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O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar na próxima quarta-feira, 14 de abril, o recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Lava Jato de Curitiba. Em jogo, mais do que a manutenção dos processos contra o petista, estão a preservação do legado jurídico da Lava Jato, o reconhecimento da imparcialidade do ex-juiz federal Sergio Moro e até mesmo a eleição presidencial de 2022. A Gazeta do Povo questionou juristas sobre cenários e desfechos possíveis para o julgamento no plenário do STF.
No entanto, também para o dia 14, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, marcou o julgamento em plenário da liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso que determina a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid pelo Senado.
No dia 8 de março, o ministro do STF Edson Fachin decidiu, surpreendentemente, transferir todas as investigações contra Lula da 13ª Vara Federal de Curitiba para a Justiça Federal em Brasília, por entender que os supostos crimes cometidos pelo ex-presidente petista não têm relação direta com a Petrobras, foco da Lava Jato.
A decisão do relator da Lava Jato tornou sem efeitos todos os atos processuais proferidos até aquele momento, inclusive sentenças, em quatro processos/inquéritos: tríplex do Guarujá; sítio de Atibaia; terreno do Instituto Lula; e doações ao instituto. Em consequência disso, Lula recuperou seus direitos políticos, pois deixou de se enquadrar na Lei da Ficha Limpa, estando apto a disputar as eleições de 2022.
"Existe um componente político muito presente nessas análises todas", opina Roberto Livianu, procurador de Justiça em São Paulo, doutor em Direito pela USP e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção. "Ainda que seja juridicamente defensável [a mudança do juiz natural da causa], o que não é muito razoável é que se decida isso tanto tempo depois. Se se entende que a competência é de Brasília, isso deveria ter sido sedimentado lá no início."
Lava Jato espera pronunciamento do plenário sobre a suspeição de Moro
Caso o plenário do STF confirme a validade da anulação das condenações de Lula, a Lava Jato pode até considerar essa decisão uma vitória. Para isso, basta que a maioria dos ministros do tribunal rejeite também a declaração de suspeição do ex-juiz Sergio Moro.
Duas semanas depois do despacho de Fachin, a Segunda Turma do STF reconheceu, por três votos a dois, que Moro agiu com parcialidade contra Lula no processo do tríplex do Guarujá. O ex-presidente foi condenado pelo ex-juiz por corrupção e lavagem de dinheiro, em 2017.
A decisão da Segunda Turma causou estranheza no meio jurídico, uma vez que a anulação dos atos processuais tornou inócuo o objeto do habeas corpus de Lula que contestava a imparcialidade de Moro. Mesmo assim, o presidente do colegiado, ministro Gilmar Mendes, manteve o julgamento e proclamou o resultado, no último dia 23 de março.
Ao decidir retirar os processos contra Lula de Curitiba, Fachin deixou nas entrelinhas que se tratava de uma manobra. Parte do objetivo era esvaziar o recurso que pedia a suspeição de Moro e preservar o restante das ações da Lava Jato julgadas pelo ex-juiz. Mas a decisão favorável ao ex-presidente abriu margem para uma enxurrada de contestações de condenados acerca da imparcialidade de Moro.
Por isso, a salvação do legado da Lava Jato passa necessariamente pela derrubada da decisão da Segunda Turma que declarou Moro parcial, mesmo que para isso os processos contra Lula devam mesmo ser anulados.
"Uma vez confirmada (se confirmada) a incompetência do Juízo da Vara de Curitiba, entende-se que ficará prejudicada a questão relativa à suspeição do Juízo, porque com tal reconhecimento o processo retorna à fase de recebimento da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, decidindo o Magistrado de primeiro grau se aproveita os atos instrutórios do processo ou não, inclusive prevenindo possível prescrição na esfera penal", argumentam os advogados dos procuradores da Lava Jato, em memorial enviado ao STF no dia 5 de abril.
A defesa da Lava Jato considera possível uma eventual reanálise do processo que declarou a suspeição de Moro quando o plenário do STF se reunir para decidir se confirma ou não a decisão de Fachin. Veja a seguir hipóteses possíveis para o julgamento do próximo dia 15:
1) Condenações de Lula são anuladas e suspeição de Moro perde efeito
Caso o plenário decida manter o envio dos processos contra Lula de Curitiba para Brasília, há a possibilidade de os ministros do STF também avaliarem que a declaração de suspeição de Moro perde efeito, uma vez que todos os atos tomados pelo ex-juiz na ação do tríplex já foram mesmo anulados. Assim, os demais processos da Lava Jato julgados por Moro seguiriam intactos.
O procurador Roberto Livianu diz que esse é um cenário possível, ainda que não seja o mais provável. “É possível, pelo seguinte: estas são duas questões juridicamente distintas", afirma. A questão da competência, explica ele, "diz respeito à divisão do trabalho dentro do universo do processo penal: quem é o juiz que tem competência para examinar determinadas matérias".
Já a questão da suspeição — da parcialidade ou imparcialidade do juiz — está em outro nível. "Ela diz respeito às condições de colheita da prova. É uma outra questão: a prova foi colhida de maneira isenta, ética e imparcial pelo magistrado? São duas categorias jurídicas distintas", explica.
