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Interceptação telefônica

STF pode limitar escutas em julgamento de caso que teve atuação de Moro e Deltan

Gilmar Mendes STF
Relator do caso no STF, Gilmar Mendes já negou pedidos para suspender outras ações baseadas em escutas que duraram mais de 30 dias (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)

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O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar, nesta quarta-feira (16), se interceptações telefônicas em investigações podem durar mais de 30 ou 60 dias. A decisão terá repercussão geral e, caso seja fixado um prazo máximo, há risco de anulação de operações de combate ao crime organizado e a esquemas de corrupção, cujos alvos foram grampeados por mais tempo.

O caso específico a ser julgado remonta ao início dos anos 2000 e envolve o empresário uruguaio Rolando Rozenblum Elpern e seu pai, Isidoro Rozenblum Trosman. Eles eram donos da Sundown, famosa fabricante de bicicletas na época sediada em Curitiba. Em 2006, foram condenados por corrupção ativa, acusados de subornar dois auditores fiscais para sonegar impostos.

Curiosamente, o caso envolve dois protagonistas da Operação Lava Jato, iniciada em 2014. O juiz que condenou os Rozenblum foi Sergio Moro, então na 2ª Vara Federal de Curitiba. O autor da da denúncia foi o ex-procurador Deltan Dallagnol, que na década seguinte coordenou a força-tarefa que investigou o petrolão.

Os empresários foram investigados no âmbito da Operação Pôr do Sol, desdobramento de uma investigação mais famosa que também passou por Moro, o caso Banestado, que descobriu contas especiais no banco estadual do Paraná que remetiam dinheiro sujo ilegalmente para o exterior – Rolando e Isidoro fizeram transações desse tipo, segundo as investigações.

Os dois foram presos em 2006 por Moro, com base em interceptações telefônicas que duraram mais de dois anos. E foi por isso que, em 2009, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, anulou todas as provas do caso e a própria condenação, que já havia sido confirmada na segunda instância, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

No julgamento, por unanimidade, os ministros da Sexta Turma do STJ consideraram “ilícita a prova resultante de tantos e tantos e tantos dias de interceptação das comunicações telefônicas”. Disseram que a medida poderia ser decretada por 30 dias, ou, no máximo, 60 dias, prazo limite estabelecido pela Constituição para uma quebra generalizada no sigilo das comunicações, caso fosse decretado no país o estado de defesa, só possível numa situação extrema, de guerra, por exemplo.

Na época, os Rozenblum estavam foragidos no Uruguai, que negou a extradição deles para o Brasil, por serem nascidos lá. Eles ainda vivem no país vizinho e, na Justiça brasileira, o caso prescreveu.

Na época da decisão do STJ, Dallagnol protestou. Em nota, disse que todas as renovações foram fundamentadas e que a interceptação prolongada era necessária para investigar a complexidade do esquema.

“Não se tratavam de meras especulações, como bem demonstrou o resultado dos trabalhos. As pessoas investigadas sofreram, em seguida aos monitoramentos, vários processos criminais que lhes imputaram a prática de muito mais de cem crimes, dentre eles delitos de falsidade, descaminho, formação de quadrilha, contra o sistema financeiro nacional e de corrupção”, disse.

Será julgado no STF, nesta quarta, o recurso apresentado pela Procuradoria-Geral da República, no qual o principal objetivo é defender a validade de escutas autorizadas pela Justiça que ultrapassem 30 dias, de modo a preservar essas investigações.

O que dizem a lei e suas interpretações

A lei que regula as interceptações telefônicas, de 1996, diz que a medida “não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.

Muitos advogados criminalistas, de viés garantista, sustentam que a redação permite a interpretação de que a diligência só pode ser prorrogada uma única vez, e não ser renovada sucessivamente, a cada 15 dias.

