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Supremo urnas
Julgamento no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal terá duração de 24 horas a partir da zero hora desta terça-feira (6)| Foto: Nelson Jr./STF

Está marcado para começar à zero hora desta terça-feira (7) um julgamento no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) que discutirá se acusações de fraude nas urnas eletrônicas feitas por um político levam ou não à cassação de seu mandato. O caso em questão envolve o deputado estadual do Paraná Fernando Francischini (União Brasil), cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano passado, por ter dito, durante a votação em 2018, que algumas urnas estavam adulteradas para impedir que eleitores confirmassem voto no presidente Jair Bolsonaro.

Na semana passada, o ministro Kassio Nunes Marques suspendeu a cassação de Francischini, acolhendo um pedido de sua defesa, que contestou vários fundamentos do TSE no caso. No fim de semana, um suplente do deputado, Paulo Bazana (PSD-PR), que já havia assumido a cadeira de Francischini na Assembleia Legislativa do Paraná, recorreu ao STF contra a decisão de Nunes Marques, de modo a impedir que o deputado cassado retomasse o mandato.

É esse o pedido que será analisado pelo STF ao longo desta terça no plenário virtual, um tipo de sessão não presencial no qual os 11 ministros têm até 23h59 para apresentar seus votos por escrito, sem debates orais, no sistema eletrônico do tribunal.

Há, no entanto, a possibilidade de que, durante a sessão virtual, um deles interrompa a votação eletrônica – por meio de um pedido de “destaque” – para levar a discussão ao plenário físico, num julgamento presencial, que então recomeçaria do zero com votos orais de cada um dos ministros.

Essa possibilidade se tornou mais provável no início da noite desta segunda (6), quando Nunes Marques decidiu submeter sua decisão sobre Francischini à Segunda Turma do STF – colegiado menor, com cinco integrantes, formado por ele e pelos ministros André Mendonça, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Caberá a eles, numa sessão presencial marcada para as 14 horas desta terça, confirmar ou reverter a decisão.

Caso a sessão virtual do plenário do STF seja interrompida por um destaque, a definição de uma nova data para análise do caso pelos 11 ministros, num julgamento presencial, dependeria do ministro que pediu o destaque e do presidente do STF, Luiz Fux.

Chance de reversão é grande

Dentro do STF, a expectativa nos bastidores é de que a decisão de Nunes Marques seja derrubada, seja na Segunda Turma ou no plenário, de modo a restabelecer a decisão do TSE de cassar Francischini.

A condenação do deputado é apontada pela maioria dos ministros como um importante precedente para conter a disseminação de “ataques sem provas” ao sistema eletrônico de votação.

Nesse julgamento, realizado em novembro do ano passado, por 6 votos a 1, a maioria do TSE firmou o entendimento de que apontar fraude na urna eletrônica, por meio da internet, configura abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.

Também consideraram que a conduta tem gravidade suficiente para levar à perda do mandato, porque comprometeria a “normalidade e a legitimidade das eleições”.

“Não há margem para dúvida de que constitui ato abusivo, a atrair as sanções cabíveis, a promoção de ataques infundados ao sistema eletrônico de votação e à própria democracia, incutindo-se nos eleitores a falsa ideia de fraude em contexto no qual candidato sobrevenha como beneficiário dessa prática”, diz o acórdão da decisão do TSE.

Desde então, essa decisão passou a ser citada frequentemente pelo ministro Alexandre de Moraes, que também integra o TSE e assumirá o comando da Corte em agosto, para advertir que declarações de Bolsonaro e apoiadores contra as urnas poderão levar à cassação de um novo mandato, em caso de vitória nas eleições deste ano.

Daí a pressão, nos últimos dias, entre vários ministros do STF, para discutir rapidamente o caso no plenário da Corte, de modo a ratificar o entendimento adotado no TSE. O objetivo é reforçar o recado a Bolsonaro de que seus questionamentos sobre a lisura das eleições não serão tolerados e assim, tentar frear uma escalada da desconfiança popular contra as urnas.

No limite, os ministros temem que as críticas contra o TSE e o sistema eletrônico de votação, reiteradamente repetidas pelo presidente, levem ao não reconhecimento de sua eventual derrota na disputa presidencial de outubro.

É essa a razão pela qual o atual presidente do TSE, Edson Fachin, tem buscado nos últimos meses reunir apoio de outras instituições públicas, partidos, entidades da sociedade civil e da comunidade internacional ao sistema eletrônico de votação.

O que diz Nunes Marques

Na decisão que devolveu o mandato a Francischini, Kassio Nunes Marques diz que a decisão do TSE de cassá-lo no ano passado trouxe inovações na interpretação da lei eleitoral que não eram válidas ou consolidadas na disputa de 2018.

Ele questionou, por exemplo, a equiparação da internet à televisão e ao rádio – as declarações de Francischini contra as urnas foram feitas numa transmissão ao vivo pelo Facebook, 22 minutos antes do fim da votação.

A lei eleitoral diz que a “utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político”, podem levar à cassação de mandatos.

A regra, no entanto, é de 1990, e não define expressamente a internet como um desses meios de comunicação – historicamente, a jurisprudência do TSE sempre considerou que a regra se aplicava a veículos tradicionais, como a televisão e o rádio.

