STF começou a julgar se o não pagamento do ICMS pode ser considerado crime: placar, por enquanto, é de 2 a 1 por criminalizar.| Foto: Nelson Jr/STF

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quarta-feira (10) se não recolher o ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, pode ser considerado crime e, como tal, passível de prisão. Por enquanto, há dois votos favoráveis à penalização, dos ministros Luis Roberto Barroso, relator do caso, e Alexandre de Moraes, e um voto contrário, de Gilmar Mendes. O julgamento será retomado nesta quinta-feira (12).

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O resultado provisório do STF está corroborando, por 2 votos a 1, decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em agosto de 2018, considerou que o não pagamento do ICMS caracterizaria crime. Segundo o STJ, o inadimplente pode ser enquadrado em apropriação indébita tributária, crime que leva a prisão de seis meses a dois anos.

O caso específico analisado pelo STF, que terá repercussão geral, diz respeito a um casal de comerciantes de Santa Catarina que foi denunciado pelo Ministério Público do estado por não recolher o ICMS, contraindo uma dívida de R$ 30 mil. Apesar de não ter pago o ICMS, o casal declarou o imposto.

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A defesa do casal sustentou que o não pagamento, sem sonegação ou tentativa de ocultar a dívida, não pode ser matéria penal, já que a prisão por dívida é vedada pela Constituição. O relator do caso é o ministro Luis Roberto Barroso.

Em março deste ano, Barroso realizou uma audiência pública para debater o caso e reuniu representantes dos dois lados, além de órgãos da sociedade interessados no tema, já que, para ele, a questão extrapola o âmbito jurídico.

“Quando eu convoco audiência pública, é porque tenho dúvida real. Esse não era um tema banal, e acho que foi enriquecido pela participação de todos os advogados e do Ministério Público”, afirmou Barroso durante seu voto na sessão plenária desta quarta.

Embora trate especificamente do não pagamento do ICMS, o caso poderia ter repercussão para outros impostos. Segundo o advogado Pierpaolo Bottini, uma decisão tomada pelo STF neste caso “abre as portas para todos os impostos que compõem preços de produtos”, como é o caso do ISS (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza).

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O que alegam os defensores da penalização por deixar de pagar o ICMS

Ao definir que o inadimplente deveria ser penalizado, em 2018, o STJ classificou o não pagamento do ICMS como crime de apropriação indébita tributária. O tribunal entendeu que o comerciante não pode reter o valor do ICMS, por ser só um intermediário entre o consumidor, que paga o imposto, e o Fisco, que o recolhe.

O comerciante, então, deveria recolher esse dinheiro e repassá-lo imediatamente ao Fisco. Quando fica com ele, estaria se apropriando do tributo que foi pago pelo consumidor.

Na sessão desta quarta, o relator Luis Roberto Barroso concordou com essa interpretação. “Na apropriação indébita tributária, a censurabilidade está em tomar para si um valor que não lhe pertence”, afirmou.

O ministro considerou esse entendimento “totalmente coerente” com decisão passada do STF no recurso extraordinário 574.706, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, segundo o qual “o ICMS não integra o patrimônio do sujeito passivo”. Por isso, segundo ele, a conduta não equivale a mera inadimplência fiscal.

Outro argumento levantado tanto no voto do ministro Barroso como nas sustentações orais que precederam a votação foi o de que o não pagamento do ICMS acaba se tornando uma vantagem competitiva, uma vez que, hoje, não pode ser considerado nem sonegação nem apropriação indébita. Por isso, o comerciante que cobra o ICMS e não o repassa ao Fisco lucra tanto quanto aquele que sonega o imposto.

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Por fim, os defensores da penalização sustentaram que a possibilidade de prisão, apontada como inconstitucional pelos defensores do provimento do recurso, é muito remota.

“Nem se pedir para ser preso o sonegador vai conseguir”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes. “Existem inúmeras fórmulas dentro do nosso sistema tributário de interpretações que acabam levando a dificuldades e a prescrições. As penas são baixíssimas.”

O que se alega contra criminalizar os inadimplentes

Um dos principais argumentos contrários à tese do STJ é o de que a Constituição veda a prisão por dívida. Segundo o advogado Pierpaolo Bottini, uma situação em que alguém “não pagou o imposto, mas o declara e reconhece a dívida” caracteriza “um caso de insolvência, de inadimplência”, mas não de sonegação ou fraude, que poderiam ser criminalizadas.

“A inadimplência não pode ser cobrada através do Direito Penal. Isso é um preceito constitucional. Você pode fazer execução fiscal, penhorar bens, mas o Direito Penal é absolutamente estranho a essa situação”, afirma Bottini.

Para o advogado, a interpretação de que o comerciante, no caso em julgamento, é só um intermediário é equivocada. “O consumidor não paga o tributo, ele paga o valor da mercadoria. Quem paga o imposto, quem é o contribuinte, é o comerciante”, diz.

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O valor pago pelo consumidor, segundo Bottini, torna-se parte do patrimônio do comerciante. “O dinheiro é dele, não é um dinheiro do consumidor. É um dinheiro que entra no patrimônio dele. Se ele deixa de pagar, ele é o inadimplente. Ele não é um repassador de dinheiro. Ele é um recebedor de dinheiro e, depois, ele paga o imposto.”

Na mesma linha, o ministro do STF Gilmar Mendes diz que “o caráter indireto do ICMS não permite afastar seu ingresso no patrimônio do vendedor como receita”. Mendes diz ainda que “grande parte da doutrina do Direito Penal, na atualidade, defende posicionamento no sentido de descriminalizar irregularidades meramente administrativas”, como é, para ele, o caso em questão.

Em sustenção oral prévia à votação, Thiago Campos, defensor público de Santa Catarina, lembrou que, só em seu estado, há 38 mil inadimplentes do ICMS. No estado de São Paulo, há 170 mil. Com isso, só nessas duas unidades federativas, uma decisão do STF favorável à criminalização da inadimplência converteria, automaticamente, mais de 200 mil pessoas em criminosas.