O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de votos, nesta quinta-feira (26), para impor mais uma derrota à Operação Lava Jato. Por 6 a 4, a Corte anulou pela segunda vez uma sentença do ex-juiz Sergio Moro com base no argumento de que réus que firmaram acordos de delação premiada devem apresentar alegações finais antes dos demais réus no processo.
As alegações finais são os últimos documentos apresentados pelas defesas dos réus contra as acusações, em que listam motivos pela absolvição. O julgamento no Supremo, porém, foi suspenso antes da proclamação do resultado e oficialmente não terminou – deverá ser concluída na quarta-feira que vem.
Os ministros julgaram um habeas corpus da defesa do ex-gerente da Petrobras, Márcio de Almeida Ferreira, condenado por Moro a 10 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Com base em uma decisão recente da 2.ª Turma, Ferreira queria a anulação dessa sentença porque a defesa não pôde entregar as alegações finais depois da entrega do mesmo documento por parte dos delatores. A sessão de julgamento começou na quarta-feira (25), com o voto do relator Edson Fachin.
Votaram a favor do habeas corpus os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello – o presidente da Corte, Dias Toffoli, ainda não votou, mas adiantou que vai conceder o HC. Foram contra a concessão do habeas corpus os ministros Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O ministro Marco Aurélio Mello precisou se ausentar da sessão e não votou.
Toffoli adiantou que apesar do voto pela concessão do HC, vai trazer na próxima sessão uma proposta com limites para balizar a decisão, ou seja, definir qual o alcance e consequente impacto nas demais condenações da Lava Jato. Cármen Lúcia disse que entende que há nulidade por causa da ordem de apresentação das alegações finais, mas a defesa do ex-gerente, segundo ela, não mostrou que houve prejuízo por causa disso. Por isso, a ministra votou a favor da tese, mas contra o habeas corpus específico.
Afinal, há impacto na Lava Jato?
A decisão do STF pode afetar outros casos da Lava Jato. Atualmente, o juiz abre prazo para alegações finais primeiro para o Ministério Público, depois para o assistente de acusação e, por fim, para a defesa de todos os réus ao mesmo tempo. O STF considerou que as alegações dos réus devem ser separadas: primeiro os delatores e depois os delatados.
O advogado de Ferreira, Marcos Vidigal de Freitas Crissiuma, afirmou que Moro acertou ao marcar o interrogatório dos delatores antes dos demais, mas deveria ter feito o mesmo com as alegações finais. “O réu colaborador não é defesa, ele é acusação”, argumentou. “Como poderia a defesa enfrentar o que foi dito pelo colaborador nas alegações finais se o juiz dá o mesmo prazo para ambos”, questionou Crissiuma.
O advogado ressaltou que as alegações finais do delator Edson Krummenauer, que incrimina seu cliente, foram entregues às 17h53 do dia 18 de dezembro de 2017. Já as alegações finais do ex-gerente da Petrobras foram entregues no mesmo dia, às 19h25. Segundo o advogado, não houve tempo de enfrentar as acusações feitas por Krummenauer à Ferreira.
Risco de efeito cascata
O resultado do julgamento pode impactar outros casos da Lava Jato. Um levantamento da Gazeta do Povo mostra que 32 processos em primeira instância tinham réus delatores e delatados, que se manifestaram em alegações finais com o mesmo prazo.
Destes, além de Ferreira, outros dois réus fizeram um pedido para que a ordem fosse outra: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no processo do sítio em Atibaia, e o operador Adir Assad, em um processo envolvendo desvios da Diretoria de Serviços da Petrobras. Lula aguarda o julgamento de um recurso com base nesse argumento na 2.ª Turma.
Durante a sessão desta quinta-feira, o ministro Luís Roberto Barroso reforçou o argumento da Lava Jato de que a anulação da sentença de Ferreira geraria um efeito cascata em outros processos. “Ele produz um efeito sistêmico na interpretação de uma legislação que funcionou e ajudou o brasil a romper um paradigma que imperava em casos de corrupção e crimes de colarinho branco”, disse.
Delatores têm interesses diferentes dos demais réus
O ministro Alexandre de Moraes foi o primeiro a discordar de Fachin, votando pela concessão do habeas corpus. O ministro argumentou que a delação premiada não é uma prova em si, mas o delator tem um interesse diferente dos demais réus no resultado do processo. Enquanto os réus procuram provar sua inocência, os réus delatores precisam incriminar os demais para comprovar a efetividade de seus acordos e garantir os benefícios. “Em que pese o delator ser formalmente réu, em verdade, seu interesse é pela condenação do delatado. Até porque ele não se interessa mais em se defender, ele já fez um acordo”, disse Moraes.
“Ele precisa que o Ministério Público obtenha sucesso na condenação, se não seu acordo vai para o lixo”, observou o ministro. “Essa relação delator e delatado é de antagonismo, é de contradição, é de contraditório. Não se situa, com a devida vênia as posições em contrário, na mesma situação dos corréus.
"No caso dos corréus, qual o interesse de um dos corréus? O interesse não é obter a condenação de alguém, o interesse do corréu é se salvar, conseguir a sua absolvição. Se para isso ele precisar instigar o juiz, a acusação, contra o outro corréu, ele o fará. Mas o interesse processual do corréu é sua absolvição, o interesse processual do delator não é sua absolvição, ele não precisa produzir provas para se absolver, ele já fez um acordo”, completou o ministro.