Nunes Marques sustenta que só no ano passado, num julgamento de ações do PT contra Bolsonaro, ocorrido no mesmo dia da decisão contra Francischini, o TSE passou a interpretar, de forma consolidada, que a internet poderia ser equiparada aos outros meios.

Ele diz que esse entendimento não estava claro em 2018 e, por isso, não poderia ser aplicado de forma retroativa para prejudicar Francischini. Além disso, apontou diferenças: disse que, na internet, qualquer pessoa pode produzir conteúdo, “a qualquer momento e em qualquer lugar”, “sem que exista alguém com uma ‘chave geral” para fechar a entrada ou a difusão de novas informações”.

No contexto eleitoral, acrescentou, “a manifestação de um candidato não impede nem limita a manifestação de seus concorrentes. Logo, a ideia de que o meio de comunicação pode desigualar a disputa precisa ser repensada aqui em termos diferentes daqueles que estavam na base das interpretações sobre a televisão e o rádio”.

Nunes Marques também contestou o argumento de que a live de Francischini tenha alcançado gravidade suficiente para afetar a normalidade e a legitimidade das eleições, como exige a lei. O ministro disse que não há como provar que as falas do deputado tenham feito diferença para sua eleição.

O deputado foi o mais votado no Paraná, com 427.749 votos, enquanto o segundo colocado obteve 147.565. Apesar do amplo alcance de live – 400 mil compartilhamentos, 105 mil comentários e 6 milhões de visualizações no vídeo – o ministro verificou que esses números foram somados em 12 de novembro, quase um mês após a transmissão.

Não haveria assim garantia de que todas as pessoas que assistiram eram eleitores do Paraná, não tivessem votado no momento da live e decidiram optar por Francischini após assistir ao vídeo. Para Nunes Marques, não é possível cassar o deputado por “presunções e inferências”.

“O fato de o vídeo ter sido transmitido nos últimos 22 minutos da votação, o que, por óbvio, limita significativamente o impacto no equilíbrio e na normalidade do pleito”, afirmou o ministro.

Por fim, o ministro levou em conta a norma da Constituição segundo a qual qualquer regra ou entendimento que se aplique a uma eleição deve ser aprovada com antecedência mínima de um ano até sua realização. Assim, a jurisprudência que considera a internet um meio de comunicação deveria estar consolidada até 2017 para ser aplicada a Francischini.

O que diz o Ministério Público

Quando o caso de Francischini foi analisado pelo TSE, no ano passado, a Procuradoria Geral Eleitoral, que representa o Ministério Público na Corte, manifestou-se a favor da cassação.

Em 2020, o então procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Góes, citou votos de um julgamento no TSE em 2017 no qual alguns ministros já equiparavam redes sociais a meios de comunicação tradicionais.

“Sem sombra de dúvidas, os meios de comunicação social consubstanciam armas muito poderosas para pender a balança eleitoral nas hipóteses em que se revestirem de falsa imparcialidade. No campo da internet, uma rede social é fator potencializador e influenciador da propaganda eleitoral”, dizia um voto do então ministro Tarcisio Vieira de Carvalho.

“É possível, em tese, que o abuso dos meios de comunicação social ocorra pela veiculação nas diversas ferramentas virtuais disponibilizadas na internet”, afirmou, no mesmo julgamento, em 2017, o ministro Luís Roberto Barroso.

“A jurisprudência do TSE não é refratária à configuração do uso indevido de meio de comunicação decorrente do uso de redes sociais, admitindo-a em casos que haja extrapolação do uso normal das ferramentas virtuais”, afirmou em seu parecer o procurador-geral eleitoral.

Ele também considerou abusivas as declarações de Francischini. Afirmou que as urnas que, segundo o deputado, impediriam voto em Bolsonaro, foram periciadas, sem que tenham sido encontradas adulterações em seu funcionamento normal.

“O recorrido excedeu tais prerrogativas ao divulgar notícias inverídicas, de forma deselegante e agressiva, em detrimento da imagem da Justiça Eleitoral e da confiabilidade do sistema eletrônico de votação, sugerindo a existência de um ‘esquema’ com o objetivo de impedir a eleição do então candidato Jair Messias Bolsonaro”, afirmou Brill de Góes.

O que dizem os adversários de Francischini

No STF, a decisão de Nunes Marques foi contestada por um suplente de Francischini que assumiu sua cadeira na Assembleia do Paraná. Paulo Bazana (PSD-PR) afirma que o ministro sequer poderia ter analisado o pedido, argumentando que a defesa do deputado o apresentou dentro de uma ação que discutia outro assunto.

A ação em questão questiona se a cassação de um deputado após sua eleição anula totalmente os votos que ele recebeu, situação em que outros deputados da legenda também são destituídos do mandato, por compartilharem da votação.

Isso ocorreu no caso de Francischini, uma vez que sua cassação levou o PSL, seu antigo partido, a perder outros três deputados na Assembleia Legislativa do Paraná.

Foi por causa dessa situação que a defesa entrou no STF com um pedido para reverter a cassação, dentro de uma ação que já estava sob relatoria de Nunes Marques.

Na sessão do plenário virtual, os ministros também poderão analisar se cabia mesmo a ele analisar o pedido. Caso negativo, a decisão será anulada.

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