“O legislador ordinário foi cauteloso, agindo nos estritos limites constitucionais, ao estipular prazo para duração da interceptação inferior aos sessenta dias previstos no art. 136, § 2º, da CF [estado de defesa]. Fê-lo, aliás, com aguda precisão: quinze dias, renováveis por mais quinze, por uma vez, sendo indiferente a complexidade, a gravidade ou sofisticação do crime que se apura”, afirmou, em parecer levado ao STF, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

O Ministério Público diz que não, por entender que a expressão “uma vez”, no texto da lei, designa uma condição para a renovação da interceptação, no caso, o requisito da indispensabilidade da medida para obtenção da prova na investigação.

“Existe um limite temporal para a interceptação telefônica. Todavia, a orientação prevalente é a de que o prazo legal de 15 dias pode ser renovado por igual período, sem restrição quanto à quantidade de prorrogações que podem se efetivar, desde que comprovada a necessidade de tais diligências para as investigações. Isto porque o mencionado dispositivo de lei manteve silente quanto ao número de renovações, sobressaindo, apenas, a exigência da prolação de nova decisão judicial limitadora do direito intimidade, a cada novo pedido de quebra do sigilo”, diz o recurso apresentado ao STF pela PGR.

Do ponto de vista constitucional, há uma oposição entre o direito à privacidade dos indivíduos investigados, de um lado, e o direito à segurança pública da coletividade, de outro.

Desde 2010, há precedentes no STF que permitem a renovação por mais tempo da interceptação, no julgamento de casos individuais. No julgamento, desta quarta, no entanto, será fixada uma tese que deverá ser seguida por todo o Judiciário.

Outras investigações que podem ser anuladas

Não há uma estimativa oficial de quantas investigações e processos penais podem ser anulados caso o STF considere ilegais provas obtidas em escutas que duraram mais de 30 dias.

Mas desde 2013, quando a Corte decidiu que analisaria a questão, mais de uma dezena de pedidos foram apresentados para suspender ações penais baseadas em interceptações assim.

O ministro Gilmar Mendes, relator, negou todos esses pedidos. Mas eles referem-se a outras operações importantes contra o crime organizado e esquemas de corrupção.

Há um pedido de 2017 de Leandro Teixeira de Andrade, condenado por tráfico internacional de drogas junto com André do Rap, o líder do PCC solto em 2020 por decisão do ex-ministro Marco Aurélio Mello, atualmente aposentado. Eles foram alvos da Operação Oversea, que, em 2013, no porto de Santos, apreendeu 140 quilos de cocaína num contêiner de carnes que teria como destino a Espanha. A interceptação telefônica, nessa investigação, durou 12 meses.

Outro que pediu a suspensão de sua ação penal, também em 2017, foi o ex-juiz João Carlos da Rocha Mattos, alvo da Operação Anaconda, deflagrada em 2003 para desarticular um esquema de venda de sentenças na Justiça Federal em São Paulo. Sua defesa aponta “incompetência absoluta” do juiz que autorizou as interceptações, bem como “sucessivas prorrogações ao longo de meses, sem a mínima fundamentação judicial”.

Ainda em 2017, o ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) Paulo Rodrigues Vieira, acusado em 2014, no âmbito da Operação Porto Seguro, de chefiar uma quadrilha que concedia facilidades para empresas em diversos órgãos públicos em troca de propina. Uma das acusadas neste caso foi a ex-chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo Rosemary Noronha, que tinha relação próxima com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A defesa de Paulo Vieira diz que ele foi grampeado por mais de quatro meses e busca anular os processos.

Há ainda pedidos ao STF para suspender ações penais de um ex-auditor fiscal de Niterói acusado de corrupção (na Operação Alcateia, de 2014); de um ex-diretor de hospital do Rio de Janeiro acusado de participar de esquema de desvio de recursos públicos (Operação Ilha Fiscal, de 2015); de um advogado acusado de envolvimento no jogo do bicho na capital fluminense (Operação Furacão, 2007).

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