Ouça este conteúdo
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de declarar a constitucionalidade da lei que deu autonomia ao Banco Central, nesta quinta-feira (26), é uma demonstração da disposição da maioria dos ministros de não comprometer a agenda econômica liberal do governo, apesar dos recentes embates com o presidente Jair Bolsonaro.
O presidente da Corte, Luiz Fux, já havia emitido sinais de boa vontade. Mesmo após romper o diálogo com o presidente, em razão de insultos aos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, ele manteve conversas com os ministros da área econômica, como Paulo Guedes (Economia), Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e Bento Albuquerque (Minas e Energia).
Ele tem dito a interlocutores que não há o menor risco de retaliação econômica para rebater as atitudes de Bolsonaro, apesar de estarem na pauta algumas ações que podem impactar os cofres públicos (leia abaixo). As respostas ao presidente, no entanto, devem restringir-se a medidas focadas exclusivamente nele, dentro dos inquéritos tocados por Moraes.
Nesta quarta-feira (25), Fux fez questão de dizer que reservaria quantos dias fossem necessários para julgar rapidamente não apenas a autonomia do BC, como também outra ação que preocupa o governo, que discute a validade ou não do "marco temporal" para demarcação de terras indígenas. Trata-se de definir se índios têm garantia de posse apenas das áreas que já ocupavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
"O STF tem dois processos muito importantes para nosso país, razão pela qual vamos julgá-los até exaurir o julgamento dos dois, para depois fazermos uma nova pauta. Esses processos são prioritários para hoje, amanhã e os dias subsequentes", disse Fux.
Nesta quinta, confirmou-se a previsão de um resultado favorável para o governo no caso do Banco Central, inclusive com os votos de Barroso e Moraes. O primeiro defendeu a necessidade da medida para blindar a política monetária de interferências políticas e garantir a responsabilidade fiscal. Moraes disse que trata-se de uma escolha política legítima.
"Responsabilidade fiscal não tem ideologia. Não é nem de direita, nem de esquerda. Não é monetarista nem é estruturalista. É apenas o pressuposto de economias saudáveis. E penso mais: o descontrole fiscal, como já deveríamos ter aprendido, inclusive com a história recente, traz desemprego, inflação, desinvestimento e juros altos", afirmou Barroso.
"Amanhã, se essa opção se verificar errônea, é possível ao presidente enviar um novo projeto e o Congresso aprovar. Não é uma cláusula pétrea a nomeação e destituição de presidente e diretores do Banco Central", disse Moraes.
Juntaram-se a eles Dias Toffoli, Nunes Marques, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Votaram contra — mas somente em razão de um vício formal de tramitação do projeto no Congresso — Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
O julgamento do marco temporal, outra prioridade, foi retomado na sequência, mas apenas para leitura do relatório. Na semana que vem começam os votos dos ministros, mas é esperado um pedido de vista, o que adia uma decisão e alivia os ruralistas, que temem uma derrota. Em junho, quando o julgamento começou em sessão virtual, Fachin votou contrariamente à tese, por considerar que muitas tribos foram expulsas de seus territórios e não têm como comprovar que estavam lá na época da promulgação da Constituição.
Dentro do tribunal, a avaliação de alguns ministros é que a situação política do país é conturbada e não recomenda uma decisão neste momento, para um lado ou outro. A decisão terá repercussão geral e poderá afetar mais de 300 terras em processos de demarcação.
Na última terça-feira (24), cerca de 6 mil indígenas protestaram na Esplanada dos Ministérios contra o marco temporal — eles estão acampados no local. Nos últimos meses, mais de cem entidades representativas do agro manifestaram-se no STF a favor, por meio de pareceres enviados aos ministros.
No último dia 20, em entrevista ao Canal Rural, Bolsonaro disse que o fim do marco temporal "seria um caos para o Brasil e também uma grande perda para o mundo". "Essas terras que hoje são produtivas poderiam deixar de ser produtivas. E outras reservas, pela combinação geográfica das mesmas, poderiam inviabilizar outras áreas produtivas", afirmou.
