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O ministro Gilmar Mendes liberou para julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação que pode autorizar a volta do quinquênio para juízes federais. Trata-se de um aumento de 5% no salário, concedido a cada cinco anos de forma automática. Desde 2022, os magistrados tentam ressuscitar o benefício, extinto em 2006, tanto no âmbito do próprio Judiciário, quanto do Congresso.
No STF, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) tenta obter o “Adicional por Tempo de Serviço” (ATS) numa ação que busca derrubar uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU). No ano passado, o órgão suspendeu uma decisão do Conselho da Justiça Federal (CFJ) que permitiu que os seis Tribunais Regionais Federais (TRFs), espalhados pelo país, pagassem o benefício. O sindicato dos juízes ainda acionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para permitir o pagamento retroativo, desde 2006, para toda a categoria.
O impacto seria quase bilionário e até o governo, que mal consegue controlar o aumento de suas despesas, entrou em campo para tentar cortar o privilégio para os juízes, que já se encontram no topo do funcionalismo público. Nos cálculos do TCU, o pagamento anual para os 1,9 mil juízes federais ativos no país passaria de R$ 200,4 milhões. Se for determinado o pagamento retroativo, a União teria de desembolsar mais R$ 870 milhões.
Toffoli liberou pagamento do penduricalho
No ano passado, a pedido da Ajufe, o ministro Dias Toffoli, numa decisão individual, cassou a decisão do TCU, liberando, na prática, o pagamento do penduricalho.
Alinhada com a contrariedade do governo, a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu e, em março, o caso começou a ser julgado na Primeira Turma do STF, formada, além de Toffoli, pelos ministros Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Flávio Dino.
Toffoli votou contra o TCU e a favor do adicional, mas Gilmar Mendes pediu vista e parou o julgamento. No último dia 26, o decano liberou o processo para deliberação do colegiado, permitindo que o julgamento seja retomado em agosto.
Em sua decisão, Toffoli considerou que o TCU não tem poder para interferir na gestão do Judiciário, tarefa que caberia ao CNJ.
“Resta evidenciada, no presente caso, a ingerência do Tribunal de Contas da União na competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça para fiscalizar os atos praticados pelos órgãos do Poder Judiciário (incluindo-se, in casu, os atos do Conselho da Justiça Federal)”, escreveu.
AGU e TCU rebatem argumentos de Toffoli
O recurso da AGU desmonta esse raciocínio com o texto expresso da Constituição. O artigo 71 diz que compete ao TCU “realizar inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário”.
O artigo 103-B, que rege o funcionamento do CNJ, diz que cabe ao órgão apreciar atos administrativos do Judiciário “sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União”.
O TCU ainda diz que foi o próprio STF e o CNJ que, em 2006, determinaram o fim do quinquênio para todos os juízes do país, a partir do entendimento de que os salários já bastavam para remunerar a categoria. A volta do benefício seria inconstitucional e irregular.
“Havendo pagamento do pleiteado a título de Adicional de Tempo de Serviço, seja por meio de inclusão em folha ou pagamento retroativo, haveria real dificuldade para a União reaver esses valores”, afirmou a AGU, emendando que haveria grave e irreparável prejuízo ao caixa público.
Congresso arma bomba ainda maior
No Congresso, se arma desde 2022 uma bomba fiscal ainda maior, com patrocínio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Também por pressão dos juízes, foi aprovada em abril, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, uma proposta de emenda à Constituição (PEC 10/2023) que estabelece a volta do quinquênio para todos os juízes do país, federais e estaduais, procuradores e promotores do Ministério Público, além de defensores públicos e delegados da Polícia Federal.
Segundo um parecer da Consultoria Legislativa do Senado, encomendado pela liderança do governo, o impacto em 2024, 2025 e 2026 seria de R$ 81,6 bilhões.
"Este valor equivale a 2,32% de toda a despesa discricionária da União, ou seja, mais de dois por cento do total de recursos disponíveis para a execução de políticas públicas na esfera federal (exceto transferências de renda), concentrados em algumas dezenas de milhares de agentes públicos beneficiários que já dispõem de salários entre os mais elevados no universo de assalariados públicos e privados", diz o parecer.
Não só a União ficaria prejudicada, mas também os estados, de onde saem os recursos para pagar os salários dos juízes e promotores estaduais. Segundo a Consultoria do Senado, haveria “significativa aproximação ao limite máximo [com gastos] de pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal, do qual já se encontram bastante próximos na maioria dos casos”.