No voto sobre a suspeição de Moro no dia 9 de março, Mendes fez pesadas críticas à atuação do ex-juiz, à força-tarefa da Lava Jato e recordou exemplos de outras ocasiões em que, segundo ele, Moro teria agido com imparcialidade. O ministro comparou os procedimentos da Lava Jato com processos "soviéticos" ou "do AI-5", em referência ao mecanismo mais severo da ditadura militar brasileira.

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Após o voto de Nunes Marques, o placar do julgamento estava 3 a 2 a favor de Moro e da Lava Jato. Mas a mudança de posição de Cármen Lúcia, que sempre esteve alinhado com a ala lavajatista da Corte, virou o jogo e condenou o ex-juiz a ter a sua parcialidade confirmada.

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