Outras prioridades do governo no STF
O governo está apreensivo com outras ações que poderão ser julgadas brevemente pelo plenário que envolvem maior abertura econômica. No início de setembro, o STF pode julgar uma ação contra lei de 2014 que dispensou de licitação a prestação de serviços de transporte terrestre interestadual ou internacional de passageiros. O governo é favorável à dispensa de licitação, com o argumento de que a "melhoria na qualidade do serviço é mais fácil de ser alcançada em ambiente de livre e aberta competição", conforme parecer da Advocacia-Geral da União (AGU).
Outra pauta de interesse do governo é a manutenção do Marco Legal do Saneamento. Está pautado para novembro o julgamento de duas ações, de partidos da oposição, que buscam derrubar a lei do ano passado que abriu para empresas privadas a prestação do serviço público. PT, PSB, PCdoB, PDT e Psol alegam que haverá encarecimento do fornecimento de água e do tratamento de esgoto.
Ainda no ano passado, Fux negou suspender liminarmente a lei. Apontou "cenário lastimável" do acesso da população brasileira a esses serviços. "A manutenção do status quo perpetua a violação à dignidade de milhares de brasileiros e a fruição de diversos direitos fundamentais", afirmou, apostando na ampliação da rede pela iniciativa privada.
Outro julgamento aguardado com preocupação está relacionado à Ferrogrão, ferrovia em construção de 933 quilômetros, que ligará o município de Sinop, no Mato Grosso, a Itaituba, no Pará. O Ministério da Infraestrutura considera o maior empreendimento na área de transporte, porque escoa a produção agrícola do Centro-Oeste diretamente para portos no Norte do país, sem necessidade de passar por terminais do Sudeste e Sul.
Em março, no entanto, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu o licenciamento ambiental a pedido do Psol, que disse que a linha invadiria floresta protegida e área indígena. Desde então, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Vieira, conversa com ministros do Supremo para liberar a obra, orçada em R$ 12 bilhões. Ainda não há, porém, data para julgamento no plenário.
Julgamentos de impacto bilionário em pauta
Além desses casos, há mais de uma dezena de ações no STF pautadas para o segundo semestre de interesse direto do governo, incluindo algumas com impacto bilionário. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a Advocacia-Geral da União listou cinco processos que poderiam impactar os cofres públicos em ao menos R$ 138,2 bilhões.
Há ansiedade no governo para a retomada do julgamento de duas ações que contestam o fator previdenciário, mecanismo criado em 1999 para ampliar o período de contribuição para o INSS por parte de trabalhadores que queiram elevar o valor da aposentadoria. Se a lei for derrubada, o custo para a União ficaria em R$ 54,6 bilhões. As ações começaram a ser julgadas no último dia 19 de agosto, com voto do relator, Kassio Nunes Marques, favorável à constitucionalidade. Alexandre de Moraes, no entanto, pediu vista e adiou a decisão para data ainda indefinida.
Outra conta salgada, de ao menos R$ 49,9 bilhões, poderá chegar em dezembro, quando o plenário do STF julgará uma ação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) que questiona reduções no ressarcimento tributário que empresas exportadoras têm direito, dentro do programa Reintegra. Por lei, o governo pode devolver até 3% da receita de exportação, mas tem reduzido o índice de forma arbitrária, segundo a CNI. A relatoria da ação é do ministro Gilmar Mendes.
O ministro também relata outra ação, com julgamento previsto para outubro, de interesse dos ruralistas: o fim da contribuição previdenciária de produtores rurais baseada na receita bruta que é cobrada além da que incide sobre a folha de pagamentos de seus empregados. Se a União perder, o impacto seria de R$ 20,8 bilhões, segundo cálculo da AGU.
Há ainda duas outras matérias tributárias de impacto bilionário na pauta. Numa delas, a ser julgada em setembro, empresas questionam aumentos nas alíquotas de contribuição para o Seguro-Acidente do Trabalho. Se elas ganharem, a União perde R$ 9,1 bilhões. O relator é Dias Toffoli. Outra ação, com julgamento previsto para novembro, busca derrubar a multa que a Receita aplica a compensações tributárias não homologadas, ou seja, rejeitadas pelo próprio Fisco por serem consideradas indevidas. Gilmar Mendes é o relator.