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O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta semana os trabalhos de 2020 junto a um dado digno de atenção: a baixa aprovação dos brasileiros. É isso o que apontou pesquisa do Datafolha divulgada no último mês de dezembro. Essa foi a primeira vez que o instituto de pesquisas incluiu a avaliação do Supremo na mesma escala dos Poderes Executivo e Legislativo.
Segundo o levantamento, 39% dos entrevistados avaliam o trabalho do tribunal como “ruim” ou “péssimo”. Já a porcentagem de brasileiros que aprovam o STF, considerando seu trabalho “bom” ou “ótimo”, é de apenas 19% - a avaliação “regular” aparece em 38% das respostas e a taxa de “não sabe” é de 4%.
A percepção que se tem dos ministros da Corte, especificamente, também não é as mais animadoras. Em meados de 2017, estudo do Instituto Ipsos que incluiu os ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, presidente do Supremo à época, entre diversas personalidades políticas avaliadas mostrou que o magistrado tinha taxa de aprovação de apenas 4% enquanto a juíza era aprovada por 29% dos entrevistados.
Coordenador da graduação em Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP), Roberto Dias afirma que para analisar a reprovação de instituições em pesquisas é preciso levar em conta um sem-fim de fatores. No caso específico do STF, entretanto, esse índice pode ser ligado a algo que o pesquisador considera “fatal”, que é a percepção de que o tribunal e seus ministros são políticos.
“Acredito que a aprovação de curto prazo tenha a ver com [a população] estar de acordo ou não com as decisões da Corte. Já as taxas acentuadas de desaprovação estão ligadas à percepção, no período de coleta das informações, de que as decisões não estariam sendo tomadas como deveriam, de que há mais pessoas políticas onde deveria haver mais gente técnica, de que os ministros têm poderes demais. É isso que faz o brasileiro opinar, em um momento, que o STF segue a lei, e em outro, que não segue”, afirma Dias, que é advogado especializado em Direito Constitucional.
Dias cita, justamente, Gilmar Mendes como exemplo dessa “politização”, em especial porque o ministro é conhecido por suas mudanças de opinião em relação a determinados temas. Uma dessas modificações recentes de posicionamento ocorreu na discussão sobre a prisão após condenação em segunda instância, no fim de 2019. Se durante julgamento de 2016 acerca do tema Gilmar se manifestou de forma favorável à questão, em novembro passado sua posição foi contrária a essa possibilidade.
“De forma cristalina, afirmo que o fator fundamental a definir essa minha mudança de orientação foi o próprio desvirtuamento que as instâncias ordinárias passaram a perpetrar em relação à decisão do STF em 2016 (...). O que o STF decidiu em 2016 era que dar-se-ia condição para se executar a decisão a partir do julgado em segundo grau. De fato, na própria emenda assentada no referido precedente, consignou-se que a execução provisória da pena seria uma possibilidade, e não uma obrigatoriedade”, afirmou, à época, o ministro para justificar sua mudança de posicionamento.
Exposição do STF afeta julgamento da população
Para o presidente do Colégio de Presidentes dos Institutos de Advogados do Brasil, Hélio Gomes Coelho Júnior, um fator crítico referente ao Supremo Tribunal Federal que precisa ser considerado na atualidade é a exposição exagerada dos ministros do tribunal. Na opinião do advogado, “nunca antes na história da Corte” houve parte tão grande dos juízes que circulassem na mídia aberta, concedendo entrevistas para explicar e criticar seus votos e os de colegas, e que participassem de tantas palestras e conferências.
“Eles agem como se não lhes fosse aplicada a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), que exige serenidade, urbanidade e discrição na vida pública e privada. Pergunte a um sueco, alemão, francês ou americano quantas vezes ele viu um juiz da maior Corte de seu país dando entrevistas como os nossos. Pergunte a um finlandês, norueguês, canadense ou japonês se os juízes de seu país têm motorista e carro pagos pelo povo. Pergunte a todos eles se a maior Corte de sua nação tem uma emissora de tevê [a TV Justiça, que existe desde 2002] para transmitir os seus julgamentos. As respostas já são sabidas. O STF está na ‘berlinda’ porque nela se pôs, lamentavelmente”, opina.
Dias afirma que o STF passou a atrair a atenção pública de forma mais significativa a partir dos anos 2010. O momento após a redemocratização foi para a Corte colocar “a casa em ordem” e definir melhor seus próprios poderes, enquanto na primeira década do século o Supremo se dedicou à regulação de políticas sociais. Em 2012, entretanto, os olhares brasileiros se voltaram ao tribunal de forma talvez não vista antes. No dia 2 de agosto daquele ano, a Corte deu início ao julgamento dos 38 réus envolvidos no Mensalão, um dos maiores escândalos de corrupção da história do Brasil.
“Essa influência maior [do STF sobre os rumos do país] começou a acontecer a partir dos anos 2010. Penso que o Mensalão, por atrair uma popularidade muito grande, colocou em evidência o STF, que passou a ser acompanhado pela TV Justiça, por vídeos no YouTube e pela mídia de um modo geral”, diz.
