O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a analisar nesta quarta-feira (29) um conjunto de ações judiciais que questionam decretos do presidente Jair Bolsonaro e medidas adotadas pelo governo na área ambiental. Das sete ações a serem julgadas, seis foram apresentadas, de forma isolada ou conjunta, por partidos de esquerda – PSB, Rede, PDT, PV, PT, Psol e PCdoB.
Na maioria delas, as legendas acusam o governo de omissão na proteção da Amazônia e querem que o STF obrigue o Executivo a adotar ações mais efetivas no combate ao desmatamento, a incêndios e queimadas, por meio de reforço dos órgãos de fiscalização – como Ibama e ICMBbio – bem como no aumento dos recursos para os estados da região e entidades privadas que desenvolvem projetos de conservação da floresta.
Das sete ações, seis têm como relatora a ministra Cármen Lúcia, historicamente engajada na questão ambiental – em 2018, quando presidia a Corte, ela teve atuação decisiva no julgamento que anulou várias regras do Código Florestal.
Uma outra ação, que questiona a paralisação do Fundo Amazônia – abastecido com recursos de países da Europa para projetos ambientais –, tem como relatora a ministra Rosa Weber.
Em todas as ações, o procurador-geral da República, Augusto Aras, manifestou-se pela rejeição dos pedidos. Argumentou, de forma geral, que o Judiciário não pode interferir nas escolhas administrativas do Executivo na proteção do meio ambiente. Em algumas ações, afirmou que há pedidos genéricos e inexequíveis (leia mais abaixo).
A Presidência da República e o Ministério do Meio Ambiente também se manifestaram pela rejeição dos pedidos, apresentando dados que mostram a efetividade das ações para conter crimes ambientais e reduzir a devastação do bioma amazônico.
O julgamento desta quarta ocorre em meio à pressão de ONGs e artistas ligados ao setor contra propostas que avançam no Congresso e que podem flexibilizar a legislação sobre licenciamento ambiental, mineração e garimpo, regularização fundiária, uso de defensivos agrícolas e restrições na demarcação de terras indígenas.
No início deste mês, Cármen Lúcia e Rosa Weber receberam dezenas de artistas que vieram a Brasília protestar contra o pacote.
“O cenário é de desesperança sobre o futuro da humanidade. No Brasil, vem se instalando verdadeira guerra socioambiental, especialmente na Amazônia, onde a destruição da floresta e os ataques a povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais crescem em velocidade assustadora. Há grave risco de irreversibilidade, especialmente em relação à garantia do Estado de Direito e ao ponto de não retorno (“tipping point”) no processo de degradação da Amazônia, que pode inviabilizar os esforços mundiais contra as mudanças climáticas e gerar a perda definitiva dos serviços ecossistêmicos prestados pela floresta, danos irreparáveis que também estão se consolidando nos demais biomas do país”, diziam os artistas, numa carta entregue a elas e a outros ministros do STF.
Na semana passada, estiveram com Cármen Lúcia e Luiz Fux, presidente do STF, sete ex-ministros do Meio Ambiente – Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg e José Sarney Filho.
"Acreditamos que um diálogo com V.Exa. configura passo fundamental na busca por reconhecer o importante papel desta Corte Suprema em reposicionar o Brasil no rumo que vinha seguindo, em total alinhamento com os valores e ideais que movem grande parte das nações civilizadas, qual seja, a integração da economia com a ecologia, a promoção da dignidade dos povos indígenas e das comunidades guardiãs da biodiversidade e a luta pela saúde climática do planeta", disseram numa carta entregue a Fux.
O que dizem e o que pedem os partidos
A primeira ação a ser julgada, proposta pelos sete partidos de oposição, acusa o governo de “omissão estatal generalizada e atuação insuficiente” na proteção da Amazônia Legal, o que estaria contribuindo para o agravamento da mudança climática.
Apontam ainda paralisação e inviabilização do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), o que teria causado a “redução e eliminação de serviços ecossistêmicos prestados pelas florestas, especialmente do ciclo hidrológico, essencial para o abastecimento de água da população, a manutenção da qualidade de vida e o desenvolvimento de atividades econômicas relevantes, como agricultura e indústria, altamente dependentes das chuvas oriundas do bioma”.
Pedem, ao final, uma execução efetiva e satisfatória desse plano, além de reforço nos quadros e no orçamento do Ibama, ICMBio e Funai.
A segunda ação, apresentada pelo PV, busca derrubar um decreto de Bolsonaro que, entre 2020 e 2021, deu às Forças Armadas o comando da Operação Verde Brasil. O partido alega que a medida usurpou a competência do Ibama na fiscalização de incêndios e crimes ambientais, o que teria promovido “verdadeira militarização da política ambiental brasileira”.
A terceira ação pautada, protocolada pela Rede, contesta decreto de Bolsonaro de 2020 que excluiu estados e municípios do conselho do Fundo do Meio Ambiente, medida que, segundo o partido, violaria o “pacto federativo”. “Resulta em profunda disparidade representativa em relação aos demais setores sociais representados no órgão”, diz a legenda.
