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O Supremo Tribunal Federal (STF) agiu rapidamente para tentar estancar a retomada da pressão, no Congresso e na sociedade, pelo impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Na sessão desta quarta-feira (14), antes de iniciar os julgamentos no plenário, o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, defendeu a atuação do colega na encomenda e orientação para produção de relatórios junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para alimentar investigações criminais contra seus críticos de direita.
Moraes também recebeu apoio do decano do STF, Gilmar Mendes, do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e mais cedo, do ministro mais novato no STF, Flávio Dino. Eles disseram que Moraes cumpriu seu dever, reafirmando assim a confiança que depositaram no colega para tocar o inquérito das fake news e as investigações correlatas contra detratores do tribunal.
“Todos os atos praticados pelo ministro Alexandre de Moraes se deram no cumprimento de seu dever”, disse Barroso. Ele atribuiu as críticas à atuação do colega a “interpretações equivocadas e narrativas inverazes” sobre o procedimento adotado pelo ministro. Gilmar Mendes foi além e relacionou as recentes objeções aos métodos de Moraes “a setores que buscam enfraquecer a atuação do Judiciário e fragilizar o Estado Democrático de Direito”.
Nesta terça (13), o jornal Folha de S.Paulo revelou mensagens e áudios de juízes e assessores subordinados a Moraes, no STF e no TSE, que indicam que o próprio ministro selecionava manifestações em redes sociais de críticos de sua atuação para a produção de relatórios, usados posteriormente por ele mesmo no STF para bloquear redes sociais e contas bancárias.
Nas conversas, esses funcionários expressavam dúvidas sobre a ilicitude dos conteúdos escolhidos pelo ministro e sobre a regularidade do procedimento, mas cumpriam as ordens mesmo assim.
A troca de mensagens sugere que houve supostamente adulteração de documentos, prática de pesca probatória, abuso de autoridade e possíveis fraudes de provas. Os alvos escolhidos sofreram bloqueios de redes sociais, apreensão de passaportes, intimações para depoimento à PF, entre outras medidas. Tudo isso era feito via WhatsApp, sem registros formais.
Nesta quarta, Barroso, Gilmar Mendes, Flávio Dino e o próprio Moraes buscaram justificar essa forma de coletar provas com base no chamado “poder de polícia” do TSE, que, na época das mensagens, entre 2022 e 2023, era presidido pelo ministro. Evitaram, no entanto, mencionar detalhes que indicam atuação de Moraes como investigador e acusador, algo vedado pelo Código de Processo Penal, nem como ele interferia na produção dos relatórios.
Barroso argumentou que os alvos já eram investigados no STF por suposta disseminação de “desinformação, ataques à democracia e discursos de ódio”. “Em nenhuma hipótese, em nenhum caso, houve fishing expedition dirigida personalisadamente a qualquer pessoa de maneira aleatória”, disse, em referência à prática ilegal também conhecida como pesca probatória, em que um juiz faz devassas com propósito de incriminar uma pessoa escolhida.
O presidente do STF acrescentou que as informações coletadas nos relatórios eram públicas – postagens em redes sociais – e que Moraes, como presidente do TSE, tinha o dever de coletar, por iniciativa própria, provas de condutas que pudessem ameaçar a democracia.
“Vivíamos um contexto de acampamentos nas portas de quartéis pedindo golpe de Estado para impedir a posse do presidente da República eleito democraticamente. Nós tivemos situações de bloqueio das estradas. Nós tivemos situações de ministros cercados, eu mesmo, por centenas de pessoas com ameaça de agressão. Nós tivemos inúmeras ameaças de morte.”
Depois, Barroso incluiu as críticas a Moraes como parte de uma reação contra o próprio STF. “Parte da reação que nós enfrentamos é porque não nos deixamos intimidar”, disse, elogiando antes a “coragem moral e física” do colega “para se opor ao extremismo”.
Ministro mais antigo do STF, Gilmar Mendes disse que as críticas a Moraes, inclusive nesse episódio das mensagens, são “infundadas”, “ataques que visam a minar a independência e a integridade das instituições que sustentam o Estado Democrático de Direito”. “A independência judicial é uma das pedras angulares da nossa democracia, e qualquer tentativa deliberada e infundada de intimidar ou desacreditar um ministro do Supremo deve ser veementemente repudiada”, disse em discurso previamente preparado e lido no plenário do STF.
