O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sugeriu emendas Pix mais transparentes| Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados
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O Congresso deverá resistir a perder poder sobre as emendas parlamentares e tentará encontrar meios para manter a modalidade de transferências especiais, batizadas de "emendas pix" por serem feitas diretamente a estados e municípios sem finalidade de utilização.

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Na semana passada, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu 30 dias para que o Congresso Nacional esclareça esses repasses e determinou que o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Corregedoria Geral da União (CGU) analisem, dentro de 90 dias, as transferências de emendas pix realizadas entre os anos de 2020 e 2024. A decisão liminar resultou de um pedido da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) para suspender as emendas Pix.

A questão deverá ser analisada pelos demais ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entre os dias 16 e 23 de agosto, em plenário virtual – quando eles depositam seus votos no sistema virtual da Corte, sem sessão presencial.

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Antes mesmo do ultimato do STF, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), admitiu que pode haver alteração na forma como são feitos esses repasses. O objetivo seria, segundo ele, garantir maior transparência sobre a destinação dos recursos enviados por parlamentares a estados e municípios.

"Acho que o Pix vai ter que ser aprimorado agora para ter o objeto. De onde nasceu a emenda Pix? Da burocracia do governo. A turma fez uma emenda de transferência direta (para a prefeitura). Podemos avançar? Podemos. Vamos fazer a emenda Pix com um objeto determinado", disse o presidente da Câmara ao jornal O Globo no fim do mês passado.

Ainda de acordo com Lira, as emendas Pix nasceram com a finalidade de facilitar a vida dos gestores locais, que ganharam maior liberdade para gerir recursos federais, e assim podem tocar obras como construção de escolas, sistemas de abastecimento de água e outras.

Mas a falta de transparência é um incômodo para alguns parlamentares, segundo afirmou um consultor do orçamento que conversou com a Gazeta do Povo de forma reservada, já que muitas vezes a destinação acaba servindo como uma espécie de moeda de troca a serviço de interesses políticos, mesmo sem a existência de uma vinculação legal destes recursos.

Na decisão, Dino afirma que as emendas Pix só podem ser realizadas se atenderem aos requisitos constitucionais da transparência e rastreabilidade, o que não ocorre atualmente, já que as transferências permitem que deputados e senadores destinem recursos sem especificar como estes serão gastos, o que na prática, permite que o gestor faça "o que bem entender" com a verba.

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Agora, com a determinação de que o Congresso trate as emendas com maior clareza, a Câmara deverá buscar suporte jurídico para avaliar uma solução que ao mesmo tempo atenda às determinações do judiciário, mas também mantenha o poder conquistado pelos parlamentares em relação às emendas.

Segundo uma outra fonte ligada à consultoria da Câmara dos Deputados, que conversou de forma reservada com a Gazeta do Povo, como é de praxe em questões dessa natureza, a consultoria deverá elaborar uma nota técnica para orientar a presidência da Câmara sobre que medida será possível adotar após o entendimento de Flávio Dino sobre irregularidades nessas transferências especiais.

Abraji comemora o resultado

"A decisão do STF é muito importante, pois previne danos aos cofres públicos e busca garantir a aplicação dos princípios constitucionais de transparência e fiscalização dos recursos públicos. Esta não é uma vitória apenas do jornalismo, mas de toda a sociedade", disse a presidente da Abraji, Katia Brembatti, em nota.

Ao responder à ação da Abraji, o ministro Flávio Dino também determinou que as emendas Pix só poderão ser destinadas pelo parlamentar ao estado pelo qual foi eleito, além de exigir que o detalhamento seja feito em plataforma específica do governo.

Congresso pode dar mais transparência para evitar fim das emendas Pix

Segundo disse à Gazeta do Povo uma fonte ligada ao Orçamento, uma das saídas possíveis para o impasse entre o STF e o Congresso em relação às emendas Pix pode ser alterar a regra para dizer como o dinheiro público será investido, em quanto tempo, e exigir a prestação de contas da aplicação dos recursos, o que resolveria a falta de transparência apontada pelo Judiciário.

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Com a decisão do STF em 2022 que determinou o fim das emendas de relator (RP9), batizadas de orçamento secreto, o montante destinado às emendas especiais, criadas em 2020, aumentou exponencialmente: em 2022 o governo pagou R$ 1,66 bilhão dos R$ 3,3 bilhões autorizados no orçamento; em 2023 o valor pago saltou para R$ 8,7 bilhões, de R$ 7 bilhões autorizados na lei orçamentária do ano passado – o montante pago pode ser maior por causa de restos a pagar de anos anteriores.

Esses valores destinados a estados e municípios são livres, com definição apenas do que deve ser aplicado em investimento e custeio. Portanto, fica a cargos dos gestores decidir onde gastarão o dinheiro, segundo explica o consultor de orçamento da Câmara Fidélis Fantim. Não há o devido controle por parte dos parlamentares, e isso causa desconfiança.

Menos de 1% das emendas Pix de 2024 informam destino e fim de dinheiro

Um levantamento realizado pela Transparência Brasil, organização independente que desde 2000 atua para promover a transparência e o controle social do poder público, mostra o baixo nível de informações disponíveis sobre o destino do dinheiro das emendas Pix inseridas na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024. Menos de 1% dos R$ 8,2 bilhões dessas emendas identificam o destino e para que o dinheiro será utilizado.

