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O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou na última quinta-feira (6) um julgamento com potencial para criar novas turbulências na relação com o Poder Executivo. Está em análise uma ação de partidos de oposição para obrigar o governo a retomar a aprovação de projetos do Fundo Amazônia, um caixa abastecido por Noruega, Alemanha e Petrobras para financiar medidas de preservação da floresta. PT, PSB, Psol e Rede dizem que R$ 3 bilhões estão represados e deveriam estar sendo aplicados na redução do desmatamento.
Originalmente, a ação estava dentro de um pacote de processos de temática ambiental que começaram a ser analisados em março, após mobilização de ativistas, intelectuais e artistas que militam na causa. Na época, uma das principais ações, ajuizada pelos mesmos partidos, contra o alegado “desmonte” na fiscalização da Amazônia no atual governo, não resultou numa decisão, por causa de um pedido de vista do ministro André Mendonça.
A ação sobre o Fundo Amazônia também acabou tendo o julgamento adiado. Ela voltou agora à pauta após reiterados pedidos de advogados de várias ONGs – diretamente interessadas na aprovação de novos projetos –, e que há semanas vinham a Brasília aguardando o dia para sustentarem a importância do fundo na tribuna, a fim de convencerem os ministros.
A ação tem como relatora a presidente do STF, Rosa Weber, e foi ela quem marcou o julgamento. Na sessão de quinta, apenas advogados, governo e Procuradoria-Geral da República se manifestaram. Na retomada, marcada para o próximo dia 19, é a ministra quem dará o primeiro voto, que já está pronto. Nos bastidores, porém, auxiliares de outros ministros acham provável que não haja decisão antes da eleição – existe a chance de que um deles peça vista ou mesmo que a ministra, após seu voto, suspenda o julgamento e marque uma data futura para continuidade. No fim da sessão de quinta, a própria Rosa Weber disse que iria avaliar o momento mais oportuno de retomar o julgamento, não nesta semana, por causa do feriado de quarta-feira (12), dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil.
Por trás da probabilidade de adiar a decisão, está o receio de conturbar ou interferir no processo eleitoral, especialmente num momento em que Jair Bolsonaro (PL) volta a criticar supostas ingerências do STF em políticas do governo, e em que vários senadores eleitos e aliados do presidente defendem maior fiscalização do Senado sobre a atuação da Corte. Rosa Weber assumiu a presidência do tribunal, em setembro, disposta a evitar pautas que o coloquem em choque com outros poderes e que possam eventualmente alimentar a polarização política neste ano eleitoral.
Além disso, o caso em si não tem uma solução fácil, e mesmo uma decisão da Corte contrária ao governo – embora simbolicamente desgastante, num tema sensível para a imagem do país, inclusive em âmbito internacional – poderia se revelar pouco efetiva. Trata-se de uma “ação direta de inconstitucionalidade por omissão”, que serve para tentar forçar o governo a executar uma ação ou o Congresso a regulamentar uma obrigação determinada pela Constituição – no caso, a proteção do meio ambiente no bioma amazônico.
O problema, comum nesse tipo de ação, é que, em geral, o STF é incapaz de obrigar os demais poderes a tomar muitas das medidas pleiteadas pelas partes interessadas. Caso fossem de competência do próprio Judiciário, seria mais simples. Mas como, no caso, envolvem políticas públicas tocadas pelo Executivo, os ministros muitas vezes não são capazes de definir como implementá-las em seus detalhes técnicos e administrativos.
Fora que não há instrumentos jurídicos para punir efetivamente os gestores em caso de descumprimento desse tipo decisão, que serve mais como um apelo do STF aos demais poderes – é comum que elas deem um prazo para eles adotarem alguma medida na direção determinada pela Corte. O imbróglio do Fundo Amazônia tende a esse resultado.
Os partidos acusam o governo de reter dinheiro do fundo. O governo, por outro lado, diz que quem provocou o travamento dos repasses para novos projetos foi a Noruega, que tem poder para isso em razão de ser uma das financiadoras.
