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Durante julgamento realizado na tarde desta quarta-feira (14), a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se declarou a favor de ratificar o entendimento do presidente da Corte Luiz Fux e derrubar a decisão do ministro Marco Aurélio Mello que libertou André de Oliveira Macedo, o André do Rap, um dos líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital).
Foi graças a esse recurso concedido por Marco Aurélio que o traficante do PCC voltou para as ruas. Após obter o habeas corpus, André do Rap foi liberado da penitenciária de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, no último sábado (10). Agora, o criminoso do PCC está foragido.
Até o momento, se manifestaram em favor da prisão do traficante o presidente da Corte e os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli. O julgamento será retomado nesta quinta-feira (15), mas com seis votos já há maioria para mandar o criminoso de volta à prisão. A tendência é que nove dos dez ministros que participam do julgamento votem em favor da prisão de André do Rap.
Apesar de endossarem a decisão de Fux de sustar uma liminar de um colega, os ministros alertaram ao presidente da Corte que este instrumento deve ser utilizado em caráter “excepcionalíssimo”. O receio dos ministros é que Fux abra um precedente que poderia transformar tanto ele quanto os próximos presidentes do STF em uma espécie de “super ministro”, capaz de cassar decisões de colegas por simples discordância nos autos dos processos.
“O presidente (do tribunal) não pode substituir o relator na própria ação”, alertou a ministra Rosa Weber. Já o ministro Luís Roberto Barroso classificou o expediente de um ministro cassar uma decisão de um colega como “atípico e indesejável". "O dever de revisar é do órgão emissor da sentença", ratificou o ministro Edson Fachin.
Somente Fux foi responsável por duas decisões consideradas controversas do ponto de vista institucional: a suspensão do habeas corpus concedido por Marco Aurélio e suspensão da autorização de uma entrevista do ex-presidente Lula, em 2018, sustando decisão do ministro Ricardo Lewandowski. Mello, por exemplo, classificou a suspensão de sua liminar como uma decisão “antropofágica” e isso desencadeou uma disputa pública entre os dois ministros com direito à ofensas pessoais.
André do Rap debochou da Justiça e Marco Aurélio que arque com decisão, diz Fux
Durante o julgamento, os ministros criticaram, sem citar o colega, a interpretação dada por Marco Aurélio ao parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal. O novo decano da Corte soltou o traficante com base na determinação de que “decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.
Os ministros, no entanto, defenderam que a avaliação sobre a liberdade ou não de um detento com base no parágrafo único do CPP deve ser responsabilidade do juiz que proferiu a decisão inicial. Alguns ministros como Gilmar Mendes, Cármen Lucia e Edson Fachin já adotaram essa interpretação em decisões pretéritas à de André do Rap.
O presidente do STF foi o crítico mais enfático da decisão de Marco Aurélio Mello. Sem citar diretamente o colega, Fux afirmou que “o reforço da colegialidade dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal tem sido preocupação constante de seus membros”. No Supremo, apenas Marco Aurélio entendeu que o parágrafo único da lei significaria a libertação automática de presos pelo descumprimento do prazo de 90 dias para manifestação judicial sobre uma prisão preventiva.
"A decisão liminar além de gerar grave risco à ordem pública estava totalmente em desacordo com a jurisprudência colegiada do STF", disse Fux sobre o habeas corpus de Mello. “Os estados gastam milhões para recapturar um foragido dessa grandeza criminosa. E (André do Rap) aproveitou-se da decisão ora impugnada para evadir-se imediatamente. Cometendo fraude processual ao indicar endereço falso. Debochou da Justiça. Debochou da Justiça”, reforçou Fux que ainda emendou. "Também sob o ângulo do desgaste, é melhor deixar o relator pagar pelo preço social de sua liminar", disse Fux em referência ao colega.
Interpretação de artigo do Código Penal que embasou soltura de André do Rap é criticada
Já o ministro Alexandre de Moraes destacou que o problema do parágrafo único não foi a inovação trazida pelo pacote anticrime aprovado pelo Congresso, mas a interpretação dessa novidade. “Não precisamos buscar culpados, nós precisamos buscar e verificar a causa e a finalidade pretendidas pela alteração legislativa”, disse o ministro em relação à mudança do artigo 316 do CPP.
“É inegável que a manutenção da soltura, da liberdade do paciente, que inclusive, desrespeitando as condições fixadas, evadiu-se do próprio domicílio que ele indicou, compromete a ordem e a segurança pública. Ele é de altíssima periculosidade, tem uma dupla condenação, em segundo grau, por tráfico transnacional de drogas. Não é uma mera prisão preventiva”, complementou Alexandre de Moraes.
O ministro Luís Roberto Barroso, defensor da execução de prisão após decisão de segunda instância, foi mais enfático e ressaltou que esse é um exemplo de como “o sistema punitivo brasileiro tem falhado”. Para ele, “a certeza da impunidade tem sido um incentivo irresistível para os corruptos em geral”. “Ele ainda é considerado por decisão do STF como inocente. Nós mantivemos a presunção de inocência de alguém condenado em segunda instância em dois processos criminais”, lembrou o ministro Barroso. Apesar disso, o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral ressaltou que a responsabilidade por uma mudança na regra sobre a prisão em segunda instância cabe ao Congresso e não ao Poder Judiciário.
Agora, a expectativa é que os ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski também votem pela manutenção da prisão de André do Rap. Porém, os ministros ainda vão discutir a abrangência da interpretação do artigo 316. Se eles deixarão claro que o transcurso do prazo de 90 dias não acarretaria automaticamente a revogação da prisão preventiva ou se esse artigo abrange, ou não, prisões decorrentes de condenações em segunda instância.