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"Pauta verde"

STF determina que Congresso destine recursos extras para combater desmatamento na Amazônia

Em julgamento de pauta verde, STF determinou destinação de recursos extras para ações do governo
Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF): julgamentos podem anular decisão que beneficiou aposentados. (Foto: Carlos Moura/SCO/STF)

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O julgamento de ações da chamada “pauta verde” no Supremo Tribunal Federal (STF) resultou em uma determinação para que o Congresso Nacional destine recursos extras para o combate ao desmatamento na Amazônia. Duas das ações nessa área, movidas por partidos de esquerda em 2020, foram julgadas na semana passada. Outras três ações, sobre prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia, foram julgadas na quarta-feira (20).

A determinação sobre a abertura de crédito extraordinário, proferida no julgamento das duas primeiras ações da "pauta verde", não é inédita. Em oportunidades anteriores, a Corte já procedeu da mesma forma, indicando a necessidade de destinação de recursos do Orçamento em julgamentos relacionados a outros temas.

Um exemplo foi a decisão tomada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709/DF, que tratava da questão indígena diante da pandemia de Covid-19. Outro exemplo foi a ADPF 347, na qual o STF declarou o "estado de coisas inconstitucional" em relação ao sistema carcerário. Em resumo, em outubro de 2023, o Supremo apontou que os direitos dos presos estavam sendo violados no sistema prisional brasileiro e determinou que o governo federal elaborasse um plano para resolver diversas questões, tais como superlotação e tempo de prisão superior ao da pena.

Ainda que esse tipo de determinação por parte do STF não seja novidade, a decisão sobre a "pauta verde" foi recebida com surpresa por parlamentares ligados ao agronegócio e por advogados especializados em Direito Ambiental. Para o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), “não é porque decisão similar já ocorreu que deva ser naturalizada”.

Na avaliação do advogado Georges Humberto, pós-doutor em Direito e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades), a determinação, pelo Poder Judiciário, de abertura de créditos no Executivo, é mais uma “usurpação de competência decorrente do ativismo judicial, da inércia do Legislativo e da falta de responsabilização dos magistrados”.

Por outro lado, parlamentares ambientalistas não consideraram a medida uma interferência do Judiciário sobre o Legislativo. O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara, deputado Nilto Tatto (PT-SP), apontou que não se trata de intervenção indevida do STF, tampouco de julgar que as ações propostas e executadas pelo governo Lula não têm sido suficientes.

“Nesse caso, também não se trata de intervenção, e sim o impedimento de que o Poder Executivo atue em inconstitucionalidade, ao renunciar [de] suas prerrogativas impostas pelas funções do Ministério do Meio Ambiente de atuar em prol do meio ambiente”, opinou Tatto.

Já o advogado e consultor jurídico da BMJ Consultores Associados, Lui Fortes, pontuou que se trata de “medida extraordinária”. “Muitas vezes, o STF entende que impor tal obrigação representaria intervenção direta do tribunal nos demais poderes”, explica Fortes.

Partidos cobravam governo Bolsonaro por falta de ações na Amazônia 

Ao protocolar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 54 no STF, os partidos de esquerda alegaram que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) abandonou, a partir de 2019, a política de prevenção e controle do desmatamento, prevista no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).

Nas ações, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), a Rede Sustentabilidade, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Partido Verde (PV), o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) pleiteavam a declaração de "estado de coisas inconstitucional", que ocorre quando há grave, generalizada e prolongada violação a direitos previstos na Constituição, em razão da falta de ação dos órgãos públicos responsáveis.

Ao julgar as ações agora em 2024, os ministros do STF, no entanto, negaram o pedido de reconhecimento de violação massiva de direitos fundamentais - o estado de coisas inconstitucional - na política ambiental brasileira. “Isso porque a Corte reconheceu que, embora ainda não esteja concluído, está em curso, desde o ano passado, um processo de retomada pelo Estado brasileiro do efetivo exercício de seu dever constitucional de proteção do bioma amazônico”, afirmou o STF em nota sobre o julgamento.

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes reforçou o entendimento sobre a retomada das ações de combate ao desmatamento na gestão petista e lembrou uma frase dita pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. “A partir do momento em que condutas governamentais são praticadas, houve uma inflexão do Poder Executivo no sentido de estancar a boiada (como era dito por um ex-ministro do Meio Ambiente) e a partir disso tratar o meio ambiente com a seriedade necessária”, afirmou Moraes.

Decisão do STF sobre "pauta verde" estabeleceu prazos para apresentação de cronograma 

Na decisão sobre as ações julgadas na semana passada, por unanimidade, o plenário do STF determinou que a União tome providências para reduzir o desmatamento na Amazônia Legal para a taxa de 3.925 km anuais até 2027 e a zero até 2030.

Assim, o STF determinou que o governo federal deverá apresentar um cronograma para prever diretrizes, objetivos, prazos e metas para o atendimento dos resultados dos Eixos Temáticos do PPCDAm, em níveis suficientes para a diminuição efetiva e contínua dos níveis de desmatamento ilegal na Amazônia. O tribunal também determinou a realização de relatórios trimestrais que demonstrem o efetivo cumprimento do cronograma.