Cármen Lúcia ressaltou que o delator não é assistente de acusação, mas disse que isso não significa que ele não tenha posição diferente da do delatado. Por isso, ela defendeu que a ordem de entrega das alegações deve ser diferente: primeiro delatores, depois delatados.
Legislação não prevê entregas em momentos diferentes
Barroso argumentou que não há previsão “em lugar nenhum” para que delatores falem em momentos diferentes dos delatados nas alegações finais. Ele afirma que o Código de Processo Penal não estabelece essa ordem. O ministro ressaltou, ainda, que o CPP proíbe que réus sejam assistentes de acusação nos processos. “Simplesmente não há previsão legal”, disse.
“A tese que retira o delator do polo passivo não encontra respaldo legal”, defendeu o ministro Luiz Fux. “Como fica a defesa do delator se o delatado o acusar”, questionou o ministro. Ele também questionou o que acontece quando há dois delatores que se incriminam. Moraes interrompeu e respondeu: “o delator não precisa se defender de mais nada”. Rosa Weber completou: “Se eles forem ao mesmo tempo delatores e delatados, estão na mesma condição e podem falar ao mesmo tempo”, disse.
Lava Jato: alegações finais não trazem fatos novos
Na quarta-feira (25), ao votar contra o recurso, o relator da Lava Jato Edson Fachin já havia argumentado que a defesa de Ferreira não reclamou do surgimento de fatos novos nas alegações finais apresentadas pelos delatores. O relator ressaltou, ainda, que a colaboração premiada é um direito de defesa dos réus e a sua utilização não justifica a entrega de alegações finais em momentos diferentes.
Barroso concordou com a tese de Fachin. “As alegações finais não constituem um momento de inovação no processo penal. As alegações finais consistem em uma manifestação das partes acerca do material probatório produzido ao longo do processo”, argumentou Barroso. “Ninguém é surpreendido por nada que se traga nas alegações finais”, completou.
“As alegações finais não representam meio de prova nenhum”, ressaltou Fux. “Quando o processo chega a fase de alegações finais, delator e delatado têm consciência de tudo que se passou”, completou.
Se não há prejuízo, não há nulidade
“Não há nulidade onde não há prejuízo”, disse Barroso. Para o ministro, a defesa não mostrou que teve prejuízo com a ordem de entrega das alegações. “O que o colaborador premiado disse em alegações finais que ele já não sabia e consequentemente não pôde se defender”, disse o ministro.
Barroso também argumenta que uma interpretação nova sobre ordem de entrega de alegações finais só poderia valer daqui para frente, não serviria para anular condenações passadas.
Combate à corrupção e impunidade
Moraes rechaçou que a concessão do habeas corpus geraria impunidade. Para ele, conceder o HC é uma questão de atender a princípios constitucionais. “O devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório não são firulas jurídicas, não são meras burocracias para atrapalhar o processo”, disse Moraes. “Não há Estado de Direito sem devido processo legal, sem ampla defesa, sem contraditório. Eles não atrapalham o combate à corrupção”, defendeu o ministro.
“A afirmação de que o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa atrapalham o combate à corrupção é a mesma afirmação de que direitos humanos atrapalham o combate à criminalidade”, comparou o ministro. Segundo Moraes, esses princípios constitucionais, assim como os direitos humanos, “são conquistas milenares”.
“O contraditório é um dos valores mais caros à civilização ocidental”, disse Ricardo Lewandowski. Ele citou a bíblia para reforçar seu argumento, fazendo alusão à história de Caim e Abel. Ressaltou, ainda, que a Constituição garante direito à ampla defesa e contraditório.
Durante seu voto, Barroso criticou decisões recentes do STF que, na visão dele, vão na contramão do combate à corrupção. “A partir de 2016 as sinalizações nessa matéria de enfrentamento da corrupção vindas do STF foram diferentes”, acusou.
Ele citou os casos da Lava Jato que foram desmembrados da Justiça Federal de Curitiba; a decisão que estabeleceu a competência da Justiça Eleitoral para julgar casos correlatos com crimes de caixa 2; a decisão que proibiu a realização de conduções coercitivas sem prévia intimação; a proibição de afastamento de parlamentares investigados sem aval do Parlamento; e os habeas corpus (mais de 50, segundo Barroso) concedidos a investigados da Lava Jato no Rio de Janeiro.
“O combate à corrupção é um compromisso de todos nós, mas não se pode combater a corrupção cometendo crimes”, disse Gilmar Mendes, criticando a Lava Jato. “Combate à corrupção tem que se fazer dentro de casa”, completou.
Precedente da 2.ª Turma
O caso desta quinta-feira (26) chegou ao plenário do STF através de um recurso com base em uma decisão tomada no mês passado pela 2.ª Turma da Corte. A turma decidiu, ao analisar um recurso do ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, anular pela primeira vez uma sentença da Lava Jato.
Bendine havia sido condenado pelo ex-juiz federal Sergio Moro a 11 anos de prisão. Ele entrou com um recurso alegando que, como o processo tinha delatores, eles deveriam ter entregue as alegações finais antes dos demais réus.
A turma anulou a sentença contra Bendine por 3 votos a 1. O relator, Edson Fachin, que foi vencido na turma, resolveu mandar um segundo habeas corpus com o mesmo argumento para o plenário.
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