Ativismo judicial: outro fator para descrédito
Outra alegação comum que vem à tona quando o assunto é a baixa confiança da população no Supremo é a de que a Corte estaria “usurpando” a competência dos outros Poderes, em especial do Legislativo, ao decidir sobre determinadas questões.
Esse ponto foi levantado em junho de 2019, quando a Corte decidiu, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e o Mandado de Injunção (MI) 4733, pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como crime definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989), até que o Congresso Nacional edite lei a respeito. Aqui, Coelho Júnior lembra que é a própria Constituição Federal de 1988 que prevê a possibilidade de ajuizamento de MI e ADO quando há demora do Legislativo em legislar questões urgentes para a sociedade.
“Se a sociedade não se agrada com as decisões do Supremo, ainda dentro das balizas constitucionais, que provoque o Legislativo para atuar. É preciso estar ciente, contudo, que essa mesma Constituição contempla as denominadas ‘cláusulas pétreas’, ou seja, insubmissas à revisão”, afirma.
O jurista opina, contudo, que é preciso repensar o Supremo e sua competência para que a instituição ganhe contornos efetivos de uma Corte Constitucional, de guardiã da Constituição Federal. Para tanto, ele cita algumas mudanças que considera necessárias: 1) a ampliação tanto da idade mínima como da idade máxima para nomeação, hoje de 35 e 65 anos, respectivamente; 2) estipulação de um tempo de mandato certo para os ministros, que atualmente podem permanecer na Corte pelo tempo que desejarem, desde que se aposentem compulsoriamente aos 75 anos; 3) exigência da efetiva prática do Direito por um período mínimo que varie entre 20 e 30 anos, além de reputação ilibada e notório saber jurídico; 4) manutenção da indicação pelo Presidente da República, mas a partir de uma lista tríplice elaborada por outros instituições ligadas ao Poder Judiciário, como tribunais superiores e a Ordem dos Advogados do Brasil, entre outras.
STF é fundamental para a democracia
Mesmo diante da baixa aprovação dos brasileiros e das críticas que surgem a respeito do Supremo Tribunal Federal, não se pode esquecer da importância da Corte para a democracia brasileira. Roberto Dias afirma que, a partir do momento em que se vive em um país tão amplo e diverso como o Brasil, em que as pessoas pensam de formas muito diferentes e têm necessidades tão particulares, a democracia precisa ir além do mero consenso entre os indivíduos.
“Precisamos de um sistema que não seja apenas o de eleições ou representações eleitorais, porque a tendência é que haja um desequilíbrio muito grande entre ‘vencedores’ e ‘vencidos’, o que tende a romper e ameaçar a igualdade entre os cidadãos, a meu ver o pilar central da democracia”, explica. “Nesses países muito grandes e marcados por tantas diferenças e peculiaridades, portanto, precisamos de uma série de mecanismos para impedir que as decisões sejam arbitrárias ou imponham derrotas muito severas de um lado para o outro”, complementa.
É por isso que o Congresso Nacional é composto por duas Casas e que há um tribunal que tem o papel específico de garantir que as decisões políticas respeitem os limites dos direitos respaldados constitucionalmente, como liberdade e dignidade. Não existe lei “milagrosa”, ainda que num primeiro momento possa parecer benéfica aos cidadãos, se tais garantias forem feridas.
“Às vezes fazemos parte de uma maioria que não tem a sua vontade privilegiada, e parece um grande incômodo. Mas é importante lembrar que a situação política é passível de mudança, e a maioria de hoje pode vir a ser a minoria política de amanhã. Aí é que se vê o valor gigantesco que é ter uma barreira como o STF que impede você de ser tratado como algo menos que um cidadão”, finaliza o professor da FGV-SP.
O que há na pauta do STF para 2020
Quando o Plenário do STF retornar ao trabalho em fevereiro, terá que enfrentar uma série de questões polêmicas pautadas para o primeiro semestre. Como exemplo, tem-se a discussão a respeito da execução da pena imediatamente após decisão do Tribunal do Júri, bem como o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5.956, 5.959 e 5.964, sobre o tabelamento do frete de caminhoneiros.
O julgamento de processos que discutem o bloqueio do WhatsApp por decisões judiciais no Brasil, a ampliação da possibilidade de homens homossexuais doarem sangue, pontos da reforma trabalhista e os acordos de delação premiada de Joesley Batista e Ricardo Saud, da JBS, também estão previstos para o primeiro semestre de 2020.
Outro tema polêmico que deve ser decidido pelo STF em breve, mas ainda sem data definida, é o instituto do juiz de garantias, trazido pelo pacote anticrime e que prevê, de forma muito resumida, a separação da figura do magistrado que atua na fase de instrução do processo e a do juiz que vai julgar. Enquanto a maior parte do pacote anticrime entrou em vigor no dia 23 de janeiro, a criação do juiz de garantias é um dos pontos que está suspenso até que o Plenário do STF analise a questão, objeto de diversas ADIs ajuizadas perante a Corte.