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Os manifestantes autodenominados "300 do Brasil" que dispararam fogos de artifício contra o edifício do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, podem ter cometido crimes tipificados em três leis diferentes, segundo análise prévia da Procuradoria da República no Distrito Federal.
Na noite do último sábado (13), cerca de 30 pessoas lançaram fogos para simular um ataque à sede do poder Judiciário. Vídeos nas redes sociais mostram a ação dos manifestantes. "Isso é para mostrar ao STF e ao GDF [Governo do Distrito Federal] que nós não vamos 'arregar'. Repararam que ângulo dos fogos está diferente da última vez? Se preparem, Supremo dos bandidos, aqui é o povo que manda. Tá entendendo o recado?", ameaçou um manifestante em um dos vídeos.
Em outro vídeo, a voz de um homem profere insultos e menciona alguns nomes de ministros. "Desafiem o povo. Vocês vão cair. Nós vamos derrubar vocês, seus comunistas", disse o manifestante.
No domingo (14), o Ministério Público Federal determinou com urgência a abertura de um inquérito policial para investigar a conduta dos manifestantes, que costumam se vestir de verde e amarelo e são reconhecidos apoiadores do governo Jair Bolsonaro. Eles estavam acampados há meses na Esplanada dos Ministérios, mas foram desalojados no sábado, após ação da Polícia Militar do Distrito Federal.
Segundo o despacho do MPF do DF, o ato do grupo "300 do Brasil" pode ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional; no Código Penal em trecho que trata dos crimes contra a honra; e na Lei de Crimes Ambientais por abranger área tombada como Patrimônio Histórico Federal. Mas o que as leis citadas pelos procuradores dizem:
A Lei de Segurança Nacional (nº 7.170/83) define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências. A rigor, os manifestantes podem ter infringido vários artigos da lei, com destaque para dois deles:.
O artigo 26 diz que é crime passível de punição com reclusão de 1 a 4 anos "caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação".
Já o artigo 20, que prevê pena de reclusão de 3 a 10 anos e afirma ser proibido "devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas".
Em suas manifestações, os autointitulados 300 do Brasil costumam defender também o fechamento do STF e do Congresso, e uma intervenção das Forças Armadas, o que caracteriza um golpe contra as instituições democráticas. Se o Ministério Público entender que a ação com fogos de artifício caracteriza uma tentativa de atentar contra o regime democrático, os manifestantes podem também pode ser processados com base nos artigos 17 e 18.
O artigo 17 prevê pena de reclusão de 3 a 15 anos para quem "tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito". Já o artigo 18 fala em punição de 2 a 6 anos de reclusão no caso de alguém "tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados".
Casos de injúria e difamação contra ministros do STF
O grupo que se manifestou contra o STF também pode responder a processo pelos crimes contra a honra previstos (difamação e injúria) no Código Penal Brasileiro (Lei nº 2.848/40).
O artigo 139 estabelece que é crime "difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação". Já o artigo 140 diz que é igualmente uma infração penal "injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro". Os crimes são puníveis com penas que variam de 30 dias a uma ano de detenção, mais multas, podendo ser agravados se houver o emprego de violência ou vias de fato.
O capítulo que trata dos crimes contra a hora prevê ainda o crime de calúnia (artigo 138), que estabelece ser vedado "caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime", com pena inicial de detenção que varia de seis meses a dois anos, mais multa.
Outra possível infração citada pela Procuradoria que pode ter sido cometida pela manifestação está prevista na Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605/98), que prevê sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
O artigo 65 da referida lei, prevista na seção que trata das infrações ao ordenamento urbano e ao patrimônio cultural, fala que é crime "pichar ou por outro meio conspurcar [sujar, manchar, deixar cair sujeira] edificação ou monumento urbano", sendo que o ato é agravado caso o ataque seja feito a monumento tombado em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico". Nesse caso, a pena prevista de é seis meses a um ano de detenção, além de multa fixada pelo juízo.
O prédio do STF, na Praça dos Três Poderes, integra o conjunto arquitetônico de Brasília projetado pelos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, que é tombado pela Unesco, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e governo do Distrito Federal.
Da legislação citada pelo MPF do DF, esta última parece ser a de enquadração menos provável. A Procuradoria solicitou perícia no local a fim de identificar e comprovar eventuais danos ocorridos ao edifício e resguardar provas processuais.
O documento que motivou o pedido de inquérito na Polícia Federal foi assinado por seis procuradores da República. Eles compõem um Grupo de Apoio designado para atuar em procedimentos relacionados ao combate a atos potencialmente lesivos ao regime representativo e democrático, à Federação e ao Estado de Direito, bem como ao livre exercício dos poderes constituídos. O grupo é formado por 11 procuradores da República no Distrito Federal e foi instituído em 4 de junho, por meio de portaria publicada pelo procurador-chefe da unidade, Cláudio Drewes.
A determinação para abertura de inquérito policial foi feita pela representante do MPF que estava de plantão no domingo. O procedimento tramita "sob caráter reservado por questões relacionadas à inteligência das informações" e deve ser distribuído nesta segunda-feira para um ofício criminal e outro de atuação relacionada ao patrimônio histórico e cultural da Procuradoria da República do Distrito Federal.
