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Julgamentos adiados

STF deixa casos que causariam tensão com Bolsonaro para depois que ele sair do governo

Sessão plenária do STF presidida por Rosa Weber.
Sessão plenária do STF presidida por Rosa Weber: presidente da Corte adiou julgamentos polêmicos (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)

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A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, deixou para 2023 julgamentos importantes que estavam previstos para 2022. Vários poderiam causar nova tensão na relação da Corte com o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), especialmente no período eleitoral. Por isso a ministra optou por adiá-los por tempo indefinido. E os casos ficaram para o ano que vem, já com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República.

Entre os julgamentos adiados, estão o do marco temporal para demarcação de terras indígenas; o do indulto concedido por Bolsonaro para perdoar a pena do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ); o caso sobre ideologia de gênero nas escolas; e a descriminalização do aborto. Dentro do STF, ministros avaliam que decisões de viés progressista nesses temas tenderiam a criar menos problemas para a Corte durante o governo de Lula.

O adiamento desses casos confirma a disposição de Rosa Weber, desde o início de sua gestão, em setembro, de evitar decisões que colocassem o STF novamente em embate com Bolsonaro. De perfil discreto e sóbrio, Rosa Weber é avessa a dar declarações públicas que podem provocar polêmicas, como costumam fazer alguns de seus colegas do Supremo. A ministra sempre sinalizou que não daria combustível para afrontas à Corte – inclusive na pauta de julgamentos.

Essa postura se refletiu no tempo de elaboração e divulgação da pauta: ao contrário de seus antecessores, que anunciavam as datas dos julgamentos com meses de antecedência, Rosa Weber optou por agendá-los apenas semanas ou dias antes. Isso incomodou parte dos ministros – seja porque passaram a ter prazo menor para elaborar os votos, seja porque sentiram que precisavam de mais tempo para projetar cenários no placar e assim avaliar o impacto de uma decisão numa ou noutra direção.

Há ainda outros processos que não dependem diretamente de Rosa Weber, mas que poderiam dar dor de cabeça para Bolsonaro e que também ficaram para o ano que vem. É o caso do julgamento de recursos contra decisões de Alexandre de Moraes contra o presidente e vários de seus apoiadores no inquérito das fake news e outras investigações correlatas.

Veja, abaixo, o que envolve e como anda cada um dos casos importantes no STF que ficaram para 2023 e que poderiam afetar a relação da Corte com o governo Bolsonaro.

Marco temporal para demarcação de terras indígenas

O julgamento decidirá se só terão direito a demarcações de terras as tribos indígenas que comprovarem a ocupação daquele território em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Esse critério, conhecido como marco temporal, é contestado pelos indígenas e defendido por agricultores.

A análise da questão começou em agosto de 2021, com um voto contra o marco temporal, de Edson Fachin, e um a favor, de Kassio Nunes Marques. Alexandre de Moraes pediu vista, mas já liberou o caso para retomada do julgamento no plenário. Em junho, Rosa Weber chegou a pautar as ações, mas outros casos mais urgentes passaram na frente e não foi marcada nova data.

Dois meses antes, em abril, Bolsonaro disse, durante evento do agronegócio, que poderia descumprir decisão que acabasse com o marco temporal. “Entregar as chaves para o Supremo ou falar que não vou cumprir. Eu não tenho alternativa”, disse. O governo de Lula, por outro lado, tende a ser mais pró-indígenas. O Ministério dos Povos Originários vai ser criado para dar prioridade às demarcações.

Indulto a Daniel Silveira

O deputado Daniel Silveira foi condenado em abril pelo STF a 8 anos e 9 meses de prisão, acusado de ameaçar e xingar os ministros da Corte. No dia seguinte à condenação, Bolsonaro perdoou a pena com um decreto de indulto presidencial. A oposição, porém, contestou a constitucionalidade da decisão e, até o momento, a questão está pendente no STF. Desde então, o relator da ação contra Silveira, Alexandre de Moraes, já aplicou diversas multas, que ultrapassaram R$ 1 milhão, devido ao fato de ele se recusar a usar tornozeleira eletrônica.

Entre auxiliares de Rosa Weber, muitos já apostavam, antes da eleição, que ela só pautaria a questão em 2023. Com Bolsonaro fora do Palácio do Planalto, fica mais "confortável" para os ministros derrubar um decreto de sua autoria como presidente.

Ideologia de gênero nas escolas

Sob o pretexto de combater o bullying “homotransfóbico” no ambiente escolar, o Psol aguarda há mais de dois anos o julgamento de uma ação proposta pelo partido para forçar as escolas públicas e privadas a ensinar e promover a ideologia de gênero para crianças e adolescentes.

Em novembro de 2020, o então presidente do STF, Luiz Fux, retirou o tema de pauta. Em novembro de 2022, ele foi reinserido na agenda de julgamentos por Rosa Weber. Mas, sem explicação, a ação novamente saiu da previsão de julgamentos.

Descriminalização do aborto

O Psol também é autor de uma ação de 2017 que busca descriminalizar o aborto até a 12.ª semana de gestação. Ela já está instruída e pronta para julgamento no plenário do STF e, como a relatora é a própria Rosa Weber, depende só dela marcar a data de julgamento.

Na atual composição do STF, a tendência é que a ação seja julgada improcedente. Mas Rosa Weber é simpática à ideia de descriminalização – já votou assim num caso individual em 2016. Um julgamento pelo plenário, neste momento, afastaria por um bom tempo qualquer nova tentativa de legalizar o aborto via STF. Por isso, é possível que a ministra deixe a Corte, em outubro, quando se aposenta, sem marcar o julgamento. Com isso, deixaria para quem for escolhido para sucedê-la no Supremo a tarefa de conduzir o processo para julgamento mais à frente.

Inquérito das fake news

O ministro Alexandre de Moraes colocou em julgamento, em agosto, 21 recursos contra decisões que tomou contra Bolsonaro e seus apoiadores em quatro inquéritos. André Mendonça pediu vista e adiou por tempo indeterminado a análise. O ministro sempre se posicionou contra medidas mais drásticas tomadas por Moraes nas investigações e já tentou, internamente, chegar a um acordo para arquivá-los. Mas não teve sucesso.

Num dos recursos, a Advocacia-Geral da União (AGU), que defende Bolsonaro, pediu o arquivamento da investigação sobre a divulgação do inquérito da Polícia Federal (PF) sobre a invasão hacker nos sistemas informatizados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018.

Em outro recurso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) contestou a decisão de Moraes de abrir um novo inquérito contra Bolsonaro a pedido da CPI da Covid, pelo fato de ter dito, durante uma live em 2021, que pessoas vacinadas contra a Covid estariam desenvolvendo Aids mais rápido. Ainda não se sabe se Moraes manterá esses casos sob sua relatoria no âmbito do STF, depois que Bolsonaro deixar a Presidência. Vários outros alvos não têm foro privilegiado, mas mesmo assim são investigados pelo ministro.

Os demais recursos foram apresentados por redes sociais, deputados e empresários pedindo o fim do bloqueio de contas determinado por Moraes. Ele votou contra todos os recursos.

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