Governo anunciou novas regras para conter danos das bets| Foto: Joedson Alves/Agência Brasil
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O esforço recente do governo para atenuar os danos causados pela Lei das Bets, proposta e sancionada no ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para regular as apostas online, poderá não ser suficiente para resolver o problema. Duas ações apresentadas na semana passada ao Supremo Tribunal Federal (STF) poderão impor novas condições para o funcionamento desses jogos, que viraram uma febre repleta de malefícios: superendividamento de famílias pobres, dependência mental e prejuízo para a economia do país.

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As duas ações apresentadas – uma da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e outra do partido Solidariedade – buscam derrubar a totalidade da Lei das Bets (14.790/2023). A legislação partiu de uma iniciativa do governo focada no aumento da arrecadação tributária, mas acabou virando uma dor de cabeça para a própria equipe econômica de Lula. Pesquisas mostraram que pessoas de classes baixas estão perdendo patrimônio, devendo no cartão de crédito, usando dinheiro do Bolsa Família para apostar e caindo em golpes de bets suspeitas.

Desde a semana passada, o Ministério da Fazenda, incumbido de fiscalizar a atividade, tem anunciado medidas para tentar corrigir esses problemas. Mas as ações no STF demonstram que o problema é maior: não afeta apenas as pessoas viciadas e suas famílias, mas também o comércio, o serviço e a indústria, que estão deixando de vender porque o dinheiro que deveria comprar produtos e serviços está indo para as casas de apostas na internet.

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Um estudo da CNC aponta que mais de R$ 68 bilhões foram gastos em apostas entre 2023 e 2024. Com isso, a confederação avalia que o setor varejista pode perder 11,2% no faturamento, uma perda de R$ 117 bilhões por ano. Só no primeiro semestre deste ano, estima-se que os cassinos online já retiraram R$ 1,1 bilhão do comércio.

“A norma impugnada igualmente gerou drástica redução na circulação de renda nos setores da economia que atendem majoritariamente as classes sociais C, D e E, mais atingidas com o advento da Lei n.º 14.790/2023, trazendo enorme prejuízo principalmente para o comércio varejista, desencadeando uma diminuição dos investimentos no setor, o fechamento de pequenos empreendimentos e a redução dos postos de trabalho”, diz a CNC na ação.

O Solidariedade levou ao STF argumentos semelhantes, com foco no impacto sobre as pessoas e famílias. “Ao estruturar legalmente o setor de apostas de quota fixa, [a Lei das Bets] não adotou medidas adequadas para garantir a prática de ‘jogo responsável’, para mitigar o endividamento e para prevenção aos transtornos psicológicos relacionados ao jogo”, diz a ação do partido.

Ações no STF pedem o fim das bets no Brasil

As duas ações pedem a declaração de inconstitucionalidade de toda a lei. Nesse cenário, o STF, na prática, acabaria com as bets no país. Mas é possível também que os ministros preservem parte da legislação, derrubando apenas alguns trechos ou impondo condições para que as regras se adequem a princípios e direitos fundamentais da Constituição. No caso, o valor social do trabalho, o direito à saúde e a proteção de crianças e adolescentes.

Na última sexta-feira (27), o ministro Luiz Fux, relator das ações no STF, marcou para 11 de novembro uma audiência pública para discutir os problemas criados pelas bets. Foram chamados representantes do governo, do Congresso e da sociedade civil para discutir o que pode ser ou não considerado inconstitucional na lei que regula o setor.

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Nesta terça (1º), a Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado do Paraná (Faciap) pediu para participar do processo, na condição de “amiga da Corte” – nome que se dá a terceiros interessados que podem contribuir com fatos e argumentos para uma decisão. A diretora jurídica da entidade, Wallerya Grudzien, diz que, ainda que o STF não venha declarar a lei inconstitucional, a discussão do tema no âmbito do Judiciário é importante para provocar governo e Congresso a reagirem com mais rigor no controle das bets.

Como parte dos parlamentares resiste em mudar a lei, o STF pode forçar mudanças. Isso aconteceu, por exemplo, na desoneração da folha de pagamentos – uma liminar do ministro Cristiano Zanin para acabar com os benefícios tributários para 17 setores forçou o Legislativo a voltar à mesa de negociação para firmar um meio-termo com o Executivo, resultando na aprovação do fim gradual da desoneração.

O mesmo pode ocorrer com as bets. Wallerya Grudzien diz que um dos problemas da lei é a ausência de mecanismos para evitar a entrada, nas apostas, de pessoas em situação vulnerável economicamente e que podem levar ao superendividamento de suas famílias.

"Para obter qualquer crédito, empréstimo ou produto com pagamento parcelado, a pessoa tem sua condição financeira analisada, para saber se terá condições de pagar, e se não vai causar prejuízo a si mesma com superendividamento. Essa legislação está livre disso, não tem qualquer critério. Não posso me endividar para comprar um produto, mas posso para jogar?", diz a diretora da Faciap.

Autor de ação contra bets alerta para reação no Congresso

Para o advogado Alysson Mourão, autor da ação do Solidariedade, o STF deve avaliar, nas próximas semanas até a audiência pública, se as medidas adotadas pelo governo para evitar a falência de famílias serão suficientes.

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“Se o STF ver que essas medidas do governo não aplacam os malefícios, pode estipular um prazo para o governo apresentar nova regulamentação, dizendo que a lei está ‘em vias de inconstitucionalidade’. Mas se avaliar que a situação é dramática, pode derrubar toda a lei e com isso, acabar com as bets”, diz.

Diante desse cenário, ele acha mais provável que o Congresso, mais sujeito ao lobby das bets, reaja para corrigir os problemas. “Se o STF declarar inconstitucional, todos que trabalharam em favor das bets não vão perder os anéis, vão perder os dedos”, diz.

Entidade pró-bets quer evitar restrições abrangentes

Por parte do setor, ainda há resistência a algumas medidas do governo. Nesta segunda-feira (30), o Instituto Brasileiro do Jogo Responsável (IBJR), entidade que reúne empresas de apostas, elogiou a retirada das casas que não cumprem os requisitos mínimos, o fim do uso do cartão de crédito e do dinheiro do Bolsa Família para as apostas. Mas se posicionou contra a proibição do PIX para apostar e maiores restrições na propaganda das bets.

“Reiteramos nosso apoio ao caminho que está sendo trilhado pelo governo e colocamo-nos à disposição para colaborar com as autoridades no desenvolvimento de políticas que protejam os consumidores e fortaleçam o mercado legal de apostas no Brasil. Reforçamos, ainda, que as apostas são uma modalidade de entretenimento baseado na imprevisibilidade, sem a garantia de ganhos financeiros”, afirmou a entidade em nota.