Seis membros do movimento "300 do Brasil" recebem ordem de prisão
A Polícia Federal (PF) cumpre ordens de prisão nesta segunda-feira (15), em Brasília, contra seis manifestantes do grupo "300 do Brasil". Entre os detidos está a ativista Sara Winter. As prisões foram autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, no âmbito do inquérito sobre a organização de atos antidemocráticos.
O inquérito foi aberto no dia 21 de abril, a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, para apurar "fatos em tese delituosos" envolvendo a organização de atos no Dia do Exército (19 de abril) que contaram com palavras de ordem contra o STF e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pedidos de intervenção militar e ainda faixas com inscrições favoráveis a um novo AI-5, o mais duro ato da ditadura (1964 a 1985).
Ao enviar o pedido de investigação ao STF, Aras disse que os "fatos em tese delituosos" foram cometidos "por vários cidadãos, inclusive deputados federais". A investigação foi aberta para verificar se houve violação à Lei de Segurança Nacional. Ao autorizar o inquérito, Moraes destacou que a Constituição "não permite o financiamento e a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, nem tampouco a realização de manifestações visando o rompimento do Estado de Direito".
Em princípio, as prisões não foram motivadas pelo ato com fogos de artifício do último sábado e nem com relação ao inquérito das fake news, também relado pelo ministro Moraes.
Toffoli também pede investigação sobra manifestação com fogos no STF e PGR acata
A Procuradoria-Geral da República (PGR) também autorizou a abertura de uma investigação preliminar sobre o ataque à sede do STF por apoiadores do presidente Bolsonaro. O movimento da PGR é resposta à solicitação do presidente da Corte para que se identifiquem e responsabilizem os participantes e financiadores do ato que usou fogos de artifício contra o prédio do Supremo. No pedido, Dias Toffoli cita inclusive “eventual organização criminosa” na realização da manifestação.
Em nota oficial, o presidente da Suprema Corte classificou o episódio contra o prédio do STF como um ataque ao Supremo e "a todas as instituições democraticamente constituídas". "Financiadas ilegalmente, essas atitudes têm sido reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado apesar da tentativa de diálogo que o Supremo Tribunal Federal tenta estabelecer com todos — Poderes, instituições e sociedade civil, em prol do progresso da nação brasileira."
O presidente do STF resolveu representar contra Renan da Silva Sena, apontado como um dos mentores do lançamento de artefatos explosivos contra o prédio do STF, e outros envolvidos que forem identificados. Sena foi preso pela Polícia Civil do DF ainda no domingo. Ele foi identificado como a voz em um dos vídeos da manifestação de sábado à noite que circulam nas redes sociais com xingamentos aos ministros da Corte.
Sena é ex-funcionário do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e um dos líderes do grupo 300 do Brasil que prega o fechamento do Congresso e do STF. O ativista também foi flagrado, no dia 1.º de maio, agredindo uma enfermeira que participava de um ato a favor do isolamento social na Praça dos Três Poderes.
O despacho da PGR, assinado pelo procurador João Paulo Lordelo, autorizou a abertura de uma notícia de fato criminal, procedimento anterior ao inquérito, para que sejam reunidos elementos mínimos para que a investigação continue na procuradoria, uma vez que os suspeitos — inclusive Sena — não tem foro privilegiado.
As informações do procedimento deverão ser repassadas ao vice-procurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros, que já conduz inquérito sobre atos antidemocráticos e contra o STF. Além da PGR, a representação foi encaminhada à Polícia Federal, à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e ao ministro Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito das fake news, aberto para investigar ataques ao Supremo e a outras instituições.
Militantes haviam sido expulsos de acampamento horas antes
A manifestação do grupo "300 do Brasil" ocorreu no mesmo dia em que o acampamento deles na Esplanada dos Ministérios foi desmontado em uma operação coordenada pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e o DF Legal, órgão de fiscalização na capital. Os agentes chegaram a usar spray de pimenta contra os manifestantes para cumprir a ordem de desocupação
Em nota conjunta, o DF Legal e a SSP informaram que "os manifestantes ocupavam área pública, na Esplanada dos Ministérios, o que não é permitido". Além disso, as pastas informaram que os grupos descumpriam decreto que proíbe aglomerações com mais de 100 pessoas em eventos que demandem a autorização prévia do GDF, em razão da pandemia do novo coronavírus. "Houve diversas tentativas de negociação para a desocupação da área, mas não houve acordo. Os acampamentos foram desmontados sem confronto", consta na nota da SSP e DF Legal.
Horas depois, da manifestação em frente ao prédio do STF, os ativistas também xingaram o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Em um dos vídeos divulgados nas redes sociais, um dos manifestantes chama o chefe do Executivo local de "comunista safado" e diz que os fogos também são para ele.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, repudiou as agressões. "O STF jamais se curvará ante agressões covardes de verdadeiras organizações criminosas financiadas por grupos antidemocráticos que desrespeitam a Constituição Federal, a Democracia e o Estado de Direito. A lei será rigorosamente aplicada e a Justiça prevalecerá", publicou em uma rede social.