Já no julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 743, 746 e 857, o STF decidiu que a União tem 90 dias para apresentar plano de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia, com monitoramento, georreferenciamento, metas e estatísticas.

Além disso, a União deve elaborar um plano de recuperação da capacidade operacional do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais e um plano de ação com medidas concretas para processamento das informações prestadas ao Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Oposição aponta interferência e prejuízo na construção de políticas públicas 

A decisão do STF no julgamento das ações da "pauta verde" foi entendida como uma interferência do Judiciário no Legislativo por parlamentares ligados ao agronegócio e de oposição ao governo Lula.

O motivo é a determinação ao Congresso Nacional para a abertura de crédito extraordinário no exercício financeiro de 2024 para assegurar a continuidade das ações governamentais. Além da destinação de recursos extras, os ministros também vetaram o bloqueio orçamentário de recursos dos programas de combate ao desmatamento já em andamento.

O presidente da bancada do agronegócio, Pedro Lupion, destacou que tal medida pode inclusive prejudicar a construção de políticas públicas. “As medidas governamentais que devem ser tomadas para o adequado combate ao desmatamento necessitam do devido debate legislativo quando da elaboração do Orçamento. Surpresas como essas, determinadas pelo STF, prejudicam a própria construção de políticas públicas”, disse o deputado paranaense.

No mesmo sentido, o deputado Evair de Mello (PP-ES) destacou a necessidade de debate sobre a destinação de recursos. “É fundamental que haja um debate legislativo apropriado ao elaborar políticas públicas, especialmente quando se trata do orçamento e das ações governamentais relacionadas ao combate ao desmatamento”, disse.

Lupion também questionou a medida diante da crise vivida por produtores rurais, devido à perspectiva de quebra de safra e dos baixos preços pagos pela produção. “[Essas medidas acabam] impactando, por exemplo, na necessária e urgente criação de uma saída para a crise dos produtores rurais com a queda no preço da produção e a manutenção do alto custo de produção. O STF também determinará a abertura de crédito extraordinário para socorrer o agricultor?”, disse o presidente da FPA.

O deputado Luiz Phellipe de Orleans e Bragança (PL-SP) também opinou que se trata de uma interferência do Judiciário. “Essa determinação da Corte [...] é claramente uma interferência nas competências do Poder Legislativo em nome da Agenda 2030. A independência dos poderes está em jogo quando o Judiciário assume o papel de legislador, governante e mau julgador”, disse.

A Agenda 2030, mencionada pelo deputado, é um documento da Organização das Nações Unidas (ONU) que apresenta uma lista de metas para que o mundo chegue ao ano de 2030 “mais próspero e menos desigual”.

Matéria da Gazeta do Povo mostrou que a lista reúne objetivos importantes e genéricos, como “erradicar a pobreza e a fome”, “educação e saúde de qualidade”, “crescimento econômico”, mas que a Agenda 2030 da ONU também é composta por temas e controversos, que geralmente escondem “armadilhas”, como “igualdade de gênero” e “ação climática”.

Governistas e ONGs ambientalistas defendem decisão do STF na "pauta verde" 

Em contrapartida, Organizações Não Governamentais (ONGs) ambientalistas e integrantes do governo Lula consideraram a decisão do STF "importante e histórica", e avaliaram que ela irá complementar as ações da gestão petista.

“É, sim, o tratamento de políticas ambientais como política de Estado, que devem ser executadas independente dos governos de turno no Poder Executivo”, disse o deputado Nilto Tatto (PT), presidente da Frente Ambientalista.

Em nota, o consultor jurídico do Instituto Socioambiental (Isa), Mauricio Guetta, afirmou que a decisão do STF demonstra a efetividade das ações do governo Lula. "É histórica a decisão do STF em prol do meio ambiente e do combate à emergência climática. As políticas ambientais, especialmente a de combate ao desmatamento na Amazônia, ficam expressamente qualificadas como políticas de Estado, que não podem ser negligenciadas e devem ser cumpridas satisfatória e progressivamente por este e pelos próximos governos, ficando vedados retrocessos, inclusive do ponto de vista orçamentário. As metas e resultados definidos pelo STF dão concretude à conclusão da Corte pela efetividade das ações estatais", afirmou.

Na mesma linha, a gerente-jurídica do Greenpeace Brasil, Angela Barbarulo, também pontuou que a decisão do STF é histórica. “O Greenpeace Brasil comemora esta decisão histórica do STF, que determina o cumprimento das metas sobre mudanças climáticas estabelecidas pela legislação nacional e acordos internacionais assumidos pelo Brasil, bem como estabelece que a União e seus respectivos órgãos adotem medidas suficientes e eficazes para o cumprimento do dever constitucional de defesa, proteção e fiscalização do meio ambiente. Esse é um compromisso do Estado brasileiro com as atuais e futuras gerações, e não pode ficar sujeito às flutuações do governo da vez", disse em nota divulgada à imprensa.

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