As duas decisões que o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou nesta quarta-feira (17) relacionadas ao inquérito das fake news desagradaram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus apoiadores, e devem motivar novos episódios de críticas públicas entre integrantes dos três poderes. As análises são tanto de integrantes da base bolsonarista quanto de membros da oposição ao governo federal.
As medidas tomadas pelo Supremo foram a formação de maioria pela rejeição do arquivamento do inquérito das fake news e a negação de um habeas corpus que pretendia excluir o ministro da Educação, Abraham Weintraub, das investigações.
A maioria sobre o inquérito foi formada nesta quarta com oito votos favoráveis e nenhum contrário. Como formalmente os ministros ainda podem modificar seus votos, o julgamento sobre a manutenção ou não do inquérito não está oficialmente encerrado – mas o fato de terem sido apresentados oito votos favoráveis foi interpretado como um recado incisivo da corte no combate ao que considera ameaças à instituição, que provêm principalmente de apoiadores do presidente.
Críticas ao posicionamento do STF se multiplicaram nos perfis das redes sociais dos defensores de Bolsonaro. As opiniões unem tanto contestações à decisão sobre o inquérito das fake news quanto reprovações à investigação que apura a participação de bolsonaristas em atos antidemocráticos, que pregam o fechamento do STF e do Congresso Nacional.
A reação dos parlamentares ao STF
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, chamou os ativistas de direita Antonio Carlos Bronzeri, Jurandir Alencar e Sara Winter de "presos políticos". "Se ao invés de fazer o que fizeram criticando um ministro do STF mas sim outra autoridade estaria tudo bem. Mas o ego e a arrogância associados a determinados poderes dá a chance de haver medidas ditatoriais", escreveu o parlamentar.
Para a deputada Margarida Salomão (PT-MG), a reação dos apoiadores do presidente e do próprio chefe do Executivo às decisões do Supremo pode indicar uma sinalização para o acirramento de conflitos entre os poderes. "Sem sombra de dúvidas. Bolsonaro age com irresponsabilidade e desconhece a importância de sua função. Ele deveria estar trabalhando para fortalecer os laços, para estabelecer coesão institucional, respeito aos poderes, não o que tem desempenhado", alegou.
Já o governista Filipe Barros (PSL-PR) também acredita na evolução dos choques entre os poderes. Mas, segundo ele, por problemas causados pelo Judiciário: "são decisões que rasgam a Constituição e que são corporativistas".
Para o parlamentar, as medidas do Supremo indicam que o Brasil "vive um regime de exceção". "Já houve um rompimento institucional no Brasil. Não dá para a oposição dizer que Bolsonaro quer fazer um rompimento, porque outras instituições já fizeram isso", alegou. Outro deputado, Junio Amaral (PSL-MG), chamou em entrevista à Jovem Pan de "canalhice" o fato de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não ter se manifestado em defesa dos parlamentares citados nos processos.
O advogado Luis Felipe Belmonte, segundo vice-presidente do Aliança Pelo Brasil, o futuro partido de Bolsonaro, disse à Gazeta do Povo não considerar que o Brasil esteja num estágio de estado de exceção, mas questionou as decisões do STF: "falam que o presidente tem vocação nazista, mas quem está agindo como a Gestapo [polícia do regime de Hitler] não é ele. O que é dar um golpe? Será que isso que estão fazendo de impedir o presidente de governar não é dar um golpe?".
Belmonte foi alvo de operação da Polícia Federal na terça-feira (16), no âmbito da investigação sobre os atos antidemocráticos. Segundo acusações preliminares, ele teria conexão com o financiamento das manifestações. O advogado é suplente do senador Izalci Lucas (PSDB-DF) e, nas eleições de 2018, declarou patrimônio superior a R$ 65 milhões.
Bolsonaro fala em colocar coisas em seu"devido lugar"
O acirramento em decorrência das decisões do STF pode ser esperado também por declarações do próprio Bolsonaro – feitas ainda antes das manifestações da corte.
Na manhã da quarta (17), o presidente disse a uma apoiadora que "está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar". Pelas redes sociais, Bolsonaro havia dito na terça que tomaria "todas as medidas legais possíveis para proteger a Constituição e a liberdade do dos brasileiros". A fala foi motivada pela decisão do STF de quebrar o sigilo bancário de parlamentares bolsonaristas, dentro do âmbito da investigação sobre os atos antidemocráticos.
As declarações, apesar de incisivas, foram menos fortes do que as de 27 de maio, quando a Polícia Federal fez uma operação contra influenciadores bolsonaristas. "Acabou, porra! Me desculpem o desabafo. Acabou. Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomando de forma quase que pessoal certas ações", afirmou Bolsonaro, um dia após a operação.
O líder do Cidadania na Câmara, Arnaldo Jardim (SP), ironizou a fala de Bolsonaro sobre o "devido lugar": “Colocar tudo em ordem? Que bom. Isso significa não crescer o acirramento entre os Poderes, respeito absoluto à Constituição e somar esforços para enfrentar a crise na saúde e na economia”.
Balizas do STF
O julgamento do STF foi marcado por declarações fortes dos ministros nas críticas aos ataques à instituição e à divulgação de notícias falsas. Alexandre de Moraes relembrou ameaças virtuais feitas aos magistrados e seus familiares, como a de uma internauta, que pediu o estupro de parentes dos ministros.
O Supremo deve finalizar o julgamento nesta quinta-feira (18). Há a expectativa de que a formalização da autorização do inquérito venha acompanhada da determinação para que a investigação siga algumas balizas, como o acompanhamento pelo Ministério Público, a garantia de acesso dos advogados dos acusados aos processos e a distinção entre ataques e críticas contempladas pela liberdade de expressão.
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