Aqui, uma ressalva: a transferência dos inquéritos/processos contra Lula para a Justiça Federal do Distrito Federal não significa que o petista foi inocentado nos quatro casos em que é investigado. A decisão de Fachin não anula as investigações do Ministério Público Federal, mas obriga que os casos voltem à fase de denúncia formal, ou seja, antes da abertura da ação penal contra o ex-presidente.
“O ex-presidente Lula, quando houve a decisão por 3 a 2, espalhou em rede nacional que foi vítima da maior mentira da história, que ele foi inocentado, que ele foi absolvido. Não é nada disso, isso não é verdadeiro. O Supremo Tribunal Federal não absolveu o ex-presidente”, esclarece Livianu.
Se prevalecer a interpretação dada por Fachin, as provas continuam existindo, “e a ação penal recomeça a partir da denúncia”, explica ele. Nesse caso, o MPF deverá apresentar um novo pedido de abertura de ação penal ao novo juiz do caso, que decidirá então se há elementos de prova para tornar Lula réu ou não.
2) Condenações do petista são mantidas e suspeição de Moro é anulada
Se o plenário do Supremo decidir pela validação das condenações de Lula na Justiça Federal de Curitiba e contra a decisão do ministro Edson Fachin, o julgamento que decidiu pela suspeição de Moro poderá continuar válido, uma vez que o habeas corpus de Lula não terá perdido o objeto da contestação — o principal argumento de defesa da Lava Jato.
Porém, Fachin deve reiterar um pedido para que o plenário avalie se a decisão da Segunda Turma foi acertada, diante dos riscos iminentes ao legado da Lava Jato. O plenário pode então, por maioria de votos, declarar sem efeito o habeas corpus de Lula que resultou no reconhecimento da quebra da imparcialidade do ex-juiz.
Este seria o cenário mais favorável à Lava Jato, já que a suspeição de Moro perderia a validade e Lula voltaria a ser ficha suja e, portanto, inelegível.
3) Condenações de Lula são anuladas e suspeição de Moro é mantida
O pior cenário para a Lava Jato seria o plenário do STF decidir pela manutenção do envio dos processos contra Lula de Curitiba para Brasília, anulando as condenações, conforme ordenou Fachin, e ao mesmo tempo manter em vigor a suspeição do ex-juiz Sergio Moro.
A questão aqui é regimental: o pleno do Supremo pode recusar o pedido de Fachin para rever a declaração de que Moro foi parcial nos processos contra Lula porque o Regimento Interno não permitiria contestação de habeas corpus deferido por uma das turmas da Corte — o colegiado tem o mesmo poder de julgamento do plenário.
“O fato concreto é que a Segunda Turma julgou por três a dois um habeas corpus e deferiu o habeas corpus. Não existe recurso contra ato, decisão ou acórdão de turma que defere habeas corpus. A decisão da Segunda Turma é definitiva”, disse o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.
Ou seja, mesmo com a perda de objeto do habeas corpus com a anulação das condenações de Lula, a suspeição do ex-juiz estaria mantida, com risco de causar um efeito cascata em outros processos. Além disso, esse cenário impossibilita que provas colhidas pela Lava Jato contra o petista durante a fase pré-processual, em ações autorizadas por Moro, sejam reaproveitadas pelo novo juiz do caso em Brasília.
4) Condenações de Lula são mantidas e suspeição de Moro também
Se o plenário do Supremo decidir derrubar a decisão monocrática de Fachin e mantiver intactos os atos processuais contra Lula na Justiça Federal de Curitiba, o ex-presidente volta a ser ficha suja, ficando impossibilitado de se candidatar a um cargo político.
Nesse caso, a defesa dele pode invocar a anulação pelo menos do processo do tríplex do Guarujá com base no resultado do julgamento da Segunda Turma que declarou a suspeição de Moro. Ainda assim, Lula permaneceria inelegível porque já foi condenado por órgão colegiado em outro processo, o do sítio de Atibaia. A defesa do petista já entrou com novo habeas corpus alegando a suspeição do juízo de Curitiba também nesse processo.
Nesse caso, o plenário poderia se pronunciar sobre o julgamento na Segunda Turma, com chances de apenas confirmar a decisão do colegiado liderado por Gilmar Mendes. Porém, pode ainda nem apreciar a questão da suspeição, reafirmando o Regimento Interno e declarando que o que foi decidido pela turma não tem mais volta, conforme explica o jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito.
Segundo ele, o Regimento do Supremo diz que o relator tem três opções: decidir monocraticamente, mandar para a turma ou enviar para o plenário. Tomada uma dessas decisões, não é possível voltar atrás e tentar outra saída. Fachin decidiu lá atrás liberar para julgamento na Segunda Turma o pedido de suspeição de Moro.
Ou seja, pedir agora que o plenário se posicione sobre a decisão da Segunda Turma que declarou Moro parcial seria irregular. “O Fachin decidiu monocraticamente, não tem por que remeter ao pleno”, disse Streck.