O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para a próxima quarta-feira (3) o julgamento de uma ação que interessa a gestores acusados de mau uso dos recursos públicos. Nessa data, o plenário da Corte julgará se novas regras da Lei de Improbidade Administrativa, aprovadas pelo Congresso no ano passado – que só permitem a condenação em caso de dolo, isto é, intenção de causar dano aos cofres públicos –, poderão se aplicar também ao passado.
A reforma foi duramente criticada pelo Ministério Público, autor da maioria das ações da improbidade, por dificultar ainda mais a punição de corruptos. Além de permitir somente a condenação de quem agiu com intenção de lesar o patrimônio público, se enriquecer ilicitamente ou infringir princípios da administração pública (honestidade, imparcialidade e legalidade), a nova lei também aumentou as chances de prescrição do processo.
Agora, os 11 ministros do STF vão decidir se essas novas regras, benéficas para os acusados, mas que valeriam apenas para casos futuros, poderão retroagir para favorecer até mesmo quem já foi condenado no passado. Assim, um prefeito, secretário ou servidor, por exemplo, que já tiver sido punido poderá se livrar do ressarcimento, das multas e até da inelegibilidade.
O presidente do STF, Luiz Fux, pautou a ação atendendo a um apelo do presidente da Câmara, Arhur Lira (PP-AL), principal articulador da aprovação das novas regras. Ele fez uma visita institucional à Corte no fim de junho com 21 líderes partidários e pediu que a ação que discute a retroatividade fosse julgada logo para dar segurança aos prefeitos. O relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, já liberou o caso para julgamento.
O resultado do julgamento terá repercussão geral. Assim, uma decisão pela retroatividade da nova lei deverá obrigatoriamente ser aplicada para todos os casos em tramitação no país. Segundo dados oficiais, existem ao menos 725 processos que podem ser impactados.
O caso concreto a ser julgado envolve uma advogada contratada em 1994 pelo INSS para defender o órgão em ações previdenciárias no interior do Paraná. Ela foi processada porque perdeu o prazo em alguns processos, o que teria feito o INSS perder as causas e suportar um prejuízo de R$ 394 mil. A sentença de primeira instância considerou que ela não cometeu improbidade porque não houve dolo, apenas negligência.
A advogada alega que a ação já prescreveu, porque foi ajuizada só em 2006, mais de cinco anos após a rescisão de seu contrato – tempo padrão para a prescrição na redação da lei na época.
No STF, os ministros julgarão duas questões: se atos de improbidade do passado cometidos sem dolo podem ser perdoados; e se nesses processos aplica-se também o novo prazo prescricional aprovado na revisão da Lei de Improbidade.
Antes de 2021, o prazo de prescrição era de cinco anos após a descoberta do ato de improbidade; agora passou para oito anos, mas a partir do próprio fato. Então, se houver demora para identificar um ato ímprobo, ela passará a contar no prazo.
Além disso, a nova lei criou a prescrição intercorrente: significa que, caso se passe mais de quatro anos entre o recebimento da ação e a sentença, ou entre uma decisão sobre o caso em diferentes instâncias, o caso é arquivado.
Se essa regra se aplicar ao passado, há o temor de que a maioria das condenações caia por terra. Isso porque, segundo um estudo do Conselho Nacional de Justiça, o tempo médio de tramitação de ações de improbidade é de 4,2 anos.
“A prescrição serve para punir a inação do Estado. Se ele demorou e tinha um prazo para seguir, vai ser punido. Mas ele seguia o prazo de acordo com as regras do jogo e não foi omisso na época. Criar agora um prazo menor para voltar no tempo, é alterar as regras do jogo para manipular. É como se eu estivesse num jogo de futebol, com 45 minutos no primeiro tempo e 45 no segundo tempo. No segundo tempo de uma partida, fiz um gol aos 44 minutos do segundo tempo. Mas depois o juiz decide que o jogo agora é só de 30 minutos e anula o gol”, exemplifica o procurador Ronaldo Queiroz, especialista no tema.
Aceitar retroatividade na nova Lei de Improbidade é equívoco, diz procurador
O procurador Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, e um dos maiores opositores da revisão na Lei de Improbidade, afirma que fazer a nova lei voltar no tempo é equívoco do ponto de vista jurídico. A retroatividade da lei mais benéfica para o réu é um princípio do direito penal, mas não do administrativo, como é o caso da improbidade.
“Existe um princípio jurídico que é tempus regit actum. A lei em vigor à época é a que rege o ato. Qual era a lei que valia à época? A lei 8.429/1992. Acabou. A retroatividade é situação excepcional, extraordinária e só vale no campo criminal. Porque quebra os princípios jurídicos insculpidos na Constituição inerentes à segurança jurídica. Você tem que usar a lei que vigorava à época do ato. Você tem que proteger o ato jurídico perfeito, a coisa julgada”, diz.
Livianu critica o intuito da revisão da lei de aplicar para um processo administrativo a lógica do direito penal. Isso ocorreu, por exemplo, em relação aos atos de improbidade que contrariam os deveres de honestidade, legalidade e imparcialidade. Antes, a lei dava alguns exemplos de condutas assim, mas abria a possibilidade de enquadrar outros atos semelhantes. Agora, só podem ser punidas as condutas previstas no texto.
“O movimento político foi de destruição da Lei de Improbidade, distorcendo a lei ao importar conceitos, de maneira adulterada, do direito penal. É da essência do direito administrativo não enumerar um rol taxativo de condutas, com uma enumeração exemplificativa. Você não esgota as condutas. O que fizeram: só se pune o que estiver expressamente previsto na lei. Tornam impunes todas as carteiradas, assédios, desvios de vacina, ocultação de informações, etc. É um veneno que foi fabricado para garantir a impunidade.”
Para ele, seria mais um erro o STF, agora, transportar a retroatividade da lei mais benéfica, outro princípio do direito penal, para os atos de improbidade.
Outra ações sobre o tema em trâmite no STF
Desde maio, aliás, tramita na Corte uma outra ação, para tentar reverter os principais retrocessos aprovados pelo Congresso na Lei de Improbidade. A ação tem como relator o ministro André Mendonça, mas ainda não está pronta para julgamento. Se, no entanto, o STF aprovar a retroatividade nas ações a serem julgadas em agosto, ficaria muito mais difícil reverter, posteriormente, as absolvições, caso a ação contra a revisão seja julgada procedente.
No dia 3 de agosto, além da ação sobre a retroatividade, Fux pautou outras duas relacionadas à nova Lei de Improbidade, mas sobre um tema lateral: a possibilidade de procuradorias municipais ajuizarem as ações. A reforma excluiu esses órgãos e também a advocacia pública, que agora querem retomar esse poder.
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