Sobre as mensagens dos assessores, disse que, como relator do inquérito das fake news, Moraes tem o dever de “determinar a apuração de todo e qualquer ato criminoso que chegue ao seu conhecimento”. Lembrou que em 2020, por 10 votos a 1, o plenário ratificou os métodos adotados pelo ministros para investigar ofensas e ameaças aos ministros do tribunal. Ao mesmo tempo, como presidente do TSE, acumulava o poder de polícia na propaganda eleitoral. “Não há nada de irregular nessa atividade de fiscalização, que é realizada de ofício, sem qualquer espécie de provocação”, disse o decano.
Por fim, Gilmar Mendes buscou rechaçar as comparações com a Lava Jato. Um dos maiores críticos da operação, o ministro acusa o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa de terem atuado em conluio para perseguir políticos. “Moro, [Deltan] Dallagnol e sua turma subverteram o processo penal de diversas formas, com combinações espúrias, visando a condenação de alvos específicos”, afirmou.
Paulo Gonet também defendeu Moraes e disse que o ministro age com “coragem, diligência, assertividade e retidão” nos processos. Destacou que, nas investigações conduzidas por ele “houve a abertura de oportunidade para a atuação do Ministério Público”.
Por fim, Moraes se defendeu, dizendo que os relatórios serviam para preservar, como provas, as postagens consideradas por ele ilícitas. “O caminho mais eficiente da investigação naquele momento era solicitação ao TSE, uma vez que a PF, em determinado momento, pouco colaborava. O delegado que atuava nos inquérito chegou a ficar com um único agente para realizar as diligências. Seria esquizofrênico eu me auto-oficiar”, disse o ministro, acrescentando que tinha o poder, como presidente do TSE, de determinar a elaboração dos relatórios.
“Esse compartilhamento de provas continua permitido. Hoje eu oficiaria à ministra Cármen [Lúcia, atual presidente do TSE]. Eu determinava à assessoria que realizasse o relatório”, afirmou, em referência à Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED). Depois, destacou que todos os relatórios eram documentados e incluídos no processo, com ciência à Procuradoria Geral da República, podendo depois serem contestados pela defesa dos investigados. Por fim, reiterou que as manifestações investigadas tinham por finalidade incitar um golpe de Estado.
“Todos diziam sobre o gabinete do ódio, sobre fraudes nas urnas eletrônicas, tentativa de golpe, chamamento ao que depois ocorreu em 12 de dezembro, com depredação da PF e ônibus queimado, glorificação da tentativa de explosão de bomba no aeroporto de Brasília. Lamentavelmente isso resultou na tentativa de golpe em 8 de janeiro”, disse.
A manifestação conjunta de Barroso, Gilmar, Gonet e do próprio Moraes representa uma resposta institucional do STF. Antes e no intervalo da sessão, os demais ministros evitaram comentar o caso. O único que se manifestou, mais cedo, num evento pela manhã, foi Flávio Dino, na mesma linha de dizer que Moraes cumpriu com seu dever.
O apoio ao ministro demonstra que continua em vigor uma delegação tácita, concedida pela maioria dos colegas, para que ele "defenda" a Corte contra “ataques”. Desde 2019, quase todos os ministros convivem com xingamentos nas ruas e temem por sua integridade física. Para eles, a maior parte dessa revolta foi alimentada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, que acusaram o STF de interferir em sua gestão e prejudicar seu governo. A irritação com o ex-presidente se acentuou com as suas acusações de que o TSE teria favorecido a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, o que teria colaborado para a revolta que resultou na invasão e depredação das sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Os ministros sabem, porém, que a insatisfação com a Corte no Congresso é crescente e vai além das queixas de aliados de Bolsonaro. Recentes decisões – como a descriminalização da maconha para consumo pessoal, o fim do marco temporal para demarcação de terras indígenas, a suspensão do pagamento de emendas parlamentares – afetam setores mais amplos representados no Legislativo. Por isso, os ministros mais articulados politicamente trabalham para aparar arestas e atenuar o impacto das decisões.
A resposta do STF desta terça foi semelhante à realizada no ano passado, quando o Senado aprovou uma PEC para acabar com as decisões monocráticas que derrubassem leis aprovadas no Congresso. Também na época, a Corte se uniu e a proposta acabou minguando na Câmara. A expectativa é que o mesmo ocorra agora com novas tentativas de impeachment de Moraes.