O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, em julgamento nesta quinta-feira (10), para definir que não recolher o ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, é um crime. Os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia já votaram a favor da criminalização, enquanto Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello votaram contra.
Apesar da maioria formada, o julgamento voltará à pauta do plenário na quarta-feira da próxima semana (18). Faltam os votos do ministro Celso de Mello, que não estava presente no plenário, e do presidente do STF, Dias Toffoli, que pediu vista do caso.
O resultado provisório de 6 a 3 corrobora decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em agosto de 2018, considerou que o não pagamento do ICMS caracteriza crime. Segundo o STJ, quem não recolhe o imposto pode ser enquadrado em apropriação indébita tributária, crime que pode levar à prisão de seis meses a dois anos.
O caso específico analisado diz respeito a um casal de comerciantes de Santa Catarina que foi denunciado pelo Ministério Público do estado por não recolher o ICMS, contraindo uma dívida de R$ 30 mil. Apesar de não ter pago o ICMS, o casal declarou o imposto.
A defesa do casal recorreu ao STF sustentando que o mero não pagamento, sem sonegação ou tentativa de ocultar a dívida, não pode ser matéria penal, já que a prisão por dívida é vedada pela Constituição. O relator do caso é o ministro Luís Roberto Barroso.
O que os defensores da penalização alegam
Ao definir que quem não recolher o ICMS deve ser penalizado, a maioria do STF classificou o não pagamento do imposto como crime de apropriação indébita tributária. O relator Luís Barroso explicou que “na apropriação indébita tributária, a censurabilidade está em tomar para si um valor que não lhe pertence”.
O ministro considerou esse entendimento “totalmente coerente” com decisão passada do STF no RE 574.706, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, segundo o qual “o ICMS não integra o patrimônio do sujeito passivo”. Por isso, segundo ele, a conduta não equivale a mera inadimplência fiscal, que não pode ser criminalizada, segundo a Constituição.
Outro argumento levantado tanto no voto do ministro Barroso como nas sustentações orais que precederam a votação foi o de que o não pagamento do ICMS acaba se tornando uma vantagem competitiva, uma vez que, hoje, não pode ser considerado nem sonegação nem apropriação indébita. Por isso, o comerciante que cobra o ICMS e não o repassa ao fisco lucra tanto quanto aquele que sonega o imposto.
Os defensores da penalização por inadimplência do ICMS sustentaram que a possibilidade de prisão, apontada como inconstitucional pelos defensores do provimento do recurso, é muito remota.
“Nem se pedir para ser preso o sonegador vai conseguir”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes. “Existem inúmeras fórmulas dentro do nosso sistema tributário de interpretações que acabam levando a dificuldades e a prescrições. As penas são baixíssimas.”
O ministro Edson Fachin afirmou que comunga “das premissas que integram a argumentação defensiva”, como os fatos de que a simples inadimplência não justifica uma sanção penal e o de que “prisão por dívida é um tema que não se concilia, via de regra, com a sistemática constitucional e convencional”. Mas, segundo ele, “não é disso que se cuida no presente caso”. Segundo ele, a conduta em questão “supera a faceta do inadimplemento fiscal”.
Para Fachin, o ICMS pago pelo consumidor faz parte do patrimônio do comerciante. “Embora se pretenda alcançar a riqueza do consumidor, quem é normalmente posto no polo passivo da relação jurídica-tributária é quem fornece o objeto do consumo”, disse.
Para Rosa Weber, o caso se encaixa em "fraude, simulação ou omissão pelo contribuinte" e "apropriação de valores de terceiros, ainda que sem o emprego de expediente ardiloso”.
A ministra Carmen Lúcia que o não pagamento do ICMS não é mera inadimplência. Para ela, não há na criminalização do não recolhimento do ICMS "nada que possa ser considerado indevido, ilegal ou que configure constrangimento”.
O que se alegava contra a criminalização do não recolhimento de ICMS
Um dos principais argumentos contrários a penalizar o não pagamento era o de que a Constituição veda a prisão por dívida. Segundo o advogado Pierpaolo Bottini, uma situação em que alguém “não pagou o imposto mas declara esse imposto e reconhece a dívida” caracteriza “um caso de insolvência, de inadimplência”, mas não de sonegação ou fraude, que poderiam ser criminalizadas.
“A inadimplência não pode ser cobrada através do direito penal. Isso é um preceito constitucional. Você pode fazer execução fiscal, penhorar bens, mas o direito penal é absolutamente estranho a essa situação”, afirma Bottini.
Para o advogado, a interpretação de que o comerciante, no caso em julgamento, é só um intermediário, é equivocada. “O consumidor não paga o tributo, ele paga o valor da mercadoria. Quem paga o imposto, quem é o contribuinte, é o comerciante”, diz.
O valor pago pelo consumidor, segundo Bottini, torna-se parte do patrimônio do comerciante. “O dinheiro é dele, não é um dinheiro do consumidor. É um dinheiro que entra no patrimônio dele. Se ele deixa de pagar, ele é o inadimplente. Ele não é um repassador de dinheiro. Ele é um recebedor de dinheiro e, depois, ele paga o imposto.”
Na mesma linha, o ministro do STF Gilmar Mendes disse que “o caráter indireto do ICMS não permite afastar seu ingresso no patrimônio do vendedor como receita”. Mendes diz que “grande parte da doutrina do direito penal, na atualidade, defende posicionamento no sentido de descriminalizar irregularidades meramente administrativas”, como é, para ele, o caso em questão.
Em sustenção oral prévia à votação dos ministros, Thiago Campos, defensor público de Santa Catarina, lembrou que, só em seu estado, há 38 mil inadimplentes do ICMS. No estado de São Paulo, há 170 mil. Com isso, só nessas duas unidades federativas, uma decisão do STF favorável à criminalização da inadimplência converteria, automaticamente, mais de 200 mil pessoas em criminosas.
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