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Estão à espera de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) três ações que podem reduzir o impacto fiscal de mudanças legais que elevam, artificialmente, o teto de gastos — a regra aprovada em 2016 que limita o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior. Mais do que isso: nas mesmas ações, os ministros ainda têm o poder de eliminar o que se tornou, nos últimos anos, o maior instrumento de negociação política do Planalto para obter votos e apoio no Legislativo: as emendas parlamentares de relator — que criam o que foi batizado de orçamento "secreto" ou "paralelo".
Ajuizadas em junho pelos partidos Cidadania, PSB e Psol, as ações no STF têm como relatora a ministra Rosa Weber. Ela já colheu informações de todos os órgãos que devem ser consultados: governo, Congresso e Procuradoria-Geral da República (PGR). Não há, no entanto, previsão de uma decisão individual dela para suspender liminarmente o pagamento dessas verbas, nem de uma decisão do plenário (pelos 11 ministros) sobre a constitucionalidade desse tipo de emenda parlamentar.
Nos últimos dias, ministros do STF têm sido procurados por lideranças do Congresso e por ministros da ala política do Executivo para não derrubarem esse tipo de repasse, considerado fundamental para agradar as bases dos políticos, especialmente num ano eleitoral como 2022. O presidente do STF, Luiz Fux, avisou a colegas que, a partir do momento que Rosa Weber liberar as ações para julgamento, irá pautá-las rapidamente.
As emendas de relator, previstas em normas internas do Congresso, tornaram-se importantes no governo do presidente Jair Bolsonaro por embutirem montantes bilionários que são negociados por deputados e senadores diretamente junto ao relator da proposta de lei orçamentária. Antes, elas serviam apenas para corrigir falhas na liberação das verbas dos demais tipos de emenda. Mas, desde 2020, passaram a incluir valores bem mais altos para atender a políticos aliados.
No Orçamento do ano passado, as emendas de relator somaram R$ 20,1 bilhões (dos R$ 36,1 bilhões destinados, no total, à indicação de parlamentares, que incluem também emendas individuais, de bancada e de comissão). Para 2021, foram aprovados R$ 18,5 bilhões para emendas de relator (dos R$ 35,5 bi do total de emendas parlamentares). O valor para 2022 ainda não está definido e será discutido pelos deputados e senadores até dezembro – o governo propôs disponibilizar R$ 10,4 bilhões para emendas individuais e R$ 5,7 bilhões para emendas de bancada, totalizando R$ 16,2 bilhões no total.
Apesar de o governo ter zerado a previsão de emendas de relator para o ano que vem, há negociações em curso para reservar R$ 16 bilhões para elas, com o espaço fiscal que seria aberto com o teto de gastos mais alto.
Depois de aprovadas no Orçamento, as verbas costumam ser liberadas pelo governo para aqueles que votam conforme os interesses do Planalto no Congresso. Neste ano, o controle sobre elas está concentrado nas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em relação a emendas reivindicadas por deputados; e no ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, nas emendas de relator de interesse dos senadores.
Partidos argumentam que emendas do relator não são transparentes
O problema, segundo PSB, Psol e Cidadania, é que há pouca transparência na liberação desses recursos – daí o nome "orçamento secreto". Não se sabe ao certo o quanto é liberado por indicação de cada parlamentar e com quais critérios, mas apenas os programas de governo e os ministérios responsáveis por eles. Isso porque os pedidos de liberação das verbas junto aos ministérios são feitos de forma informal e sem publicação oficial, o que dificulta o acompanhamento e a fiscalização. Os pagamentos, assim, não atenderiam aos princípios da impessoalidade, da eficiência e da transparência. "A ausência de critérios alocativos sólidos traz profundos prejuízos à efetividade e à equidade das políticas públicas", informa o Cidadania, que pede a adoção de critérios de distribuição socioeconômicos.
Por esses motivos, os partidos pediram ao STF para suspender a liberação dos recursos neste ano e declarar as emendas de relator inconstitucionais. Isso cancelaria qualquer disponibilização em 2022, para quando é esperada uma liberação maior, pelo fato de ser um ano eleitoral – a regra aprovada pelo Congresso na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevê o pagamento delas até seis meses após a sanção da lei.
E desde quando Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes (Economia) cederam aos apelos de parlamentares do Centrão para elevar o teto de gastos, cresceu o temor de um rombo maior por meio das emendas de relator. Isso porque a tendência é que o teto seja driblado usando um artifício contábil, mudando a forma de calcular a inflação do ano anterior para definir o limite de gastos. Em vez de considerar a alta de preços acumulada de julho a junho, será levado em conta o período de janeiro a dezembro. O índice será maior e permitirá, portanto, um gasto maior. Guedes disse que serão apenas R$ 30 bilhões para complementar o Auxílio Brasil em mais R$ 100 para 17 milhões de pessoas.
Mas cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, estimam que a mudança nas regras abrirá um espaço orçamentário muito maior, além do necessário para pagar o benefício social. Isso porque a mudança no cálculo da inflação será retroativa, desde 2017. Em vez de as despesas do ano-base de 2016 serem corrigidas em 32% para 2022, passariam a incidir 36%. O resultado são R$ 47 bilhões extras, muito além do necessário para o Auxílio Brasil.
Para Gil Castello Branco, presidente da ONG Contas Abertas, que monitora os gastos públicos, o excedente poderá servir justamente para pagar as emendas de relator, que ainda terão o valor definido no Congresso. "Essa ânsia do próprio Congresso de aprovar [o furo do teto] não é à toa. Não é só por conta do auxílio; é por causa das emendas de relator. Nesse espaço gerado, onde passa o boi, passa a boiada. Onde passa Auxílio Brasil, passa emenda de relator e também a bolsa-caminhoneiro", diz ele, em referência à promessa de Bolsonaro de pagar um outro benefício para tentar compensar a alta no preço do diesel para os transportadores.
Governo, Congresso e PGR defendem, no STF, as emendas de relator
Nas ações em andamento no STF, a Presidência da República, a Advocacia-Geral da União, a Câmara, o Senado e a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentaram pareceres favoráveis às emendas de relator. Disseram, basicamente, que não cabe ao Judiciário interferir na destinação de verbas orçamentárias definida por Executivo e Legislativo.
"Se o próprio Executivo não poderá cancelar valores incluídos ou acrescidos em decorrência da aprovação de emendas, mas tão-somente nas hipóteses cumulativas previstas no § 7º do art. 4º da LOA [impedimento técnico ou legal ou concordância do autor da emenda], com muito mais razão não compete ao Poder Judiciário interferir no exercício dessa prerrogativa legal, pois a ele não é atribuída, seja do ponto de vista técnico, seja político-administrativo, a função de definir os recursos para as políticas públicas estatais ou a alocação em programações que possuam caráter nacional", afirmou o parecer enviado por Bolsonaro.
Em parecer conjunto, Câmara e Senado argumentaram de forma semelhante: "Não cabe ao Poder Judiciário alterar as escolhas legitimamente feitas pelo legislador, como as referentes às programações incluídas na lei orçamentária por meio de emendas de relator."
Na mesma linha, opinou a PGR: "Embora a iniciativa dos projetos das leis orçamentárias seja privativa do Presidente da República, ao Congresso Nacional é que cabe deliberar sobre eles, inclusive com a aprovação de emendas aos projetos, independentemente de terem sido formalizadas pelo relator-geral, pelos relatores setoriais, pelas comissões, pelas bancadas estaduais ou, individualmente, pelos parlamentares."