A quarta ação, também da Rede, acusa diretamente Bolsonaro de ser omisso na “conscientização pública” para a preservação da Amazônia. “Em todas as suas declarações faz pouco caso do meio ambiente ou do desmatamento extensivo”, diz o partido sobre o presidente.
Também diz que quando são confrontados com alertas de desmatamento, ele e o ministro do Meio Ambiente “alegam que a sistemática dos alertas é que deve ser mudado e não atacam o problema de frente, mantendo-se inertes enquanto a maior floresta tropical do mundo é dizimada”. Na ação, pede basicamente a execução integral do orçamento dos órgãos ambientais; contratação de pessoal para fiscalização ambiental na Amazônia; e apresentação de plano de contingência para reduzir o desmatamento aos níveis encontrados em 2011.
Na quinta ação a ser julgada, PSB, Psol, PT e Rede pedem a reativação do Fundo Amazônia, que recebe recursos de governos estrangeiros para apoiar projetos socioambientais na região. Em 2019, a liberação de recursos foi paralisada por mudanças feitas pelo governo no controle desses repasses. Os partidos acusam o governo de represar R$ 1,5 bilhão desde então.
“A União age de modo temerário e injustificável se omitindo para disponibilizar cifra relevante, a Região Amazônica sofre com aumentos exponenciais de desmatamento, queimadas e conflitos ambientais, situações que poderiam ser ao menos enfrentadas através de novos projetos a serem contratados”, diz a ação.
A sexta ação foi apresentada pela própria PGR no início de 2019, quando o órgão era comandado por Raquel Dodge. O objetivo é derrubar uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que regula a aferição da qualidade do ar no país.
A PGR alegava que os parâmetros tolerados de poluição estavam acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde e pedia que o órgão editasse uma norma mais protetiva. Augusto Aras, no entanto, mudou a posição da PGR e solicitou que o pedido seja negado.
A sétima e última ação é do PSB, que contesta uma medida provisória de 2021 de Bolsonaro que facilitou a abertura de empresas, por meio da concessão automática de alvarás e licenças, incluindo a ambiental. A norma dispensa a análise da documentação por um servidor, bastando que o empresário assine termo se responsabilizando pelo cumprimento das regras sanitárias, ambientais e de prevenção contra incêndios.
O que dizem a PGR e o governo nas ações no STF
Em todas as ações, PGR e Executivo apresentaram manifestações semelhantes, contrárias aos pedidos das ações. Em várias manifestações, Aras anexou relatórios do governo apresentando as ações que foram adotadas pelo Ministério do Meio Ambiente e Forças Armadas para dar efetividade à preservação ambiental na Amazônia.
Um relatório do ministério diz, por exemplo, que em 2019 foram empenhados R$ 944,7 milhões de seu orçamento, montante 17,9% maior que o volume reservado em 2018, que era, até então, o maior na história.
“Até o dia 24 de dezembro de 2020 foram executadas 249 ações de fiscalização nas unidades de conservação amazônicas (entre operações planejadas, de rotina e emergenciais); com a participação de 677 agentes de fiscalização do ICMBio, 545 policiais militares e 326 outros agentes (IBAMA, PF, Força Nacional e outros colaboradores); resultando na aplicação de 734 autos de infração, R$ 279 milhões de multas simples, 191 destruições/inutilizações; 32 demolições, além de mais de R$ 12 milhões de bens apreendidos e 36.799,91 hectares de área total embargada”, disse, em manifestação, o ministério.
A PGR também citou notícia veiculada em sites oficiais do governo, de setembro do ano passado, anunciando que os recursos para fiscalização de danos ambientais saltariam de R$ 228 milhões para R$ 498 milhões, e que Ibama e ICMBio contratariam 700 novos servidores.
Aras ainda disse que uma intervenção do STF nas políticas públicas seria inadequada, porque levaria o tribunal a determinar medidas técnicas sobre as quais não tem condições de avaliar nem de monitorar. Listou ainda uma série de procedimentos internos do Ministério Público para fiscalizar a execução de políticas públicas específicas dentro do governo – nesse tipo de acompanhamento, o órgão pode propor melhorias sem necessidade de judicializar a questão.
“Se acatados os pedidos, não se vislumbra o dia em que a execução do acórdão terá fim. E o Supremo Tribunal Federal será chamado a decidir cada pormenor que se relacione com o combate ao desmatamento no país. Afinal de contas, até que todo o “estado de coisas inconstitucional” esteja solucionado, caberá, em tese, petição nos autos desta ação, requerendo tal ou qual medida”, argumentou.
Em relação à ação que a própria PGR apresentou no início de 2019, contra a política de medição da qualidade do ar, Aras disse que ela foi motivada por “irresignação contra a opção regulatória” estabelecida pelo Conama e “dissenso quanto aos aspectos técnicos”.
“Constata-se que a alegação de permissividade e vagueza da política pública veicula irresignação contra opção de política pública calcada em juízo motivado de conveniência e oportunidade, sem violação a critérios de razoabilidade ou proporcionalidade, afirmou o procurador-geral.
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