O que ocorreu foi que, em 2019, o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles alegou ter encontrado indícios de mau uso dos recursos, no passado, em projetos que, segundo ele, eram pouco eficientes. Ele mandou esses casos para fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU), órgão do próprio Executivo, e do Tribunal de Contas da União (TCU), ligado ao Congresso. Ele, então, resolveu também tentar mudar a governança da gestão dos recursos.
Como o país nórdico discordou das mudanças propostas, que mudariam a forma de escolha dos projetos, bem como o acompanhamento de sua execução – ações nas quais o governo teria mais influência e participação –, o fundo acabou travado. As ONGs, acadêmicos e ativistas da área se revoltaram e passaram a pressionar partidos de oposição para acionar o STF.
Entendendo o Fundo Amazônia
O Fundo Amazônia surgiu no fim dos anos 2000, por iniciativa da Noruega, interessada em financiar projetos ambientais em países em desenvolvimento. Isso era parte de um compromisso assumido por países desenvolvidos em acordos internacionais, firmados desde os anos 1990, para incentivar os demais a adotar um desenvolvimento sustentável, mais custoso e demorado, de modo a frear efeitos danosos da mudança climática.
O Fundo Amazônia foi a primeira iniciativa, voluntária, dentro dessa lógica (Salles, no entanto, sempre argumentou que seu valor é baixo, em relação a tudo que o Brasil teria direito, por preservar 84% da floresta original e 66% de seu território, enquanto a Europa preservou apenas 4% e os Estados Unidos, 18% da vegetação nativa em seus territórios).
Desde o início, coube ao BNDES aprovar os projetos das ONGs e acompanhar sua execução. As diretrizes para isso, no entanto, são dadas por um Comitê Orientador, composto de forma tripartite por representantes do governo federal, dos estados da Amazônia Legal e das próprias ONGs, universidade e outras entidades da sociedade civil ligadas à área ambiental – cada grupo com o mesmo peso no colegiado. Essas diretrizes têm de ser aprovadas por unanimidade entre todos os participantes em reuniões que ocorriam uma vez ao ano.
O governo Bolsonaro, em 2019, quis mudar esse formato, após encontrar indícios de favorecimentos a certas ONGs e associações, especialmente ligadas a políticos da região. Propôs reuniões bimestrais do Comitê Orientador, em que as diretrizes poderiam ser aprovadas por 2/3 dos integrantes, não mais por consenso. Além disso, o órgão teria mais peso na escolha dos projetos e na fiscalização de sua execução; caberia ao BNDES apenas a emissão de pareceres para avaliar a viabilidade e a consistência deles. A Alemanha concordou com as mudanças, mas a Noruega não. Por isso, passou a vetar novos projetos.
O que o governo disse no STF sobre a retomada do Fundo
Os partidos acusam o governo Bolsonaro de inviabilizar o Fundo Amazônia. O governo, por outro lado, diz que projetos que já existiam continuam em andamento, tendo sido desembolsados, desde 2019, mais de R$ 400 milhões para as ONGs. Na última quinta, início do julgamento, a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu a adoção de um novo modelo de governança como o proposto por Salles em 2019. Argumentou que haveria mais transparência, eficiência e controle na aplicação dos recursos, com maior visibilidade dos resultados.
As três ONGs interessadas no tema – Conectas Direitos Humanos, Instituto Alana e o Laboratório do Observatório do Clima – pediram a retomada imediata do funcionamento do fundo para novos projetos. Alertaram para a necessidade de combate mais efetivo ao desmatamento, de modo a evitar a “savanização” da Amazônia.
Diante do impasse entre Brasil e Noruega, que persiste, a tendência é que o STF também aguarde qual candidato à Presidência sairá vitorioso das urnas no próximo dia 30, no segundo turno das eleições. A perspectiva é que, se Bolsonaro for reeleito, a solução poderia ser mais difícil e o impasse com a Noruega continuar. Se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltar à chefia do Executivo, possivelmente a nova gestão reabria conversas diplomáticas com o país nórdico para viabilizar a aprovação de novos projetos, mas nos mesmos moldes de como antes era feito.