O levantamento aponta ainda que 70% das emendas - R$ 5,9 bilhões - não tem qualquer tipo de informação sobre como os parlamentares planejaram o uso do dinheiro. Dos R$ 8,2 bilhões das emendas Pix orçados para 2024, R$ 7,4 bilhões não têm informações sequer sobre o município ou estado que receberá o repasse.

Nesses casos, aponta a organização, o dinheiro é desmembrado e distribuído a destinatários diversos, que só se tornam públicos antes da liberação do recurso pelo governo federal.

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Dados anteriores divulgados pela Transparência Brasil mostraram ainda que grande parte das emendas individuais simples no ano passado foi para municípios pequenos, onde os mecanismos de controle e fiscalização são mais frágeis.

Em 2023, segundo a análise da organização, ao menos R$ 1,4 bilhão foram enviados para cidades com até 10 mil habitantes no primeiro semestre.

Liberação de emendas Pix aumentou em ano eleitoral

Entre janeiro e 5 de julho deste ano, o governo federal já liberou quase R$ 4 bilhões em emendas Pix para municípios brasileiros, sendo que 19 das 20 prefeituras que receberam o maior volume de dinheiro são comandadas pelo Centrão, que reúne partidos de centro e direita, não necessariamente alinhados à base governista nem a oposição.

A capital do Amapá, Macapá, no Norte do Brasil, cujo prefeito Antônio Furlan (MDB) é candidato à reeleição, foi a campeã no recebimento de emendas Pix, com R$ 44,3 milhões no primeiro semestre deste ano.

O repasse no valor das emendas Pix em 2024 é 248% superior ao destinado no mesmo período do ano passado, quando as transferências especiais para os municípios chegaram a R$ 1,6 bilhão, além de ser maior do que nos anos inteiros de 2022, 2021 e 2020, quando o modelo de transferência especial foi implantado.

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Parlamentares defendem "carimbo" para transparência de emendas Pix

Considerando ainda que os municípios brasileiros realizam eleições para prefeito em outubro, o impacto das emendas no dia a dia da população e a interferência no resultado do pleito, muitos deputados engrossam o coro do presidente da Câmara e acreditam que é preciso repensar o modelo das emendas Pix.

Na opinião do deputado José Nelto (PP-GO), apesar de ter facilitado o trajeto do dinheiro do governo federal até os cofres das prefeituras, é preciso saber também com detalhes de que forma ele será usado, e por isso Lira estaria correto ao propor mudanças para garantir a transparência dessas emendas.

"Nós queremos e sempre defendemos a transparência do dinheiro dos pagadores de impostos, então essa ideia dele [Lira] de carimbar os repasses, para que os tribunais possam fiscalizar a emenda Pix, tem o apoio do Congresso Nacional", diz o parlamentar.

Segundo o deputado, esse carimbo vai evitar que os prefeitos gastem o dinheiro da forma como quiserem e ainda ajudará na fiscalização, tanto pelos órgãos de controle quanto pela própria população.

A líder do Novo na Câmara, deputada Adriana Ventura (SP), também concorda que, apesar de terem nascido para agilizar a execução dos recursos públicos e garantir autonomia aos entes federativos, '"o calcanhar de Aquiles" das emendas Pix sempre foi a falta de transparência, assim como a de fiscalização.

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"Sabemos quem indica os recursos, mas desconhecemos o que é feito na ponta com o dinheiro. Sequer sabemos a finalidade dos recursos. Quem fiscaliza a execução dos recursos são os órgãos de controle dos próprios estados e municípios. Ou seja, não há fiscalização", completa a deputada.

Emenda Pix é incompatível com critérios de transparência, diz especialista

Na opinião do advogado Marcos Jorge, mestre em Direito Público, do ponto de vista técnico e jurídico, há incompatibilidade das emendas Pix com os princípios de publicidade e transparência, necessários ao regime democrático republicano.

Para o advogado, "o próprio procedimento dessas emendas já demonstra o constrangimento da transparência no gasto público, pois, ao contrário das emendas orçamentárias regulares, onde o parlamentar deve indicar a área e o serviço no qual o valor repassado pelo governo federal deve ser investido, as emendas pix saem dos cofres públicos da União para os estados e municípios sem qualquer detalhamento do investimento. Ou seja, os governos municipais e estaduais decidem onde irão investir o dinheiro repassado, sem maiores detalhamentos".

Marcos Jorge lembra ainda que o STF definiu, em 2022, por maioria, que as emendas de relator eram inconstitucionais, justamente pela ausência de transparência, por "violar os princípios constitucionais da transparência, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade".

Para o consultor político Luiz Filipe Freitas, o problema com as chamadas emendas Pix é um caso crônico e "o caminho deverá ser uma regulamentação para ajuste das execuções", que deverão continuar sendo distribuídas pelo Legislativo.

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Mesmo com o questionamento do STF sobre a transparência dessas emendas, o consultor acredita que dificilmente a Corte se manifestará contrária à execução das emendas no Orçamento, mesmo que um entendimento nesse sentido beneficiasse o governo, que retomaria o controle das emendas e do dinheiro público.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]